Reino ou Salvação: Descubra as Diferenças Essenciais
Um dos principiais motivos de não compreender o Reino, adequadamente, é confundi-lo com a Salvação do Sangue Precioso. Certamente, Isso tem prejudicado significativamente o entendimento da era futura.
Definitivamente não podemos confundir a entrada no Reino manifestado de forma física e dispensacional a partir da segunda vinda de Jesus Cristo com a salvação mediante o derramamento do preciosíssimo sangue do Cordeiro.
Vamos começar falando da vida eterna como garantia de cumprimento e de herança. Todos os salvos vão herdar a vida eterna, isso não pode ser confundido com reinar com Cristo na era milenar.
O Reino não é inaugurado no milênio; ele é revelado ali em sua presença e manifestação. Todavia, seu início ocorre de forma espiritual, como Jesus nos ensina. Primeiro, Ele dizia que o Reino estava próximo (Mt 4.17); depois, Ele diz que o Reino está chegado (MT 12.28). “Chegar” o Reino é algo significativo, mas não é tudo, pois “chegar” não indica sua completa manifestação. Repare que o termo “chegar” é um pouco vago e não traduz a totalidade da manifestação, pois, embora o Reino seja inaugurado de forma espiritual, ele culmina de forma física. Além disso, a palavra “chegado” na passagem de Mateus 12.28, tem uma melhor tradução para “antecipado” ou “adiantado”; podendo, então, esse termo “chegado” indicar que Jesus estava trazendo algo do futuro para aquele momento; antecipando, assim, tempos e modos; obviamente, que o Senhor ao fazer isso, sabia que seu povo israelita negaria aquele Reino que havia sido oferecido. Portanto, o Governo de Cristo, ficaria restrito em sua manifestação, ao período da Sua Segunda Vinda; estabelecendo, assim, a era milenar.
Quando o Senhor Jesus ao expelir um espírito mau, Ele em seguida diz: “se expulso demônios pelo Espírito de Deus, é chegado o Reino…” isso nos mostra que o Reino é ausência de Satanás, mas, por outro lado, é a presença do Espírito Santo. As forças malignas perdem suas potências, e demônios passam a ser expelidos dos corpos mortais. Mas isso só pode funcionar por haver um reino, só um reino pode sobrepujar outro. O reino de Satã é combatido pelo Reino de Deus, assim, com o Governo de Deus o do Diabo passa a ser resistido, isso é guerra! O nosso Senhor veio destruir as obras do Diabo [Atos 10.38; 1 João 3.8], isso é Reino.
Jesus ao declarar e pregar o Reino, Ele estava desfazendo as obras do Inimigo. No Reino de Deus, não pode haver lugar para demônios, Satanás e seus anjos caídos. Portanto, após a encarnação de Jesus, os demônios começaram a ser expulsos, pois perderiam seu domínio com a presença do Messias na carne. É por isso que nenhum espírito que não seja de Deus pode confessar que Jesus veio em carne [1 João 4.2], pois estariam confessando tanto a vitória do Reino de Deus quanto a sua própria derrota. O Evento da Encarnação de Jesus inaugurou o Reino.
No momento que Jesus derramou sua alma na cruz do calvário, Ele nos dava seu precioso sangue e a garantia de que O teríamos para sempre, pois não ficaríamos órfãos. Por isso todo aquele que confessa que Jesus é o Senhor, é salvo, e, além disso recebe o Espírito da Verdade que foi derramado após o Senhor consumar o Design da Redenção de Deus e ser assunto aos céus.
Isso era de suma importância para o Reino não ser interrompido. Assim, agora o Reino estava no Espírito que estava na Igreja, por isso o Reino está até hoje em nosso meio. Porque antes era o Jesus de Nazaré, o Cristo, que manifestava e expandia o Reino, agora é o seu Corpo, ambos são um, essencialmente; portanto, o Espírito Santo tem de agir de um modo ou outro na Igreja de Deus, mesmo ela se corrompendo ou se perdendo ao longo dos séculos, o Espírito da Verdade sempre tem a manifestação do Reino naqueles que o obedecem, pois do contrário o Reino seria interrompido. Mesmo a Igreja em suas mais profundas trevas, por causa do Reino, o Espírito teve que — em qualquer época e lugar — sempre levantar seus servos.
