Torrentes Espirituais – Jeanne Guyon

Pequeno excerto extraído (mais precisamente o capítulo 7) de sua obra clássica “Torrentes Espirituais” de Jeanne Guyon. Você pode adquirir o livro por esse link aqui

Torrentes Espirituiais – Madame Guyon

CAPÍTULO 7

Você se surpreende com o que for dito a seguir.

Um impetuoso rio agora chegou, por meio de todos os imagináveis bramidos e quedas, lançando-se de um lado a outro. Ele tem sido fortemente atirado contra as rochas. Tem se revolvido de uma rocha à outra, de um nível ao outro. Mas sempre tem estado totalmente visível; nunca tem sido retirado de vista. A esta altura começa a precipitar-se em profundas cavernas. Por muito tempo fica invisível. Talvez o vejamos por um breve tempo, apenas para vê-lo desaparecer mais uma vez em algum golfo profundo. Fora de vista, se cair de um abismo a outro.

Eventualmente ele cairá dentro do abismo do mar, e lá, perdendo-se a si mesmo, nunca mais se encontrará novamente; terá se tornado parte do próprio mar.

Após muitas experiências de morte, e depois de já haverem aumentado as asperezas, o cristão finalmente expira nos braços do Amor, sem contudo jamais perceber que neles descansa.

E que estamos dizendo aqui? Esta pessoa, personificada na experiência deste rio, perde, simplesmente, agora e muito sutilmente, todos os seus desejos, inclinações e escolhas. Quanto mais esta torrente se aproxima da morte, mais fraca se torna. Embora ela fosse inevitável, uma vez que a vida lá estivesse alguma esperança haveria; mas agora já não há esperança. A torrente cai terra adentro e não mais é vista.

O cristão conhece os enormes precipícios nos quais caiu; contudo, ele cai não num precipício, mas num abismo invisível.

Agora chega uma miséria da qual não haverá nenhum dia de livramento.

A primeira impressão, ao entrar neste abismo, é que ele não parece ser tão grande. Quanto mais o cristão nele mergulha, mais pavoroso parecer ser o lugar.

Veja você, após o homem expirar ele ainda se encontra entre os viventes. Ele está morto, mas não foi extinto. Portanto, vemos aqui uma alma que ainda carrega algum semblante de vida. É como que um leve calor deixado no corpo.

Que estou dizendo aqui?

A alma ainda tenta adorar e orar. Contudo, como o abismo é escuro, as tentativas são abandonadas. Ele deve perder a Deus, ou pelo menos assim lhe parece. Para ele há quase uma certeza de que perdeu o Senhor, não por um período de meses ou anos, mas para sempre – o Senhor a quem conheceu por toda a vida…

Mais uma vez ele sentiu medo do mundo; agora o mundo está receoso dele! No tocante a seus companheiros cristãos há um certo respeito, dado pelos viventes àqueles que estão para ser sepultados. Eles estão, afinal de contas, para lançar esta pobre criatura terra adentro, para não mais ser lembrada.

Se o corpo humano pudesse ver o que lhe estava acontecendo quando era sepultado, iria sofrer um estresse tremendo. Bem, a alma pode ver tudo isso, e ficar algumas vezes horrorizada. No entanto, não há nada que possa fazer a respeito.

O cristão sofre por ser sepultado e coberto de terra. A essa altura começa a ficar horrorizado ante si mesmo; a razão é que Deus, até esse momento, obviamente o tem lançado fora. É como se o Senhor o houvesse definitivamente abandonado.

A alma está lá, e vê que há muito pouco probabilidade de um dia se livrar. Ela deve permanecer para sempre neste estado. E mais: este cristão realmente crê que aqui é o lugar apropriado para ele. O mundo não mais fala desta pessoa, e a considera nada mais que um corpo que perdeu a vida da graça, e já não presta para nada. A alma suporta pacientemente este estado. Mas ai de mim, ele é doce, comparado ao que está prestes a suceder!

Agora a alma deve apodrecer.

Antes o cristão era testado por fraqueza e esmorecimento. Mas agora ele viu a profundeza de sua corrupção. Ele chegou a um estado onde vê a completa varredura de tudo que lhe aconteceu. Os problemas, os escárnios, as contradições, tudo mais cessa de afligi-lo. Mesmo a reflexão sobre o sofrimento do Filho de Deus não o toca mais.

Não há remédio nenhum para este estado. Ele simplesmente deve ser traspassado.

Talvez o cristão dissesse agora: “Eu poderia suportar este retorno gradual ao pó, se tão somente o olhar de Deus estivesse posto sobre mim… Quanta tristeza meu estado deve lhe causar!”

Seu contentamento é pensar que talvez o Senhor haja de fato se voltado por desgosto à sua pessoa; assim ele seria poupado de saber que Ele estaria assistindo à sua decadência.

E esse estado de decadência se prolongará por mais um período de tempo? Ai de mim: acontecerá exatamente o oposto; ele durará vários anos, e persistirá crescendo continuamente (até o fim), não mais para haver o apodrecimento, e sim a volta ao pó. E o pó retorna ao pó, e as cinzas às cinzas.

