Torrentes Espirituais – Jeanne Guyon
Pequeno excerto extraído (mais precisamente o capítulo 5) de sua obra clássica “Torrentes Espirituais” de Jeanne Guyon. Você pode adquirir o livro por esse link aqui
CAPÍTULO 5
Enquanto esse rio – esse cristão – se encontrava na montanha, era tranquilo, apreciando o descanso e não sendo nunca invadido por nenhum pensamento de queda. Contudo, na intensidade de sua experiência ele tem o instinto espiritual de se voltar para o Senhor, dentro de seu centro. Isso é um dom da fé. Entretanto, quando ele procura expressar a sua fé ele pode, involuntariamente, causar alguma coisa no seu descanso – e ele confia no Senhor para começar a filtrar-se. A água ainda está movendo, mas não mais em direção ao mar. Há algo errado. Ele está se movendo rumo à própria destruição.
Ele pode desejar retornar à montanha onde estivera. Agora, porém, isso não mais é possível. Haverá áreas niveladas à frente; lá o rio encontra descanso. Contudo, acredite, há tumulto adiante. Repetidamente, o cristão confundirá essas áreas como sendo um tempo em que ele teve condições de reivindicar aquilo que uma vez possuiu.
Ele estará certo de que as quedas traiçoeiras que recentemente tem enfrentado o têm purificado. Entretanto, as imperfeições ainda estão lá. Além disso, há muito mais que deve ser feito na sua vida. Devo informar-lhe de que o cristão pode verdadeiramente acreditar que seu sofrimento terminou.
Pobre torrente, você pensa que encontrou descanso. Você está começando a deleitar-se nas próprias águas. Você se contempla num espelho que essas mesmas águas fazem, e pensa que está melhor . Que surpresa a sua, quando fluindo tão suavemente sobre a areia inesperadamente encontra uma queda que segue ladeira abaixo, ainda mais íngreme e mais longa e perigosa do que aquela que encontrou.
O rio não consegue nem mesmo encontrar seu leito. Ele cai de uma rocha a outra. Não há ordem nem razão para tal. Outros ouvem o barulho e até mesmo sentem receio de se aproximar.
Oh! Torrente, o que fará você? Você vê a grande queda que irá atravessar, e acredita que esteja mesmo perdida. Não tenha medo: você não está perdida! Estas e outras quedas que estão reservadas para mais adiante são para sua melhor redenção.
Eventualmente o cristão – o rio – sente que alcançou a parte mais baixa da montanha e está no nível de planície. Mais uma vez há calmaria. Agora o cristão já entra num outro estágio em sua experiência espiritual. Ele talvez encontre descanso uma vez mais, e o mesmo poderá durar muitos anos. Gradualmente, entretanto, ele se conscientiza de que está voltando a experimentar inclinações por coisas que imaginava o haverem deixado há muito. E fica chocado. A paz parece deslizar de novo, quando as distrações surgem aos montes. Há estações de seca e muita sequidão. Em lugar de pão tão somente pedras. A oração se transforma em algo desagradável. A paixão que imaginou estar retorna à vida.
O cristão está consternado. Preferiria voltar ao lugar onde caiu, ou pelo menos permanecer onde se encontra, e não mais cair. Contudo, o alto da montanha foi alcançado. Não mais haverá as experiências no seu topo. A alma deve neste momento dar um grande passo decisivo.
O cristão se detém, apegando-se a algumas preciosas devoções passadas. Ele redobra seu arrependimento, agarra-se a qualquer coisa que alguém lhe ensinara sobre retornar ao Senhor. Todas as coisas que tenta fazer significam trabalho. Em tudo isso sente que alguma área da sua vida está em falta. “Alguma coisa na minha vida está errada, e está provocando tudo isso. Se ao menos pudesse colocá-la em ordem…”
O cristão agora encara o que lhe parece um fato óbvio – não receberá nenhuma ajuda do Senhor. A infidelidade de Deus o assusta. Ele lamenta a perda da presença do Senhor. Mas para espanto seu, o Senhor realmente retorna.
A esta altura cometeu o erro de crer que os dias de trevas se foram, que o Senhor trouxe novas bençãos e que uma nova pureza é e será estabelecida. Ele acredita que verdadeiramente chegou a não dar crédito à própria vida.
Este novo relacionamento que tem com o Senhor é agora grandemente estimado, e considerado algo frágil. Já não corre tempestivamente, como fazia antes. Não quer perder o tesouro que uma vez pensou ter perdido. Está mais sensível a respeito de desagradar o Senhor, por medo de que Ele se afaste. Empenha-se em ser mais do que já fora anteriormente.
