A Interrupção do Poder da Morte (Mateus 16.28)
O que significa: “não provarão a morte até verem o filho do homem vir no seu reino”? Neste estudo abordamos o assunto olhando para a forma grega em que o texto foi construído e conferindo uma observação sob a ótica da glória do reino. Vamos juntos conferir detalhes importantes dessa trama. Te esperamos até o fim do post.
Alguns de Modo Algum Morrerão
Observamos a passagem de Mateus 16.28:
“Em verdade vos digo que alguns dos que estão aqui de modo algum morrerão até que vejam o Filho do Homem vir no seu reino” (Tradução Brasileira). —Mateus 16.28
Conforme podemos ver nesta passagem, Jesus promete, ao comentar diante de Seus seguidores, que alguns dentre eles não morreriam até verem o Filho do Homem vir no Seu reino.
Tal narração causa estranheza a muitos filhos de Deus porque poderia estar vindicando a ideia que de alguns dos Seus discípulos teriam algum prolongamento de vida até que Ele viesse e implantasse Seu reino sobre a Terra, só a partir de então eles morreriam.
Pessoas, sem tomarem maiores detalhes desse assunto, podem afirmar que há discípulos do Senhor vivo até hoje. Têm alguns que alegam que João seriam um deles.
Tal afirmação é despropositada, pois Jesus estaria oferecendo algo que não era muito proveitoso; pense bem, se Ele deixaria a pessoa sem morrer até Ele vir no reino d’Ele, significa que após isso acontecer a pessoa teria que morrer, pois a promessa dela viver seria até Ele vir no reino.
Se assim o for, a pessoa apenas teria o privilégio de O ver e logo em seguida teria que morrer. Tal estimativa é completamente negativa, uma vez que nosso Senhor afirma que devemos entrar no reino d’Ele e não vê-lO para em seguida voltar a experimentar a morte.
Até mesmo os cristãos que não se debruçam tanto sobre a Bíblia consideraria essa análise ilógica e sem fundamento nas promessas de Cristo.
Logo essa hipótese deve ser obrigatoriamente descartada.
Podemos avaliar essa situação por um ângulo que explique melhor o que significa: “até o Filho do Homem vir em Seu reino”?
Sim, e é isso que faremos.
Primeira Análise: O Filho do Homem Vir no Seu Reino
Primeiro temos que entender o que pode ser o “Filho do Homem vir no Seu reino”. Se continuarmos lendo pela lente do Evangelho teremos que conectar o que foi dito no versículo 28 com o que seria dito no próximo capítulo — é sempre pertinente lembrar que os capítulos e versículos vieram muito tempo após o Novo Testamento ser escrito, tais divisões não tem nenhuma pretensão de conectar ou separar contextos ao menos em se tratando da ótica do autor do texto —, assim em Mateus 17 vemos a narração logo mencionar três pessoas. O que está claro que o texto advindo do versículo 28 não está finalizando sua ideia central, que era detalhar 1) quem eram os que não morreriam, 2) e o que era o Filho do Homem vir no Seu reino.
Os que receberam a promessa de não morrer foram Tiago, João e Pedro, pois eles são mencionados logo em seguida da menção “alguns”, e a transfiguração logo em seguida do significado: “Filho do Homem vir no Seu reino”.
Desta maneira temos a explicação com a continuação do texto. Esses alguns só podem ser esses três, e o reino só pode ser a manifestação na montanha.
Monte da Transfiguração
Aquele lugar se tornou o ambiente onde a glória de Jesus se manifestou, sua roupa ficou muito branca, e o brilho de sua glória refletiu-se em todo lugar, inclusive sobre os visitantes inusitados — Moisés e Elias. O Senhor estava de posse de Sua própria glória e o Pai queria honrá-lO naquele momento. O reino do Senhor se manifestou naquela montanha.
Sim, Tiago, Pedro e João foram ao monte que seria chamado então de “Monte da Transfiguração”. Eles viram a glória se manifestando, aquilo foi surreal, intenso e extremamente assombroso. Ao passo que pode se dizer que houve uma visão. Mas a experiência foi tão real, que pode se dizer, igualmente, que não houve uma visão; porque em uma visão jamais Pedro se proporia a fazer cabanas. (Mt 17.4).
O rosto de Jesus resplandecia como sol. Indicando uma alta intensidade de Sua glória que até então não era comum.
Se avaliarmos a experiência de Moisés, que foi infinitamente menor, quando ele desceu do monte, temos que admitir que o rosto de Jesus, como a intensidade do sol, indicava uma transformação de todo o seu ser, revestido daquele tabernáculo humano. Isso era uma demonstração de que Jesus estava sendo glorificado.
De acordo com Paulo, a glória do rosto de Moisés era como algo desvanecente (2Co 3.7) e ainda assim povo não podia fitar seu rosto, contudo a de Jesus era como o sol, o rosto de Moisés já era insuportável para os israelitas, mas o rosto de Jesus era como a intensidade do sol! Como aqueles três conseguiram suportar?