Como o Reino é a ausência do império do Diabo, o que equivale a dizer que o Reino de Deus conquistou o reino do Maligno e triunfou sobre ele, e por causa disso podemos expulsar demônios em nome de Jesus, pois o Reino de Deus chegou.
Isso ocorre no plano espiritual atualmente regido pelo Espírito Santo. Contudo, chegará o dia em que isso se cumprirá de forma completa, literal, visível e tangível. Assim como hoje, quando agimos no Reino de Deus, há ausência de Satã; naquele dia da manifestação completa do Reino de Cristo, o Diabo será preso por mil anos. É evidente que o Reino é a ausência da operação do Inimigo em qualquer situação.
Notemos que existe a vida; o termo grego zoē é frequentemente usado no Novo Testamento para descrever a vida, e também é usado para descrever a vida eterna, pois esta é a vida de Deus! Mas existe a Vida como um local também, e isso vai além de um estado. De um lado, temos a vida como um estado de natureza em nosso espírito, que se manifestará plenamente um dia quando formos revestidos do imortal. Por outro lado, temos a Vida como um lugar, e é por isso que o Senhor diz: “entrar na Vida” [Mateus 18.9]. Muitos crentes hoje confundem esses conceitos, misturando natureza com local, o que faz com que percamos todo o significado.
Quando falo de receber vida, me refiro à salvação eterna que experimento no dia da minha fé em Cristo. Ao receber o Senhor em meu espírito, sou reavivado e também regenerado. Portanto, receber a vida é a experiência da salvação que difere consideravelmente de herdar a vida.
Um exemplo muito simples é de um filho e sua mãe, eles desfrutam da casa em que moram, no entanto, a casa pertence oficialmente à mãe, pois ela está viva, porém quando ela partir da terra dos viventes a casa ficaria oficialmente ao seu filho. Mas nada impede ele de desfrutar da casa de sua mãe, ainda que ele não a tenha herdado. Isso é salvação. O jovem recebe a casa de sua mãe, embora não a herde. O reino tem a ver com herança enquanto a salvação tem a ver com a realidade.
A salvação trata da experiência de Vida; o reino da herança da Vida. A salvação aponta para receber a Vida; o reino para entrar na Vida.
Entrar na Vida não é ter a Vida, recebemos a Vida antes de entrar nela. No dia que cremos no Senhor a Vida absorve nosso espírito humano e torna-se um manancial para chegar até a alma e o corpo onde ela será plenamente manifestada, quem aprende as lições do Espírito Santo cedo, tão logo começará manifestar essa Vida como manancial, assim esse discípulo poderá desfrutar da herança da vida eterna antecipada, sem precisar passar pelo último dia.
Quando um irmão ou irmã age assim, poder-se-á desfrutar da vida eterna entrando na Vida e não no último dia. Quero dizer que esse filho ou filha de Deus entrará no Reino dos Céus. Entrar no Reino dos Céus é entrar na Vida (compare Marcos 9.43 com Marcos 9.47).
Serão mil anos gloriosos, maravilhosos, os filhos de Deus que não estarão reservados para disciplina da santidade de família, serão coroados e recompensados e manifestarão o Governo de Deus, pois já faziam isso quando o Reino era uma manifestação invisível no Espírito Santo. Não será grande novidade para esses santos governar em torno da vontade de Deus. Estes foram muito além de só invocar: “Senhor, Senhor” [Mateus 7.21] na sua vida de peregrinação.
Ser salvo do pecado e ter herança entre os santificados é mérito exclusivo do Messias Santo que derramou Sua Vida no Altar de Deus. Mas entrar no Reino de Deus requer a cooperação do santificado. Não devemos achar que isso é obra, pois a obra do homem não é bem-vinda, tudo tem que vir do Espírito da Verdade, fora do Espírito da Verdade tudo é falso, engano e mentira; não tem valor espiritual nenhum; portanto, para seguirmos com as boas obras, que venhamos praticar, temos que depender do Espírito Santo, não há outra maneira de fazermos a vontade d’Ele.
