Torrentes Espirituais – Jeanne Guyon
Pequeno excerto extraído (mais precisamente o capítulo 2) de sua obra clássica “Torrentes Espirituais” de Jeanne Guyon. Você pode adquirir o livro por esse link aqui
CAPÍTULO 2
Aqui está o cristão, que após convertido separa algum tempo para estar na presença de Deus. Suas palavras são medidas, e ele busca purificar-se, afastar-se do mundo e dos pecados pendentes que ainda precisam ser liquidados. Ele empreende seu curso para adiante, pouco a pouco.
Esse cristão pode ser grandemente afetado no período de sequidão. Na realidade há ocasiões quando seu leito está totalmente seco. Algumas vezes parece que o rio já não está fluindo de sua fonte. Não há transporte que nele possa ser colocado, posto que é vagoroso, e algumas vezes está totalmente vazio, inclusive.
Mas há grande ajuda para um rio como este. Ele sempre pode unir seu curso de outro menor, que lhe oferece força para que com a mútua ajuda eles se movimentem em diereção ao seu destino.
O motivo de sua lentidão? É que este cristão, ainda que almeje uma transformação interior, não está empenhado no andar interior mais profundo. Seu trabalho é centralizado nas aparências, e raramente vai além da oração objetiva. Certamente ele é tão santificado quanto os outros cristãos. Deus derrama luz sobre ele, a fim de que possas adaptar-se ao contexto pelo qual optou viver. Esse cristão pode algumas vezes ser muito belo, e frequentemente ganhar a admiração de outros.
Às vezes ele recebe alguma luz, que repentinamente o faz apressar-se. Contudo, muitos jamais se desembaraçam de si mesmos. Ele frequentemente tem milhares de boas e puras intenções em buscar o Senhor. Muitos, entretanto, fazem suas buscas segundo os próprios esforços.
Se alguém procura ajudar esse cristão a fim de que ele alcance um relacionamento mais profundo com Deus, provavelmente não será bem-sucedido. Há várias razões para isso. Primeiro, o cristão que dispuser a chamá-lo a um relacionamento mais íntimo com o Senhor não tem nada de místico a oferecer. Mas esteja certo de que é muitas vezes a dependência do mover sobrenatural o imprescíndivel para que o cristão débil prossiga.
Segundo: se você observar, este cristão tem uma grande capacidade para racionalizar. Ele é geralmente forte nesta área. Ele pode ser muito determinado, e frequentemente é, até mesmo em sua decisão de perseguir o Senhor. Contudo ela é uma busca racional. O cristão mais amadurecido pode descobrir isso, quando estiver buscando ajudá-lo: ele está lidando com alguém que voa de um extremo a outro em sua experiência espiritual. Ele tem muito altos e baixos. Algumas vezes é uma completa maravilha em seu progresso; outras vezes é muito fraco. Quando está passando por dificuldades, cai em grande depressão. Em tempos de aflição não desfruta paz interior profunda, ou tranquilidade. Você também descobrirá que ele está querendo combater qualquer coisa que se lhe depare pelo caminho. E se queixa das coisas que lhe aconteceram.
Será mais seguro se esse cristão não aprender rapidamente sobre o andar profundo interior. E por quê? Porque você terá removido dele os meios pelos quais ele escolher seguir Senhor. Se você retirar essas coisas nas quais ele confia, você o deixará sem nada para seguir seu curso rumo a Deus. Talvez, no que tange a este assunto, descubramos algumas das razões das disputas entre os cristãos no que diz respeito ao meio apropriado de andar com o Senhor. Aqueles que encontram um profundo elemente em seu relacionamento com ele reconhecem o bem que dele obtiveram. Consequentemente, desejam que todos percorram esse caminho. Por outra lado, o cristão analítico descobrirá seu meio de caminhar com o Senhor, e buscará com que todos o sigam. Qual a solução? A resposta é discernir com que tipo de cristão você está lidando. Qualquer que seja ele, ajude-o ao longo do rumo que houver escolhido. Afinal de contas, esse é o percurso que melhor se ajusta à sua disposição natural.
