Os Artesãos Habilidosos – Watchman Nee

Pequeno excerto extraído (mais precisamente o capítulo 1) de uma obra denominada “What Shall This Man Do?” de Watchman Nee. Você pode adquirir o livro por esse link aqui

watchman nee what shall this man do

PREFÁCIO

Esta coletânea das mensagens ministradas por Sr. Watchman Nee (Nee To Sheng), de Foochow, foi compilada a partir de notas e traduções pelas quais sou mais uma vez grato a diversos amigos que o ouviram. As palestras foram proferidas em diferentes momentos e em diversas circunstâncias, tanto na China quanto no Ocidente, ao longo do período de cinco anos, de 1938 a 1942, um período de testes severos para a igreja na China naquela época.

Ao publicar estas mensagens atualmente, considero prudente introduzir uma palavra de cautela. O material, em parte estava fragmentado, o qual reuni nesta coleção, não estava tão próximo, talvez, do que seria a obra original nem pode ser considerado como que completo em  todo sentido. Embora eu tenha usado o que estava disponível para mim com oração e sem parcialidade — consciente —, a organização do material é, em parte, minha, e, portanto, o livro pode omitir alguns aspectos dos temas tratados que o autor, se estivesse acessível, gostaria de incluir. Além disso, o efeito inevitável da edição é fazer com que os estudos pareçam mais sistemáticos do que foram originalmente, e isso por si só pode, de alguma maneira, ser enganoso. Independentemente do estilo, eles permanecem essencialmente como palestras, refletindo assim a necessidade do pregador de ênfase e, às vezes, de exagero (proposital) para transmitir suas ideias aos ouvintes.

Sobre o tema do “sistema” no ensino cristão, Sr. Nee já expressou sua opinião. Discutindo, há vinte anos, um de seus primeiros escritos em chinês, ele disse:

Há alguns anos, fiquei muito doente e os médicos disseram que eu tinha apenas alguns meses de vida. Diante disso, senti-me compelido a escrever em forma de livro o que o Senhor havia me mostrado sobre o tema “o homem espiritual”, para assim compartilhar com outros a luz que eu havia recebido. Fiz isso, o livro foi publicado e a edição se esgotou. Não será reimpresso. Não que o que escrevi estivesse errado, pois ao ler agora, posso endossar tudo. Foi uma apresentação muito clara e completa da verdade. Entretanto, é exatamente aí que reside sua fraqueza. Eu diria que é bom demais, e a ilusão de perfeição que ele transmite me preocupa. Os títulos, a organização, a forma sistemática com que o tema é desenvolvido, a lógica do argumento — tudo é perfeito demais para ser espiritual. Eles se prestam facilmente a uma compreensão meramente intelectual. Quando alguém lê o livro, não deveria restar nenhuma dúvida; todas deveriam estar respondidas! Mas descobri que Deus não faz as coisas desta maneira, e muito menos nos deixa fazer. Nós, seres humanos, não somos capazes de produzir livros “perfeitos”. O perigo de tal perfeição é: o que o homem pode entender sem precisar da ajuda do Espírito Santo. Mas, se Deus nos dá livros, eles sempre serão como que fragmentos quebrados, nem sempre claros, consistentes ou lógicos, sem conclusões definitivas, e ainda assim nos alcançando com vida e ministrando vida a nós. Não podemos dissecar fatos divinos, delineá-los ou sistematizá-los. Apenas o cristão que é imaturo exige sempre ter conclusões intelectualmente satisfatórias. A própria Palavra de Deus tem este caráter fundamental: ela fala sempre e essencialmente ao nosso espírito e à nossa vida.

Será de utilidade para os leitores, no transcorrer das páginas seguintes, considerarem as observações acima. 

Para alguns, este livro pode parecer tentar abarcar demais e levantar mais perguntas do que responder. No entanto, que alguma parte, pelo menos, da sua mensagem tenha o poder de falar, como direcionada por Deus, a qualquer um de nós cujo desejo é se tornar servos de Jesus Cristo mais eficazes.

ANGUS I. KINNEAR

Londres, 1961.

CAPÍTULO 1

Os Habilidosos Artesãos de Deus

A Vocação de Deus é uma vocação distintiva. Em algum grau, pelo menos, esta afirmação é verdadeira para todos aqueles a quem Ele chama. Sua comissão é sempre pessoal; nunca se limita a ser geral — para todos os homens. “Foi do agrado de Deus”, diz Paulo, “revelar seu Filho em mim”.