De acordo com a Tradução Brasileira, em seguida veio uma nuvem luminosa, o que nos faz lembrar da Parusia do Senhor. Isso se conecta com o que Ele afirmou ao sumo sacerdote, enquanto era interrogado perante o sinédrio, dizendo que, daquela hora em diante, eles (os judeus) somente O veriam [reconheceriam] nas nuvens quando estivesse saindo da Direita do Poder (Mateus 26.64). Essa declaração indicava que, quando isso acontecesse, Ele estaria pronto a se manifestar com glória e poder [Epifania]. Tal afirmação nos impressiona ainda mais, pois, na Transfiguração, já houve tamanha glória como essa predita pelo Senhor, acompanhada pela mesma nuvem luminosa.
A Nuvem Luminosa não é apenas uma barreira que impede a manifestação da irrompente glória indescritível de Cristo, mas também serve para ocultar Moisés e Elias, indicando que somente o Senhor deve ser visto, ouvido e obedecido. É notório o impacto nos discípulos, especialmente em Pedro, ao se depararem com aqueles personagens de máxima importância para a representação judaica. A Lei e os Profetas, personificados em duas figuras; contudo, era o Filho Amado quem deveria ser ouvido!
Isso causou tamanho espanto e temor que, seguramente, os discípulos, ao ouvirem a voz do Pai e ao presenciarem toda aquela cena a olho nu, pensaram que não restaria outra coisa senão a morte vindo ao encontro deles para expirar seus corpos mortais e levá-los ao Hades. Porém, o Senhor, colocando as mãos sobre eles, dizia: “Não temas”. Somente uma voz assim poderia trazer conforto naquele momento de terror. Ao abrirem os olhos, viram somente o que deveriam ver: o Senhor Jesus.
Que tremenda foi aquela cena, ao mesmo tempo, pavorosa. Ali estava o reino de Cristo em glória, com pessoas emblemáticas, que falavam sobre como seria a morte desse Rei e como Ele deixaria a terra dos viventes. Certamente, Ele poderia simplesmente absorver toda aquela glória e partir para estar com Seu Pai, estando ao Seu lado, o lugar que mais Lhe trazia satisfação, mas escolheu a cruz.
Isso era ver o “Filho do Homem vir no seu Reino”.
Tal evento explica essa situação, mas o que explicaria: “de modo algum morrerão”? Portanto, aqueles “alguns” até ver o Filho do Homem não poderiam morrer.
Segunda Análise: Não Provarão a Morte
Já vimos “Filho do Homem vir no seu Reino”, agora vamos analisar o que é “não provarão a morte”. Primeiro temos que considerar a gramática grega nessa trama. A passagem se norteia pelo subjuntivo grego; o subjuntivo grego é diferente do português, ele tem a projeção de dizer como as coisas devem acontecer, então não é simplesmente o modo da expectativa ou do desejo. Jesus diz que de modo algum morreriam, depois coloca a cláusula: “até”; até é o ponto de duração do que foi determinado pelo Senhor. E o que foi determinado pelo Senhor? “Não provarão a morte”. Portanto, antes do “até” eles não morreriam.
Todavia, tal afirmação não está bem aplicada, primeiro porque não existe o verbo “morrer” na passagem. A palavra para morrer não é verbal e sim substantival. Ou seja, não se deve conjugar um verbo que, na verdade, sequer existe. A palavra grega é um genitivo: θανάτου (thanatu). O genitivo no grego tem o papel de indicar posse, natureza ou origem.
O substantivo thanatu vem de θάνατος (thanatos) que significa morte e não morrer, com a diferença que o genitivo vai indicar posse ou natureza, assim a melhor tradução não deve ser: “não morrerão” e sim: “não experimentarão da morte”. Você pode achar que no fim das contas é a mesma coisa, mas isso muda crucialmente o significado, porque está dizendo que algo da morte não tocaria naqueles discípulos, ou seja, a natureza da morte.
Se fossemos apenas analisar pela ótica do verbo morrer, não faria nenhum sentido a menção feita por Jesus, pois não somente aqueles três não morreram como também os demais nove. Mas isso muda com relação a “experimentar da morte”.
Em toda Judeia e Galileia muitos não morreram no dia que o Senhor foi glorificado na montanha, todavia o que o Senhor dizia no seu relato se referia a algo inédito e incomum. Se a afirmação d’Ele fosse comum se referindo simplesmente a morrer e não morrer o que os três receberam igualmente os outros nove receberam e muitos habitantes daquela região; tal afirmação de nosso Senhor não traria nenhum critério especial, e sequer faria sentido mencionar algo que aconteceria em comum com muitos.
Mas, então, o que Jesus quis dizer?
Jesus diz de algo não comum aos homens, e o genitivo thanatu nos ajuda a entender que a natureza da morte foi bloqueada nos três discípulos que estariam com Ele no monte.
E por que o poder da morte deveria estar bloqueado?