Você deve apenas observar. Há muitos cristãos que simplesmente não conseguem vir à presença do Senhor, aquietar-se perante ele e permanecer por longo tempo na sua presença.
Outros são dotados de grande habilidade para encobrir não somente as falhas dos outros, mas sobretudo as suas. Você descobrirá que tais cristãos são geralmente muito presos a sentimentos e emoções. Tanto as pessoas racionais quant as emocionais estão demasiado ligadas à sua capacidade de racionalizar.
Devem eles continuar, apesar disso? Poderão ser ajudados mais adiante? Sim, só que tal ajuda tem de ser prestada por uma pessoa sábia. Para mostrar ao cristão como andar de acordo com toda a extensão da vontade divina você não deve nem ultrapassar a graça de Deus nem se recusar a segui-la. Nossa responsabildiade consiste em corresponder à graça de Deus.
Infelizmente muitos cristãos, ao procurar ajudar outros a conhecer melhor Deus descobrem que já chegaram ao fim de suas habilidades; então, em lugar de auxiliá-los um pouco mais ou talvez misericordiosamente deixá-los sozinhos, decidem conduzi-los por seus próprios círculos e fazê-los seus seguidores, em vez de seguidores do Senhor.
A cada um de nós, como cristãos, é necessário que seja revelado como racionalizar menos e amar mais. Algumas vezes isso tem ser feito muit lentamente, pois nossa predisposição para racionalizar é demasiado grande. Se um cristão quer responder ao chamado de aprender com o Senhor, então certamente ele poderá avançar em direção a ele. Pois para isso há a sua colaboração.
Por outro lado, o cristão poderá começar a literalmente esgotar-se, ao abandonar a racionalização. Se isso acontecer, ele não conseguirá apoderar-se de um amor mais profundo e arrebatado pelo Senhor. Neste caso é sábio encorajá-lo a um trilhar mais ativo e objetivo com ele. Se ele não conseugir alcançá-lo numa compreensão espiritual mais profunda, pelo menos poderá servi-lo conforme sua própria vontade.
Como você pode ver, há dois meios pelos quais respondemos à sequidão: um, perdendo todo ânimo e esperança; o outro, sabendo instintivamente que a sequidão vem do Senhor, e assim continuar a segui-lo, mesmo em lugares áridos. O cristão que em seu caminhar não consegue responder a períodos de sequidão deveria ser encorajado a correr a corrida da fé com todas as suas forças, até que parecesse bem a Deus aliviá-lo, isto é, até que esse ribeirinho encontra-se um rio, fosse recebido em seu seio e carregado em direção ao mar.
Tenho muitas vezes querido saber por que há um clamor contra livros espirituais, e qual a razão da oposição a cristãos que escrevem falando a respeito de uma andar interior mais profundo no Senhor. Tenho a convicção de que tal escritor ou orador não pode prejudicar quem quer que seja.
A única pessoa que sofrerá dano será aquela que antes de mais nada está buscando agradar a si própria. Contudo, a alma humilde, que deseja conhecer melhor a Deus e entende que não irá receber esta dádiva sozinho, mas necessita conseguir ajuda de outra fonte, acaso deveria ser proibido de ouvir ou ler?
Que dizer do cristão irá ler um livro e iludir a si mesmo em conversas, e agir como se houvesse alcançado algum nível maior de espiritualidade, utilizando um vocabulário “espiritual”, parecendo haver entrado um algum lugar especial?
Bem, mesmo um cristão de discernimento mediano pode reconhecer quando tal estado não é real.
Tenho uma segunda razão para acreditar que livros sobre andar profundo, interior, não são prejudiciais. Livros encorajam o leitor a separar-se do mundo e a compreender o significado da morte. Por intermédio de tal leitura o cristão ganha visão espiritual em coisas que necessitam ser vencidas, coisas que precisam ser destruídas. Ao ler esses livros ele começa a compreender que não dispõe de forças suficiente para tais empreendimentos. Portanto, começará a voltar-se para Deus e receberá dele a força necessária para tal aventura.