O Senhor Jesus permitirá que sejamos disciplinados nessa era, para que as nossas tribulações produzam efeito que nos leve a aproximar-nos do Reino [Atos 14. 22].
Toda disciplina tem efeito nos filhos; filhos são gerados pelo Espírito Santo. Não confundamos filhos com bastardos, pois bastardos parecem filhos, mas na verdade não o são (Hb 12.7), assim como o joio parece o trigo, mas na verdade é um mato.
Temos que aprender com as tribulações da vida, pois o Senhor Jesus nos ensina que neste mundo (deserto) haveria tribulações [João 16.33].
A ideia do mundo ser um deserto é plausível, tanto o senhor Govett quanto Watchman Nee admitem esse significado, portanto, muitos cristãos estão claros de que o Egito é figura do mundo, mas a Bíblia também diz que o deserto o é.
Como o Egito tinha seu príncipe, ele podia escravizar quem quisesse. Neste caso, escolheu os filhos de Israel, pois eles não eram egípcios e, além disso, estavam crescendo rapidamente, o que fez o Egito temer esse povo.
O Egito é um tipo do mundo, representando o mundo controlado por um Príncipe Maligno. É possível que esse cristão, que ainda está preso nesta esfera, não tenha progredido espiritualmente, permanecendo escravo do príncipe deste mundo. Isso pode causar aflição e ser uma carga pesada, enfrentando situações desfavoráveis, tudo em troca de, apenas, alguns peixes e pepinos, disfarçados de algum prazer que ele acredita valer a pena; são esses mesmos “peixes, pepinos e melões” que alguns crentes usam para protegerem suas almas nesta era, mal sabem que a perderão na vindoura, é claro que estou me referindo ao desfrute do reino, não se trata obviamente de perda de salvação e sim de galardão.
Mas você vai dizer que se ele é um filho de Deus ele definitivamente deixou o Egito. Parece que não é bem assim que a Escritura de Deus nos ensina.
Temos que responder essa pergunta, onde estavam o israelitas quando o sangue do cordeiro foi aspergido nos umbrais das portas?
Desta maneira, ao recebermos o sangue precioso como nossa proteção definitiva e pagamento pelos nossos pecados, ainda estamos no Egito. Portanto, é verdade que muitos filhos de Deus foram salvos e libertos da condenação da morte pelo sangue precioso. No entanto, permanecer no Egito após a aplicação do sangue é uma atitude muito insensata, infelizmente comum no cristianismo.
Quando os israelitas experimentaram o livramento do sangue, Deus os apressou para o êxodo, eles não podiam ficar mais tempo ali por isso surgiu a comemoração da Páscoa que significa tanto “Pressa” por um lado, quanto “Passar por cima” (Ex 12.13), por outro. Isso é uma clara figura do que deveríamos fazer a partir do dia que cremos no Senhor, deveríamos sair quão logo fosse possível desse lugar.
Ao passar pelo Mar Vermelho, figura do batismo que aconteceria mais tarde, como uma prática, de forma plena na era da Igreja; os filhos de Israel foram batizados em Moisés e sairiam para sempre do Egito, ao fazer isso se converteriam em peregrinos no deserto.
Agora, no deserto, Israel enfrenta o fogo do céu e o ar frio da madrugada. Mesmo em meio a todo o sofrimento e à escassez que possa existir nesse lugar, sempre haverá a sustentação de Deus. Assim como Israel, o crente também está nesse local, o batismo dá testemunho esférico disso. Contudo, esse cristão está apenas de passagem. É aqui que podemos nos considerar peregrinos e peregrinas nesse mundo, por isso que o deserto é considerado, e, é um tipo do mundo.
Entretanto, o mundo deixou de ser como o Egito para o penitente que chegou aqui. Ele não busca mais o brilho do mundo, não coloca pepinos e melões como metas para uma vida melhor; ele avançou para um deserto.