Só dizer que eles não morreriam não os tornariam diferentes dos demais, conforme já dissemos. Mas ao destacar que algo da morte não os tocaria, diz que o poder dela foi cessado sobre eles. A influência do que é mortal entrou em neutralização.
Sabemos que a morte entrou pelo pecado, logo nosso corpo mortal como uma amostra da representação caída se configura como um corpo mortal que a cada dia recebe um pouco mais da morte. Por exemplo, quando ficamos doentes, a doença mostra que a morte ainda influi sobre nosso corpo, ao mesmo tempo, que diz que ele tem que ser o último elemento da queda que precisa passar. Assim, todos os dias de alguma maneira acumulamos morte.
O mesmo acontece com a vida, porém tal experiência só acontece com os filhos de Deus. Somente os cristãos, hoje, podem acumular vida, mas esta acumulação não se dá no corpo de humilhação, e, sim, no nosso espírito humano onde é canalizado o poder de ressurreição comunicado pelo Espírito Santo, é bem verdade que esse poder de ressurreição pode também tocar nosso corpo mortal, o energizando ou mesmo permitindo haver curas de enfermidades, mas ainda não impede o curso natural da morte.
O acúmulo de vida que temos que ter é para que possamos trazer a imagem do celestial, isso resultará em ressurreição. Assim que somos erguidos da morte, se tivermos acúmulo de vida teremos a ressurreição completa; se houver, de alguma forma, falta daquilo que chamo de zoeficação precisaremos ser tratados e corrigidos por Deus, a fim de que tenhamos a zoeficação necessária, é isto que nos dará a ressurreição juntamente com a glorificação.
Da mesma forma que acumulo vida (zoeficação) por ser regenerado, eu também acumulo morte (necrosificação) por causa da natureza caída que opera no meu corpo (o que é nascido da carne é carne). Como, neste caso, temos dupla natureza, ainda que vivamos no Senhor, a carne para nada se aproveita e o Senhor não vai aceitar esse corpo adâmico, ele vai nos dar um corpo novo que nada tem a ver com o Adão primitivo. Mas isso ainda irá acontecer, até lá cada dia que passa experimento morte.
É bem verdade que esse acúmulo de morte pode crescer devido ao pecado, e a prática dos pecados. Pois, a Bíblia diz que o salário do pecado é a morte. Se o pecado paga esse salário, de alguma forma participo dele, ainda que fosse possível não cometer pecados por uma vida de consagração ainda teria a natureza do pecado, então ainda assim eu deveria morrer.
Porém, Jesus não tinha nem a natureza do pecado, tampouco pecados; por isso, Ele não poderia morrer de nenhuma forma, por conta disso é necessário que Ele entregue, por meio da Sua própria autoridade, a Sua vida, de outro modo a morte não poderia tocá-lO. Foi devido a esse fato que o Hades não pôde retê-lO. Ele tinha que sair do Hades porque o poder da morte não tinha encontrado espaço sobre Ele. A presença de Cristo era é um enorme incômodo no Mundo dos Mortos. O Hades teve que vomitá-lO porque Ele causava cruciantes náuseas naquela região. Para Ele ficar até mesmo 3 dias e 3 noites foi necessária Sua autoridade.
Mas isto se aplica a Jesus Cristo, pois Ele não tinha pecado, não aos homens. Todavia, para que os três pudessem ter a visão gloriosa na montanha da transfiguração, e não morressem devido verem o Cristo glorificado no Reino, o Senhor, excepcional e temporariamente, cancelou o poder da morte sobre eles.
Foi como se os três fossem vivificados e imortalizados, não para qualquer outra coisa que não fossem testemunhar a glória e o Reino de Cristo naquela montanha.
Por isso que thanatu faz um sentido enorme; Jesus cancelou a natureza da morte naqueles homens, até que eles vissem tudo; em seguida o poder da morte voltaria a ter curso natural sobre eles.
É por esta razão que essa ocorrência está no subjuntivo grego e, igualmente, devido a isso que a palavra morte está no genitivo, para evidenciar sua própria natureza.
Com isso em mente, podemos entender que nosso Senhor teve que impedir que os três morressem naquela montanha e para tal feito, só havia uma forma deles suportarem a visão, a natureza da morte não os sobrepujar ainda que por alguns instantes, e assim foi exatamente isso que ocorreu.
Mas o Senhor não aplicou essa experiência somente na montanha, mas mesmo antes; foi no momento que Ele proferiu aquelas palavras, então, o poder da morte paralisou seus trabalhos sobre os três; pois, neste sentido eles também tinham que se manter vivos até chegaram no monte e depois lá continuarem vivos até verem e testemunharem tudo.
Assim será no reino vindouro do Cristo, os que estiverem com Ele — da era igreja — igualmente não morrerão, e não terão a natureza da morte (estarão glorificados). Os três discípulos representaram isso em miniatura na montanha, mas a eficiência da experimentação deles, ainda que em dose pequena, foi tão eficaz quanto será quando os filhos de Deus aprovados tiverem seus corpos glorificados, reluzentes de brilho, glória e vida.