Nenhum cristão jamais poderia aventurar-se a ser seu próprio líder espiritual, especialmente quando sua natureza é muito religiosa. Ele precisa entender que necessita da ajuda de mais alguém que o conduza em seu caminho para o Espírito de Deus. Há, evidentemente, perigos de depender de alguém para uma liderança espiritual. Um cristão pode voltar-se para alguém que esteja buscando seguidores apropriados para ele mesmo. Essa pessoa irá, é claro, estabelecer limites à graça de Deus e produzir barreiras que o impedirão de avançar.
Frequentemente esse líder cristão que há somente um caminho — o seu caminho! Ele gostaria de fazer o mundo inteiro caminhar apenas dessa maneira. Há grande prejuízo nisso. O líder que fixa todas as coisas a respeito da vida mais profunda e ainda estabelece uma direção específica impede Deus de se comunicar com o cristão que o busca.
Talvez devêssemos fazer na vida espiritual o que fazemos nas escolas. O aluno não é sempre mantido na mesma classe, mas é transferido a cada ano para uma classe de nível mais adiantado. O professor, no sexto ano, não ensinará o que já foi apresentado no quinto ano. A educação convencional é de muito pouco valor, mas ainda grande atenção é dada a ela. O ensino bíblico é muito importante e necessário, mas muito negligenciado. Não deveria haver uma escola para oração? Mas ai de mim! Aqueles que procuram estudar oração somente a estragam. Eles ensinam a orar, e estabelecem regras, limitando o Espírito de Deus. No entanto não se pode limitar o Espírito nem confiná-lo por regras.
Eu insisto com você para que entenda que não existe tal coisa, como a de ser um cristão incapaz de conhecer o Senhor de uma forma mais profunda. Não há razão para nenhum de nós — não importa qual seja nossa disposição natural e formação — deixar de empenhar-se em conhecer o Senhor mais perfeita e intimamente. A pessoa mais estúpida é capaz disso. Sei disso porque tenho visto acontecer. Haverá sempre aquelas pessoas que parecem quase ineptas para obter o conhcimento espiritual, e que também têm demonstrado pouco interesse em buscar alguma aventura espiritual; e haverá aquelas que, depois de tentá-la após algum tempo desistem. Apesar disso, e de sua recusa, prosseguem e fazem algum processo. Eu as tenho visto, passados vários anos, alcançaram um grau elevado de enriquecimento espiritual. Muitas vezes esse com quem tenho lidado me têm dito que teriam parado, se não houvessem contado com minha ajuda. Agora, o que teria acontecido se depois de observá-los por quantro ou cinco anos, sem contudo fazerem progresso algum, eu lhes houvesse dito que simplesmente não poderiam ser avivados com o amor de Deus? Ou então: “Vocês simplesmente não foram chamados para este tipo de relacionamento com Deus”?
Eu me dirijo a você, cristão; você, como qualquer poessoa, atá apto a conhecer os desígnios de Deus para sua vida. Se você for fiel, poderá vir a conhecê-los melhor do que aqueles com grande intelecto e lógica; aqueles que preferem estudar sobre a oração e assuntos espirituais e a experimentá-los. Não importa quão pobre você se julgue. Você estará apto a conhecer o Senhor, se assim o desejar. Mas uma ressalva: Não se exaspere; aguarde humildemente em sua presença, até que a porta se abra.
Por outro lado, aquela pessoa de grande habilidade mental e compreensão parece ser incapaz de manter ao menos um momento de silêncio perante Deus. Tal cristão é dotato de uma admirável facilidade de trazer à tona um rio de palavras; sabe como orar, conhece toda as partes da oração, é eloquente, fala com clareza e exatidão sobre os assuntos espirituais, e parece estar muito satisfeito consigo mesmo, porque consegue fazer essas coisas. No entanto, passados dez ou vinte anos continua no mesmo lugar em sua vida espiritual.