O pobre rio agora se precipita dentro dum abismo; despenca até o mais e mais profundo, até que haja, afinal, todas as boas resoluções e austeridade.

Observe agora a diferença entre o estado deste impetuoso rio, quando fluía de sua fonte, correndo graciosamente sobre as planícies, pelos ribeirinhos abaixo, e depois, em seu assombroso mergulho.

No entanto, este era o seu destino.

Algo interessante acontece nesta ocasião. A alma começa a se acostumar com está situação. Ele permanece bem, sem esperança, sem pensamento algum de escape. Ela está totalmente incapacitada de aliviar a situação. Os motivos ocultos do coração estão sendo aniquilados e transformados em pó. Pelo menos tem início a extinção das coisas obscuras do coração.

Agora o corpo nada mais é senão cinzas; a alma não mais sofre a influência de seu meio. Ela se familiariza com este estranho ambiente indescritível.

O cristão cessa de olhar para qualquer coisa. Ele é como uma pessoa que não mais é e jamais voltará a ser. Antes ele ficava chocado com sua natureza. Agora não há reação para com ela.

Antigamente ele se achegava apavorado à comunhão, com temor de desonrar Deus. Agora ele parece se aproximar da comunhão como se fosse uma experiência corriqueira.

Não há mais nenhuma sensação daquilo que provoca dor ou prazer. As cinzas repousam em algum tipo de paz, mas uma paz sem nenhuma esperança; cinzas não possuem esperança alguma. Mesmo quando a alma estava consciente da sua deterioração, ela estava pelo menos isso – ainda consciente. Agora ela se foi nesse estado; nada mais – nem dentro, nem fora – a afeta.

Finalmente, neste cristão que está sendo reduzido ao nada é encontrado, em suas cinzas, um germe da imortalidade. Preservado debaixo de tudo isso, como um germe, está alguma coisa, que o tempo oportuno irá viver. Contudo, esteja certo, o cristão não está ciente disso. Ele não tem pensamento algum de jamais poder ser reavivado ou ressuscitado.

Há fidelidade nesta pessoa? Apenas a de se permitir ser sepultado esmagado; não mais que a fidelidade de uma pessoa morta.

Se você for perfumar-se a fim de evitar que venha a cheirar mal, no processo de putrefação, não faça isso, pobre alma. Deixe-se a si mesma onde se encontra.

Submeta-se. Haver chegado até este momento e agora procurar escapulir deste estado pela aplicação do doce bálsamo é infligir o mal a si mesma. O Senhor está tendo paciência com você; não deveria você ser paciente consigo mesma?

E se um outro cristão estiver preocupado em ajudar o cristão que se encontra nesta situação, qual deveria ser seu procedimento? Minha opinião é que você deve fazer muito pouco para aliviar tal pessoa.

Alive-o apenas na preservação de sua sanidade mental, pois caso contrário ele poderia ser destruído pela própria aflição.

Há dor, tormento, aqui, que vai precisamente à medula dos ossos.

As outras dores foram mais a nível exterior; esta penetra profundamente. Não demonstre piedade para com essa pessoa. Deixe-a no estado em que pensa estar, porque por mais que ela olhe por cima disso, para Deus este é um estado que lhe é muito agradável. Dessas cinzas nasce uma nova vida.

A pessoa que tem sido reduzida ao nada deveria não desejar sair desse estado, ou viver como vivia anteriormente. Ela teria de continuar olhando para trás, àquele estado, como algo que não mais existe.

E agora, finalmente, o rio que corre velozmente mergulha no mar e nele se perde, para nunca mais voltar a encontrar-se. Ele se tornou semelhante ao mar.

Agora alguma coisa acontecerá. Pouco a pouco esta coisa morta começa a sentir-se. Contudo, o que ela experimenta é isento de sensação. Gradualmente as cinzas se reavivam e tomam uma nova forma. Todavia, este processo é muito lento. Para alguém em cuja vida isso está acontecendo isso se parece mais a um sonho ou uma visão prazerosa. Você poderia resumi-la deste modo: há cinzas, e as cinzas estão formando um verme, e esse verme está gradualmente adquirindo vida.

Estamos chegando ao último; mas é apenas seu o princípio. O princípio, não mais que o começo da verdadeira vida interior. Os níveis dentro que o começo da verdadeira vida interior. Os níveis dentro deste último estágio são inumeráveis.

E até onde a alma pode avançar não há limites. O impetuoso rio consegue ir mais além, dentro do mar, e receber mais e mais de sua qualidade, simplesmente por habitar mais tempo dentro dele.

Tradução de: Ana Maria Petitinga Lanees

Livro “The Works Of Madame Jeanne Guyon” – Versão kindle; este livro contém 7 obras de Jeanne Guyon das mais conceituadas. entre elas ‟Spiritual Torrents”, do qual coletamos este breve texto, além de sua autobiografia, suas cartas, poemas, sua análise sobre cântico dos cânticos, entre outros, totalizando ao todo 7 obras.  Saiba Mais.

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