Além disso, seu objetivo é sempre preciso, nunca apenas casual ou indefinido. Com isso quero dizer que, quando Deus nos confia um ministério, Ele não o faz apenas para nos ocupar em Seu serviço, mas sempre para realizar através de cada um de nós algo específico em direção ao alcance de Seu objetivo. É claro que há uma comissão geral para Sua igreja de “fazer discípulos de todas as nações”; mas para qualquer um de nós, o encargo de Deus representa, e sempre deve representar, uma confiança pessoal. Ele nos chama para servi-Lo na esfera de Sua escolha, seja para confrontar Seu povo com algum aspecto especial da plenitude de Cristo ou em alguma outra relação particular com o plano divino. Em algum grau, pelo menos, todo ministério deveria ser, nesse sentido, um ministério específico.

Decorre disso que, como Deus não chama cada um de Seus servos para tarefas precisamente idênticas, Ele também não usa meios precisamente idênticos para sua preparação. Como Senhor de todas as operações, Deus reserva o direito de usar formas particulares de disciplina ou treinamento, e às vezes o teste adicional do sofrimento, como meios para Seu fim. Pois Seu objetivo é um ministério que não seja meramente comum ou geral, mas sim, um especialmente projetado para o serviço de Seu povo em uma hora específica.

Para o próprio servo, tal ministério deve tornar-se peculiarmente seu — algo a ser especialmente expresso porque deve ser especialmente experimentado. É pessoal porque é em primeira mão; e não pode ser evitado, pois na medida em que se relaciona diretamente com o propósito de Deus, esse propósito em si mesmo exige que ele seja cumprido.

Todo leitor que foi ensinado pelo Espírito do Novo Testamento terá percebido algo disso. 

Em suas páginas, podemos reconhecer pelo menos três ênfases distintas no ministério, representadas pelas contribuições históricas particulares de três principais apóstolos. Estes três homens, embora certamente tenham muito em comum, mostram diferenças de ênfase suficientemente marcantes para sugerir que algo bastante original estava sendo confiado por Deus a cada um deles. Refiro-me, é claro, às contribuições especiais de Pedro, Paulo e João. No Novo Testamento, é possível traçar três linhas de pensamento, expressas, sem dúvida, em medida variável por todos os apóstolos, mas especialmente definidas e ilustradas pelas contribuições únicas desses três em particular.

Pode-se observar que a distintividade de seus três ministérios é em parte cronológica — cada apóstolo trazendo, ao longo da história, sua própria e atual ênfase dentro de um primeiro plano. Além disso, a diferença certamente nunca é tal que coloque os três homens em franca oposição reciprocamente, pois o que cada um tem não é algo oposto, mas, na verdade, complementar a cada um. E talvez, também, a diferença entre eles reside menos na totalidade de seu ministério do que no que é registrado para nossa instrução. No entanto, penso que pode ser mostrado que os fios ou temas Petriniano, Paulino e Joanino que percorrem as Escrituras indicam três ênfases históricas principais dadas por Deus ao Seu povo servindo em todos os tempos.

Todos os diversos e muitos ministérios do Novo Testamento — como os de Filipe e Barnabé, Silas e Apolo, Timóteo e Tiago — juntamente com os inúmeros outros que surgiriam na história, contêm em diferentes proporções, de alguma maneira, os elementos distintivos desses três. É, portanto, prudente buscarmos entender o que Deus está nos dizendo através das experiências desses três homens típicos, e este será o objetivo do nosso estudo.

Lançando uma Rede ao Mar

Vamos começar com Pedro. Geralmente se aceita que Marcos, ao escrever seu Evangelho, estava registrando as lembranças de Pedro sobre seu Senhor. Além disso, temos as próprias Epístolas de Pedro e, é claro, os incidentes de sua vida registrados pelos outros evangelistas nos quatro Evangelhos e no livro dos Atos. Juntos, esses registros formam a contribuição especial de Pedro. Qual era então o seu ministério? Bem, suas Epístolas certamente nos indicam o quanto ele representava de forma ampla tudo o que compunha o trabalho de um apóstolo; mas nos trechos narrativos, uma coisa talvez se destaque mais do que outras. É aquilo para o qual creio que o Senhor chamou especial atenção quando, ao chamá-lo para segui-Lo, usou o termo “pescadores de homens”. Esse deveria ser o trabalho distinto de Pedro. Ele deveria trazer homens, urgentemente e em grande número, para o Reino.