O deserto é o mundo porque não é o local de destino do santo, mas sim o local de partida, um avanço da escravidão para a peregrinação. Uma vez no deserto, nunca mais se pode voltar ao Egito, pois há um imenso mar atrás e o milagre não acontecerá duas vezes. Por isso que quando somos devidamente batizados, não devemos rebatizar-nos, pois já partimos do Egito para para a peregrinação desértica.
O deserto está próximo da terra isso indica que se passar pelas águas e deixar o mar é deixar o velho homem na morte, definitivamente, abondar a terra de Faraó e seguir a jornada da vitória que é tomar a Terra que é as riquezas insondáveis de Cristo.
A Terra é figura do Reino Milenar, na terra havia gigantes e pessoas de raça híbrida, deveria haver luta e guerra, a Terra não pode tipificar o Céu, no Céu não há gigantes e inimigos de Deus. Mas no Reino Milenar sim, digo isso porque o Senhor ao inaugurar o Reino e tomar a Terra para Si, terá que destruir o Anticristo e seus seguidores, haverá luta. É claro que isso tem a mesma relação com a tomada da terra pelos israelitas; mas o que diríamos dos filhos de Israel quanto a tomar à Terra se eles ainda estivessem no Egito?
O Egito é mais distante da Terra, na verdade ele tem um grande obstáculo: um mar; depois do mar é possível rodear a Terra se sujeitando ao calor e frio do deserto. Portanto, o deserto é o local adjacente à Terra, se queremos estar na Terra milenial temos que tomar o deserto da nossa peregrinação, é por isso que a Bíblia diz que somos peregrinos neste mundo, se nossa atitude não é de peregrino então nosso coração talvez esteja (At 7.39) — embora nosso corpo não, por causa do batismo — no Egito (At 7.39).
O Peregrino do Senhor é aquela pessoa que tem uma atitude de não construir sua vida onde está, porque ele está de passagem, não deve haver fundamentos, mas tendas; peregrinos constroem tendas, pois não fincam sua vida no local em que estão, eles não se apegam ao lugar, e sim ao seu alvo, tudo o que um peregrino e uma peregrina tem em mente é o seu alvo.
Contemplam esse alvo e seguem suas vidas negando suas almas neste mundo, enfrentando as tribulações do deserto, mas sabendo que a cada dia ficam mais próximo da Terra das delícias do Rei deles.
Muitos de nós, ao discutir textos da Bíblia sobre uma possível perda da salvação, consideramos por ângulos, seguramente, mal avaliados.
É muito claro que toda disputa se baseia em uma visão embaçada do assunto.
Tomemos como exemplo Mateus 5, onde se afirma que quem insulta seu irmão com termos como “Raca” ou “Moré” coloca em risco sua salvação. Isso significa que a salvação depende apenas da nossa capacidade de pronunciar boas palavras ou de tratar bem nosso irmão?
Assim, num acesso de ira desmedida, o que obviamente dispensa a necessidade de dizer que não é correto, eu perderia minha salvação. Se é desta maneira, logo sou obrigado a assumir que meu irmão do qual me irei se tornará um co-salvador no momento em que, ao pedir perdão, me reconcilie com ele.
No caso de chamar um irmão de renegado (Bíblia de Jerusalém) que significa no original aramaico “Moré”, mesmo termo que Moisés usou na segunda ferida da Rocha (Números 20.10–11), estaria sujeito ao inferno de fogo (Bíblias Almeidas e King James 1611).
O termo mais adequado, na verdade, seria guehena, ou guehinom, tal qual reflete uma ideia disciplinatória e não condenatória, o princípio para isso é apoiado pelo próprio Senhor ao dizer: “não sairá até que pague o último centavo”, o fato d’Ele dizer isso quanto à prisão não muda o princípio disso ser pago com o último centavo.
Aqui os tratos entre irmãos, onde há ofensores e ofendidos, não está orbitando no assunto de que a salvação possa ser perdida, e sim, da disciplina; isso fica claro pela gradação das ofensas e pelo “último centavo pago”.