Apesar deste andar mais cauteloso, de estar desfrutando tal intimidade com o Senhor, uma vez mais começa a ser o motivo que faz com que creia que pode tomar este estado presente como garantia de segurança. Os prazeres que conhece são, sob a sua ótica, até mesmo melhores que os anteriores, porque vieram com muito sofrimento. Ele se vê num novo caminho com o Senhor; um novo descanso chegou.
Ai de mim, o cristão está pronto para experimentar até mesmo uma queda maior, mais longa ainda, e mais difícil que a última.
A paz se foi. O que antigamente concedeu vida traz agora morte. Uma agitação, nunca antes vista, corre mais profundamente; ele descobre, afinal, que mal pode estabelecer qualquer relacionamento com a cruz de Cristo. Dobra seu comprometimento exercitando a paciência. Chora e geme. Cai em desânimo. Queixa-se ao Senhor de haver sido abandonado. Sua queixa não é ouvida. Quanto mais problemas, mais queixas. Todos os esforços para “ser bom” são agora difíceis. Surgem tendências para as outras coisas.
O temor de retornar às coisas mundanas – como cobiça e vaidade – faz com que o cristão redobre os esforços, a fim de permanecer (se é que posso dizer assim) “cristão” em seu caminhar. A pomba se foi para fora da arca. Contudo, não encontrou um lugar para pousar na terra, e descansar. Parece que quando retorna, Noé fecha as portas e as janelas. Ela pode apenas suspirar, à procura de descanso. No entanto, é incapaz de encontrá-lo. Eventualmente o Senhor, em sua misericórdia, abre a porta e uma vez mais aceita plenamente o cristão.
Você não pode ver que tudo isso é divino? É amor bondoso? Esta é simplesmente a maneira como o Senhor lida com a alma. Ele faz estas coisas para que o rio possa mover-se mais rapidamente (como torrentes) em direção a Deus. Ele foge, se esconde, a fim de atrair o cristão para mais perto de Si. Permite que o cristão caia demonstrando que só Ele tem o privilégio de erguê-lo.
Esse bendito Senhor está procurando mostrar que apenas Ele é a força total e incontestável de um cristão.
Se você é uma daquelas pessoas que é forte e vigorosa, e nunca passou por estar experiências (estes estratagemas de amor, estes acontecimentos que parecem tão maravilhosos aos outros que os observam, contudo, parecem tão terríveis àqueles que os experimentam), a você eu diria: “Você nunca experimentou os limites da própria fraqueza, nem sabe da grande necessidade que tem do auxílio do Senhor”.
A pobre alma que passa por estas experiências começa não mais a estribar-se em si mesma, mas somente no Amado. A severidade com a qual o Senhor algumas vezes trata seus filhos apenas faz com que ele seja mais agradável.
E mais: quando o cristão que o Senhor se retirou, acredita que foi por culpa sua. Ele tenta consertar seu caminho com todos e com tudo. Mas quanto mais ele corre, mais permanece no mesmo lugar.
Oh, querido Senhor, que estas almas possam ser reduzidas ao poder, um estado que é melhor do que milhares de estados de arrependimento, a intenção de reparar a injúria que sentem haver cometido contra Ti.
Se o Senhor pudesse vir e desse um fim a este agitado estado, somente para que o cristão experimentasse algum descanso! Sem querer, ele está progredindo, e aqueles poucos momentos de descanso e folga chegam mais brevemente, e são mais frágeis.
Finalmente algo surge no cenário. O cristão compreende que há alguma coisa dentro dele que deve morrer. Oração, devoção e conversa, todas essas coisas têm a prova de morte sobre elas.
Se o cristão realmente tem um coração inclinado ao Senhor, ele poderá ser encontrado num lugar onde todas as coisas parecem haver perdido o significado.
Após haver lutado por tanto tempo, e tão duramente, vem agora uma sucessão de tristezas e descanso, de morte e vida. O cristão começa a ver um pouco do que está acontecendo.
Ele entende que aqueles períodos de morte estão cooperando a seu favor; porque nessas poucas vezes o Senhor está com ele, há uma enorme pureza no relacionamento. E o resto é um profundo descanso. Talvez mais breve, verdadeiro, mas também mais puro e profundo. Ele começa a compreender que algo está operando a morte em seu ser, e que está totalmente nas mãos de Deus, e que isso é bom.
O cristão está começando a aprender a deixar o Senhor ir e vir, conforme Sua vontade; entende que não é mais necessário estar cheio da Sua presença.
E agora vamos discutir a razão para todas essas descobertas! O cristão está sendo lentamente preparado para um pouco mais de progresso na sua vida. Ele pode não compreender isso, mas está de fato movendo-se (como as torrentes) em direção àquele grande mar.
Seu descanso é menor e mais singelo. O gozo é menor, mas é puro. A estrada está repleta de angústia, entretanto, há um certo tipo de alegria em saber que o Senhor pôs de lado determinadas distrações, e talvez aqueles antigos estágios nunca retornem.