Mais adiante na história, Jesus reafirmou isso quando, em Cesaréia de Filipe, Pedro O confessou como o Cristo de Deus. O Senhor edificaria Sua igreja, e Pedro poderia posteriormente ser chamado para um ministério pastoral de “apascentar suas ovelhas”; mas, em relação a essa igreja, as primeiras palavras de Jesus para ele foram: “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus”.

Uma chave implica, entre outras coisas, uma entrada, um começo. Você entra por uma porta e usa uma chave para abri-la ou para deixar outros entrarem. No final das contas, o ministério de Pedro frequentemente resultou em um início de coisas, e o dele foi, de fato, o primeiro a fazê-lo. A igreja em Jerusalém começou quando três mil almas receberam sua palavra, e a igreja em Cesaréia começou quando, em sua presença, o Espírito Santo desceu sobre Cornélio e sua casa. Assim, podemos dizer que, quando Pedro se levantou com os onze, ele abriu a porta aos judeus, e quando mais tarde ele pregou Cristo naquela casa romana, ele a abriu novamente, mas agora, aos gentios.

Portanto, embora em nenhuma dessas ocasiões Pedro estivesse sozinho, pois a comissão sempre se estende a outros além dele (e mais tarde descobrimos que Paulo também foi um homem escolhido por Deus para ter um ministério ainda mais amplo do evangelho entre os gentios), ainda assim, em um sentido verdadeiro, Pedro foi o pioneiro. Historicamente, ele detinha a chave e abriu a porta. Sua tarefa era iniciar algo. Ele foi ordenado por Deus para traçar os “começos”.

O foco da mensagem de Pedro era a salvação — uma salvação não por si mesma, mas sempre com vista ao Reino em plenitude e em relação a Jesus, seu Rei exaltado. Contudo, quando ele pregou pela primeira vez sobre o Reino, foi inevitável enfatizar, não seus outros aspectos, mas o começo. Foi enfatizar as chaves e sua função de introduzir o Reino aos homens. Pode ser mais do que uma coincidência que isso tenha sido, como dissemos, em consonância com os detalhes de sua própria vocação. Pois Pedro foi chamado em circunstâncias bastante diferentes das de Paulo e até mesmo de João, como veremos. Uma vez que essas circunstâncias são registradas para nós nas Escrituras, não devemos desconsiderá-las como fortuitas. Elas são dignas de nota.

Pedro foi chamado enquanto estava envolvido na principal habilidade de seu trabalho, ou seja, “lançando uma rede ao mar”. Essa ocupação parece (falando figuradamente) ter dado caráter ao seu ministério ao longo de sua vida. Ele deveria ser, antes de tudo, um evangelista: alguém que começa algo “capturando  homens vivos”. Ao lançar uma rede, você recolhe peixes — todos os tipos de peixes. Isso é Pedro; e sem esquecer por um momento o alcance mais amplo do que ele fez e escreveu, é verdade, porém, é factível dizer que o principal foco do que se é registrado acerca do seu ministério ativo é como o que foi colocado até aqui.

Eles eram Fabricantes de Tendas

Falaremos de Paulo agora. Ele é um servo do Senhor, mas de um tipo diferente. Ninguém sugeriria que Paulo não pregou o evangelho. Claro que ele o fez. Não fazer isso teria sido repudiar o trabalho pioneiro de Pedro e desperdiçar o terreno conquistado por ele. Não cometamos o erro de pensar que havia algum conflito fundamental entre os ministérios desses dois homens, ou que os ministérios desses servos de Deus deveriam estar em conflito. Escrevendo aos Gálatas, Paulo deixou claro que suas diferenças relacionavam-se à geografia e à raça, e que, essencialmente, suas tarefas eram complementares — e não apenas por consentimento mútuo, mas em seu valor e atestação por Deus (Gálatas 2.7-10).

Mas o ponto é que chegou um dia em que Paulo foi chamado a ir além. Enquanto Pedro iniciava as coisas, a tarefa de Paulo era construir. Deus lhe confiou de maneira especial a obra de edificar Sua igreja, ou em outras palavras, a tarefa de apresentar Cristo em Sua plenitude aos homens, e de reunir esses homens como um só em tudo o que Deus tinha em mente para eles em Cristo. Paulo vislumbrou essa realidade celestial em toda a sua grandeza, e sua comissão era edificar juntos os reunidos do povo de Deus para essa realidade.