Guehinom aplicado a irmãos sempre estará se referindo a um processo disciplinatório sem dúvida nenhuma, veja como o Senhor descreve isso no fina de Marcos 9:
“Cada um” nesta trama de Marcos 9 a partir do versículo 38 é uma referência a irmãos, dos quais poderiam excluir outros por não ser do grupo específico, veja (Marcos 9.38). Note que ser salgado com fogo era produzir algo.
O sal tinha por objetivo a paz, pois o sal neste caso é para sabor, e o sabor, por sua vez, para comunhão com os irmãos. Se este sabor não funcionasse haveria fogo, todo processo do fogo era para gerar sal, com este sal haveria paz.
Lembre que o Senhor disse para sermos sal da terra e luz do mundo. Por que ele não disse igualmente “sal do mundo”? Por que Jesus teve o cuidado de selecionar outra palavra como “terra”? Por que o sal visava comunhão, e os cristãos não devem ter comunhão com o mundo e sim com a Igreja?
A palavra Terra tem uma consideração positiva; já a palavra Mundo, negativa. Quanto ao mundo é necessário ser luz para as pessoas do mundo verem suas obras más e, assim, crendo, glorificarem o Pai.
Mas na terra, porém, haveria sal; para o sal ser a manifestação na terra. A Terra é onde tem riquezas; o Mundo é onde tem pecados. No Mundo a luz acusa o pecado; na Terra o sal acusa o sabor. Com o sabor, os santos podem desfrutar um do outro e ter paz. A Terra é o nosso Senhor. Nele há riquezas insondáveis.
Se falharmos na comunhão, seremos tratados com mais fogo, pois mesmo tendo comunhão, ainda, estamos sendo salgados com fogo; quanto mais fogo o cristão recebe, mais quebrantado ele fica e mais maleável; por isso em 1 Pedro 4.12 nos é dito de um fogo ardente que vem sobre nós para nos provar.
O fogo está presente o tempo todo no cristão, para queimar suas impurezas e torná-lo mais útil.
Se cada cristão será salgado com fogo, logo entendemos que nem sempre o fogo na Bíblia pode significar a condenação eterna no Lago de Fogo, e, de fato, não significa, uma vez que um cristão jamais perecerá.
O que nos resta com guehinom ou guehena é compreender seus efeitos na vida dos crentes que persistiram em suas falhas recorrentes apesar de terem sido salvos pelo Sangue Precioso.
Desta forma o crente experimenta a guehena como um dano e não propriamente como a Segunda Morte, isto também está muito claro na passagem apocalíptica (Ap 2.11).
Assim, os resguardos e advertências de JESUS em Mateus 5 não devem estar alinhados, de forma alguma, com a salvação ou perdição eternas. Mas, sim, com a entrada no Reino ou a exclusão dele, ainda que muitos cristãos fiquem sob custódia em determinados locais, após o Tribunal de Cristo.
Eram exigências altas que o próprio Senhor depois diria: “se vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo algum entrareis no reino dos céus”. O assunto é o reino, e não graça; a disciplina, e não a perdição.
A trama envolvendo o capítulo 19 de Mateus é uma das mais completas para distinguir a diferença entre reino e salvação, vamos começar pela matéria do divórcio tratada com os fariseus.
“Replicaram-lhe: Por que, então, mandou Moisés dar carta de divórcio e repudiar a mulher? Respondeu Jesus: Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar vossas mulheres, mas não foi assim desde o princípio. Eu vos digo que aquele que repudiar sua mulher, exceto por infidelidade, e casar com outra comete adultério. Disseram-lhe os discípulos: Se tal é a condição de um homem para com sua mulher, não convém casar. Mas ele respondeu: Nem todos podem aceitar esse conceito, mas somente aqueles a quem é dado. Pois há eunucos, que nasceram assim; há outros a quem os homens fizeram tais; e outros há que se fizeram eunucos por causa do reino dos céus. Quem pode aceitar isso, aceite-o.”
Os discípulos consideraram difíceis as palavras de JESUS acerca do casamento, obviamente que estavam influenciados pela escola rabínica que flexibilizava o divórcio sobre qualquer motivo. Isso mostra, também, como a indução farisaica era grande no contexto judaico daquela época.
Mas a grande questão no que tange nosso estudo sobre o reino não seria a perplexidade dos discípulos com as exigências do Senhor, e sim, o que significava, de acordo com JESUS, pagar o preço do reino dos céus.
Nosso Senhor diz que alguns nasceriam; outros seriam feitos eunucos; mas ele cita um eunuco específico, aquele que a si mesmo se faria por causa do reino dos céus.
Qual o problema disso?
Se as pessoas insistem em manter a confusão entre ser salvo com entrar no reino, seguramente terão que admitir — devido a esse desarranjo — que reino dos céus é o mesmo que ser salvo, mas com tal admissão estaria validando a minha própria capacidade de ser salvo, simplesmente, por não me casar.
Sim, o texto fala dos que abririam mão de ter uma vida matrimonial e sexual, isso é o significado de “a si mesmos fizeram eunucos”.
Estaria sendo conferido a mim minha própria salvação, ou seja, eu poderia dizer que sou salvo por JESUS e mais minha renúncia matrimonial? Que espécie de conclusão seria essa, senão que eu seria um co-salvador, e que a renúncia do casamento um método de salvação?
Ninguém poderia negar isso a menos que admitisse que o reino dos céus fosse algo diferente da salvação do espírito (1Co 5.5). E é de fato. O reino é um local não um estado. Reino é uma soberania, um governo exercido por um Senhor.
Reino requer um rei. Salvação requer a confissão deste Senhor reinante.
Reino requer obras, salvação requer fé.
Se conciliarmos Mateus 19 com o reino que significa ENTRAR na Vida, e não receber Vida, como já abordamos aqui, fica simples, fácil e delicado compreendermos o pagamento de preço de alguém que prefira viver inteiramente para o Senhor abrindo mão até mesmo do casamento. Paulo mesmo fez isso.
Essa entrega, perdendo o deleite mundano do casamento, é um fator de dedicação para o Reino. Nosso Senhor previu que muitos fariam isso na história da Igreja. Orígenes chegou ao ponto de até mesmo mutilar-se por isso (claro que tal coisa não deveria ser feita, mas se fez e quem pode negar ao menos sua entrega e piedade por esse feito?).
Outro servo do Senhor na história que, somente como mais um exemplo, preferiu abrir mão do casamento para viver inteiramente ao seu Senhor de modo prático, foi o Sr. Robert Govett grande erudito da Palavra de Deus do século XIX.
Poderíamos muito facilmente nos fartar de muitos exemplos de grandes homens e mulheres de Deus que, abdicaram das suas vidas maritais tão somente, para servirem melhor a Cristo. Eles foram salvos por causa disso? Certamente que não. Mas, seguramente, estão muito próximos de reinar por terem tido essa escolha. Reinar requer de fato escolhas; enquanto ser salvo requer somente a fé na obra substitutiva do Cordeiro que tira o pecado do mundo.
Ser salvo requer a fé no Nome (João 1.12); entrar no reino requer permanecer na fé (Atos 14.22).
Toda a confusão generalizada da cristandade de hoje, incluindo todo modus operandi da teologia sendo “academizada” ou não, está em não fazer essa importante distinção. Uma diferença, absoluta e inegavelmente, bíblica.
Ainda em Mateus 19 temos a porção do jovem rico, recorramos a ela:
“Chegou um moço e perguntou-lhe: Mestre, que coisa boa farei para ter a vida eterna? Respondeu-lhe Jesus: Por que me perguntas sobre o que é bom? Um há que é bom; mas, se queres entrar na vida, guarda os mandamentos.” (Mateus 19.16–17).
Aqui o jovem pergunta sobre como ser salvo a palavra “ter a vida eterna” significa possuir vida eterna, algo como assegurá-la. Era essa a perspectiva do jovem, contudo, JESUS diz: “se queres entrar na vida”. Entrar na vida é completamente diferente de possuir a vida.