Permita-me ilustrar. Você se lembra da visão que foi concedida a Pedro antes de ele partir para os gentios em Cesaréia? Ele viu um lençol descendo do céu, segurado pelos quatro cantos e contendo todo tipo de animal, limpo e imundo. Essa visão significava a intenção inclusiva e universal do evangelho. Ele é dirigido a toda criatura. E isso, novamente, teve Pedro como o primeiro a realizar. Seu ministério é um ministério com um lençol — ou uma rede, se preferir — colocando algo de tudo dentro dele. É ordenado por Deus, pois vem a ele “do céu”. Sua comissão vinda de Deus, renovada e melhor entendia em Jope, foi trazer o maior número possível de todos os tipos ao Salvador.

Mas nosso irmão Paulo é diferente, pois ele não é um homem segurando um lençol, ele é um fabricante de tendas. O lençol da visão de Pedro — novamente estou falando figurativamente — torna-se nas mãos de Paulo uma tenda. O que quero dizer com isso? Quero dizer que um lençol é algo que ainda não tem uma forma; ainda não está “desenhado, estruturado”. Mas agora Paulo entra em cena como fabricante de tendas, e sob a direção do Espírito de Deus — sob a compulsão de uma visão que, assim como a de Pedro, veio a ele do céu (2 Coríntios 12.2-4; Efésios 3.2-10) — ele dá a esse “lençol” informe uma forma e um significado. Ele se torna, pela graça soberana de Deus, um construtor da casa de Deus.

Com Paulo, não se trata apenas de tantas almas salvas, mas de algo que toma uma forma definida. É provável que Paulo nunca tenha experimentado algo como três mil almas crendo em um único dia. Isso foi um privilégio de Pedro, mas o ministério especial de Paulo era construir as almas crentes e juntá-las, conforme a visão celestial que Deus lhe tinha dado. Deus não está satisfeito apenas com Seu povo se convertendo, “indo à igreja”, sentando e ouvindo sermões bem compostos, e sentindo-se contente por serem bons cristãos. Ele nem sequer está muito interessado em sua experiência especial de “segunda bênção”, “santificação”, “libertação” (ou quaisquer termos que usem) — como experiências. Há algo mais na mente de Deus para Seus filhos que excedem essas coisas — algo em termos de um “Novo Homem” do céu. Deus tem em vista, como Seu objetivo e objeto na redenção, a união de Cristo como Cabeça e a Igreja como Seu corpo, para que o todo, Cristo e Sua Igreja, juntos constituam Seu único Novo Homem — “o Cristo”.

É bom buscar nas Escrituras “o Cristo”. Como é abençoado que o único pensamento na mente de Deus seja Seu Filho, Jesus Cristo! Muitas vezes na Escritura é “Jesus o Cristo”, e muitas vezes ao contrário disso é simplesmente “o Cristo”. Mas olhe atentamente e você verá que não apenas o termo é usado pessoalmente para o Filho de Deus, mas também é usado para abranger outros com Ele (veja especialmente 1 Coríntios 12.12). Que graça insondável! Deus está assegurando para Si mesmo muitos filhos redimidos, não apenas como indivíduos, mas como um povo reunido. E com qual objetivo? Para fazê-los, no Filho e com Ele, um único Novo Homem — um todo unido no qual é expresso, por meio de todas essas vidas humanas, a celestialidade, a vida e a glória dos abençoados filhos de Deus.

Esse é o tremendo objetivo de Deus; e Paulo foi uma pessoa chamada por Deus de maneira especial para ser o despenseiro desse mistério, tanto para apresentá-lo como para trazer Seu povo para dentro dele. 

Ao dizer isso, não queremos de forma alguma menosprezar o ministério de Pedro. Não estamos implicando que o evangelismo deveria ter menos do que o completo lugar. Mas o que todos precisamos ver é que o ministério especial de Paulo é o complemento necessário daquele que vinha de Pedro. Paulo vai além de Pedro, mas não para a destruição ou descrédito de Pedro. Até mesmo o irmão Pedro, com toda a sua própria compreensão crescente da “casa espiritual” de Deus (1 Pedro 2.4-9), reconheceu que em certo grau Paulo o havia ultrapassado nisso. É muito bom ler os versículos finais de sua última epístola, na qual ele se refere à “sabedoria” dada a Paulo, e então passa a classificar os escritos de Paulo junto com “as outras Escrituras”. Isso pode ter exigido uma graça necessária para tal conclusão, mas Pedro havia chegado ao ponto de ver que, no plano de Deus, o ensinamento de Paulo havia sido verdadeiramente complementar ao seu próprio.