O Senhor entendendo o que o jovem tinha em sua mente responde baseado sob o ângulo da sua pergunta, devido a isso pede para ele guardar os mandamentos, pois a ótica daquele homem era seguir os mandamentos da Lei para assegurar a possessão da vida; JESUS sabia que a forma de pensar de alguém que planejava cumprir os mandamentos de Deus, na verdade, se norteava para a entrada no Reino. Por isso o Mestre usa outro verbo: “entrar”. Assim a vida passa a ser também um local e não somente uma natureza admitida.
Olhemos para o próximo recorte dessa história fascinante entre um jovem rico, e o Senhor do Reino.
Como é absolutamente claro no texto. Entrar na vida se tratava, na verdade, de entrar no Reino. Pois a vida neste caso é um local, o Reino. E por que vida? Porque no Reino haverá a manifestação da primeira ressurreição em que um grupo seleto de santos sairão dos mortos antecipadamente para desfrutar dos 1000 anos do governo do Senhor. Isso seria a manifestação da vida substantificada nos corpos gloriosos, por isso que esse lugar chamado Reino também é um local chamado Vida. Entrar na Vida é nada mais que entrar no Reino Milenar.
Agora com essa compreensão podemos inferir o motivo talvez do Senhor Jesus ter requerido daquele jovem a observância de obras da Lei, pois se fosse para receber a vida eterna, JESUS teria dito a “vinde a Mim” e não “vá e venda tudo”. Para receber vida eterna bastava crer. Porém, entrar na vida sempre requererá um preço a ser pago.
O jovem ficou triste porque tinha muitas riquezas, esse era o momento dele cair de joelhos aos pés santos que seriam perfurados [também] por ele, e dizer: “Senhor não consigo!” e o Senhor o fortaleceria. O Senhor lhe daria a Sua graça.
Mas ao desistir o jovem não estava assinando sua sentença de perdição eterna, estava apenas dizendo: “esse reino é muito para mim”.
Muitos cristãos ficam vendendo a salvação confundindo-a com entrar na vida, quando ela é receber vida (Jo 1.12; 3.6, 16.).
Quando Jesus diz ao mancebo rico: “se queres ser perfeito” suponho que não seria uma condicional salvífica, pois ser salvo não tem a ver com minha perfeição, mas com a perfeição d’Ele. Mas, o reino requer o meu aperfeiçoamento. Eu recebo vida por causa do Perfeito Senhor; mas entro no reino por causa do meu aperfeiçoamento n’Ele (Mt 5.48).
Aqui está uma nova perplexidade dos discípulos: a dificuldade de entrar no reino. Note que nosso Senhor fala de ser difícil para um rico entrar no reino e não de ser salvo. José de Arimatéia era rico e cedeu o direito de sepultar o corpo de Jesus em um sepulcro escavado na rocha que nunca tinha sido utilizado, foi um ato nobre, no entanto, José de Arimatéia tinha medo de se assumir discípulo do Senhor. Ainda que ele tenha sido ousado em pedir o corpo a Pilatos, ele não havia confessado publicamente crer no Senhor, e sabemos que isso não é bom de acordo com Mateus 10.32.
Mas quem pode dizer que José de Arimateia não era salvo?! Inclusive seu nobre ato serviu para cumprir o pleno arranjo de Deus para Seu Filho que mais tarde se levantaria da morte. Contudo, isso não lhe assegurava o reino, pois José teria que avançar na vida cristã ao ponto de ser uma testemunha fiel.
Portanto, um rico ser salvo é muito simples, basta crer no Nome e receber o Senhor conforme João 1.12. Mas tudo muda de figura quando avaliamos a questão de “entrar na vida”.
É muito mais fácil para o pobre entrar no reino ainda que seja necessário a renúncia desta era, e do ego da alma, pois o pobre já encontra suas dificuldades aqui, devido a isso poderá encontrar seu alento lá; porém o rico, de imediato, tem sua recompensa nesta era; devido a isso é necessário que todo cristão rico e abastado seja desprendido deste mundo, caso contrário ele encontrará muitas dificuldades ao lidar com a entrada no reino.
Isso está claro para nós a essa altura, mas para os discípulos do Senhor ainda era um assunto obscuro, eles, assim como muitos crentes nos dias de hoje, pensavam que entrar no reino era o mesmo que ser salvo. Mas quem pode ser salvo por obras? Efésios 2.8-9 quebra toda base para dizer que podemos fazer obras em prol da salvação, Efésios 2.8 avassala qualquer ideia relacionada à obras, nenhum argumento sobre obras e salvação se sustenta diante de Efésios 2.8-9 e Atos 15.10-11.
Já pudemos constatar também a dupla aplicação de vida, que se divide em “receber” e “entrar”. Todavia, os discípulos não raciocinavam bem em relação ao design da salvação e ficaram perplexos novamente; a primeira vez que ficaram admirados foi em relação ao casamento; agora estavam tomados de assombro com relação à salvação.
Porém, o Senhor irá dissipar toda a dúvida deles que, seria mais tarde, também a nossa. Encontraremos todas as mais belas repostas a partir da pedagogia de nosso amado Senhor, vejamos.
Conforme já citamos, a passagem revela o assombro dos discípulos, como eles pensaram que a exigência de Jesus se aplicava à salvação eles deduziram que seria muito difícil um rico ser salvo: “quem pode ser salvo?!”. Agora eles não observam, apenas, o rico, eles pensam que se o Senhor faz as exigências do modo que as fez, como lidar com o casamento, não se divorciando exceto por adultério, e não se mantendo com as riquezas, exceto se pretende reparti-la, não restaria outra conclusão que não fosse: “quem pode ser salvo?!”. Pois bem, é aqui que Jesus os ensinará de modo prático e definitivo.
Usando sua mais sublime pedagogia, Ele responde perguntas baseadas nas perspectivas advindas do interrogador. O primeiro (jovem rico) pergunta na perspectiva de entrar na vida, ou seja, de herdar a vida eterna e não de receber a vida eterna, então Ele manda seguir os mandamentos. Mas, agora, a perspectiva muda, o ângulo dos discípulos é: “quem pode ser salvo?!”. Eles estão desesperados, eles estão a ponto de dizer que praticamente ninguém conseguirá tal feito. Mas vem a reposta:
“Jesus, volvendo os olhos para eles, respondeu: Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível.” (Mt 19.26 – TB, grifo nosso).
A resposta não poderia ser mais avassaladora e taxativa, se aquilo que para os discípulos parecia ser difícil, o Senhor torna impossível!
Sim, ser salvo é algo, simplesmente, impossível a qualquer homem. Na perspectiva dos discípulos, Cristo ensina que nenhum homem pode ser salvo, pois a dúvida deles não refletia a entrada do Reino e sim de ser de fato salvo da ira de Deus, e, isto, é impossível a todo homem no universo. E por quê? Porque só Deus pode salvar o homem, não há nada que o homem possa fazer para ser salvo:
“Aos homens é impossível, mas a Deus tudo é possível”.
Jesus diz que o homem não tem a capacidade de salvar-se, mas, ao mesmo tempo, diz que essa capacidade pertence a Deus.
Ele não diz apenas que tal coisa é impossível, apenas que essa impossibilidade está com o homem e não com Deus.
Ele é o Salvador. Era por isso que Jesus estava entre nós para nos salvar. Ao mesmo tempo, em que Ele diz que o homem é miserável e nada mais lhe resta que não seja ser condenado, também diz que Deus é o Salvador, e que, Ele era o que veio salvar o que havia sido perdido, declarando, na verdade, que Ele era o próprio Deus.
Então o Senhor responde que quanto a salvação é impossível ao homem, isso é dom de Deus, como diz Paulo. É obra de Deus nossa salvação. Mas quando Ele responde à perspectiva do Reino, Ele diz para guardar os mandamentos, e depois ele diz venda tudo.
O próprio Mestre nos deixa claro de forma absurda a diferença, e Ele próprio nos ensina a não confundirmos.
A lição de Mateus 19 é muito rica para fazer a correta distinção. Ninguém que se apoie honestamente nas Escrituras Neotestamentárias pode negar essa conclusão.
De fato, há uma enorme diferença em sermos salvos pela graça (Ef 2.8) com entrar no Reino de Deus (At 14.22).
DoPeregrino
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