“Ai de mim”, disse Paulo, “se não pregar o evangelho”; e ele buscou a ajuda de Deus para levá-lo aos limites mais distantes do mundo romano. 

Mas onde quer que ele pregasse, não era para parar com o primeiro efeito da pregação, mas também para continuar até alcançar seu propósito mais profundo em relação aos santos. Pois ele era essencialmente um construtor. De fato, como ele mesmo colocou, ele era um “mestre construtor” (1 Coríntios 3.10). Ele lançou o fundamento — sim, o fundamento de Jesus Cristo — e então avançou e construiu sobre o fundamento. Tentar construir sobre qualquer outro fundamento, ele insistia, o desqualificaria completamente. 

Mas mesmo com isso resolvido, ele viu que o caráter da construção também importa. Importa muito como você constrói e com quais materiais constrói. Não pode haver mão de obra inferior na casa de Deus, nem substituições. Deus quer que Seu povo esteja unido em amor, moldado e construído em um templo santo no Senhor e preparado para revelar e exibir as glórias de Seu Filho. Esse foi o objetivo que Paulo, por meio de seu ministério. Todas as lições de sua vida cheia de eventos e todas as ricas contribuições de seus muitos escritos, abrangendo como eles fazem um vasto alcance de tempo, espaço e ação, têm um único objetivo em vista: que Cristo possa ter para Si mesmo a gloriosa Igreja pela qual Ele morreu.

Consertando as Redes

Mas, por fim, vieram contratempos e decepções. Em sua carta aos Filipenses, Paulo nos diz o motivo: “Todos buscam o que é seu, e não o que é de Cristo Jesus” (Filipenses 2:21). Mais adiante, escrevendo a Timóteo, ele menciona que os santos em uma província romana, chamada Ásia, se desviaram. Quem são esses crentes asiáticos? Alguns deles são aqueles a quem o Senhor desafia em Apocalipse. Sete igrejas representativas da província da Ásia são abordadas ali, pois, em seu estado espiritual, elas são distintas, acreditamos, que essas igrejas estão imbuídas de representar toda essa era (Apocalipse 1:11). Aos olhos de Deus, todas as igrejas desse primeiro período do Novo Testamento parecem ter se afastado de Seu padrão original e perdido algo do propósito divino.

Neste ponto, Deus chama João. Até agora, pelo menos conforme vai o registro escrito do Novo Testamento, ele permaneceu em segundo plano. Mas com a partida de Paulo, o Senhor agora revela ainda mais Seu vaso de ministério, trazendo com ele um frescor e uma ênfase distintiva para atender a uma nova necessidade.

O ministério de João é bastante diferente do de Pedro. João não foi pessoal ou exclusivamente comissionado, como Pedro, para originar algo. Conforme o registro, que temos, nos conta, o Senhor o usou apenas inicialmente como companheiro de Pedro. E, também, ele não foi mostrado como alguém que foi confiado de maneira única a tarefa de revelar o mistério da igreja. Sem dúvida, ele estava tão preocupado quanto os outros apóstolos com sua fundação (Efésios 2:20), mas também nisso, seu chamado não era de forma alguma único. Doutrinariamente, ele não tem nada a acrescentar à revelação dada através de Paulo. No ministério de Paulo, as coisas de Deus atingem um clímax absoluto, e não se pode melhorar isso. A preocupação de Paulo com a realização plena dos desígnios divinos que foram formados na mente de Deus antes da fundação do mundo — esses desígnios em Seu Filho, o plano para a redenção e glória do homem — Deus fez ser desdobrado era após era, vislumbre após vislumbre, até que finalmente, nesta era especial da graça, fosse plenamente manifesto no nascimento, morte, ressurreição e exaltação de Seu Cristo. A apresentação desse plano em sua totalidade e a realização plena dele no povo de Deus eram o fardo especial de Paulo. Sua tarefa era expressar, para o benefício de todos nós, algo que saísse do próprio coração de Deus — algo das eternidades, agora trazido à luz no tempo. Para melhorar, portanto, o que Deus confiou a Paulo, você teria que melhorar a Deus, e isso é inconcebível. O plano divino é absoluto.

Então, por que acrescentar João a Paulo? Qual é a necessidade desse ministério adicional? A resposta é que, no final do período do Novo Testamento, o inimigo das almas encontrou entrada na casa de Deus e fez com que Seu próprio povo, os herdeiros da redenção, se afastassem de Seus caminhos. Até mesmo aqueles confiados com a visão “efésia” falharam e se desviaram, e de fato a igreja em Éfeso foi a principal no quesito fracasso. 

Se você comparar a primeira epístola aos Efésios com a segunda epístola aos Efésios — a de Paulo com a de Jesus através de João (Apocalipse 2:1–7) — as duas cartas mostram onde essas pessoas estão. Algo terrível aconteceu; e agora João é trazido e comissionado. Mas para quê? Não para liderar, mas para restaurar. Você descobrirá que, ao longo do Novo Testamento, o ministério de João é sempre restaurador. Ele não diz nada surpreendentemente novo e original. Ele não introduz nada além (embora seja verdade que no Apocalipse ele leve o que já foi dado à sua consumação). O que distingue João, seja no Evangelho, nas Epístolas ou no Apocalipse, é sua preocupação em trazer o povo de Deus de volta a uma posição que eles perderam.

Uma vez mais, isso está de acordo com as circunstâncias do chamado de João para ser discípulo. Pedro foi chamado para seguir enquanto lançava a rede ao mar; Paulo já era (presumivelmente) fabricante de tendas por profissão quando Deus o nomeou “vaso escolhido para mim”; e João foi chamado de forma bastante diferente. Assim como Pedro, João era pescador, mas ao contrário dele não estava no barco, mas na margem do lago no momento do seu chamado, e nos é dito que ele e seu irmão estavam “consertando as redes”. Quando você se propõe a consertar algo, você busca restaurá-lo à sua condição original. Algo foi danificado ou perdido, e sua tarefa é reparar e recuperar isso; e essa é a especialidade de João. Ele sempre nos traz de volta ao original de Deus.

Talvez essa afirmação pareça exigir uma explicação mais detalhada, mas deixaremos isso para ser abordado em seu devido lugar. E para que não se pense que estamos fazendo muito do acaso das ocupações seculares desses três apóstolos, seja dito de imediato que consideramos esses detalhes, registrados providencialmente como certamente estão, puramente como ganchos convenientes para pendurar nossos pensamentos, e para ajudar a fixar em nossas mentes as coisas infinitamente maiores pelas quais cada um desses homens serviu como servo de Deus.

Portanto, temos diante de nós esses três homens representativos. Temos Pedro, preocupado primeiramente com a colheita de almas; temos Paulo, o sábio mestre construtor, edificando conforme a visão celestial dada a ele; e então, quando a falha ameaça, temos João introduzido para reafirmar que ainda há um propósito original em vista, e que, na mente de Deus, nunca foi abandonado. Ainda há algo que Ele pretende cumprir, e dessa intenção Ele nunca será desviado.

O ponto prático do que temos dito é este: são necessários esses três ministérios complementares e inter-relacionados para tornar a igreja perfeita. É necessário o ministério de Pedro para iniciar as coisas em qualquer situação dada; é necessário o ministério de Paulo para construir sobre esse começo; e é necessário o ministério de João para trazer de volta, quando necessário, as coisas à linha com a intenção original de Deus. Poucos negarão que a necessidade de cada um desses três ministérios está conosco hoje, ou que o terceiro, o da recuperação, talvez seja a maior necessidade de todas neste período de encerramento da era. Portanto, nos ajudará a examinar alguns dos pontos-chave de cada um deles em detalhes mais práticos, e dar atenção especial às implicações atuais do último dos três.

Assim, nos capítulos que seguem, consideraremos Pedro, Paulo e João sucessivamente — primeiro os homens em si, e depois seus ministérios característicos de iniciação, construção e recuperação. Enquanto o fazemos, permitamos que o Espírito de Deus fale através deles o seu próprio desafio pessoal a cada um de nossos corações.

Pods DoPeregrino.com

Série: Isso não vem de Vós Ep03

dê um PLAY AGORA!