As Ressurreições dos Filhos de Deus

Vamos explorar as diferenças entre as ressurreições mencionadas nas Escrituras neotestamentárias, como a ressurreição do Último Dia (João 6.39) e a Primeira Ressurreição (Apocalipse 20.6). Essa análise oferece uma resposta para aqueles que acreditam que os cristãos podem experimentar ressurreições diferentes tanto no evento quanto na individualidade. Passagens como Lucas 20.35, Filipenses 3.10-11, Hebreus 11.35 e 1Coríntios 15.41 nos ajudam a entender como as ressurreições seletivas funcionam e nos convidam a refletir sobre nossa caminhada espiritual, para o alcance do melhor delas na esperança futura que nos reserva a contemplação divina. Este estudo tem o objetivo de nos levar a uma compreensão mais clara e significativa dessas verdades. Que nossa expectativa não esteja em outro lugar que não na era futura.

Não provarão da morte até verem o Filho do Homem vir no Seu Reino

Uma Melhor Ressurreição

Muitos cristãos têm uma compreensão inadequada dos eventos da ressurreição. A maioria entende que há somente duas ressurreições: a primeira, que inclui todos os filhos de Deus, e a do último dia, que inclui o comparecimento de todos os mortos diante do Trono Branco.

A grande questão que fica é muito objetiva. Jesus mesmo disse que ressuscitaria os que cressem n’Ele no último dia (João 6.40), mas não seria a ressurreição do último dia reservada para os incrédulos no Trono Branco? E, se fossem tão somente os perdidos e descrentes que fossem comparecer nesse local, por qual motivo seria aberto o Livro da Vida (Apocalipse 20.12)?

As Ressurreições (Último Dia e Primeira)

Além disso, o Senhor, ao dizer que os que cressem n’Ele seriam ressuscitados no último dia, apresenta algo que deve ser considerado impressionante. Todos que lidam com essa passagem, sabendo da dificuldade dela, consideram o último dia como algo ligado à Primeira Ressurreição, o que não pode fazer nenhum sentido, pois o mesmo Evangelho que diz que ressuscitaria todos os que cressem n’Ele no último dia diz, igualmente, que os que o rejeitaram seriam julgados também nesse mesmo último dia (João 12.48).

E todos sabemos que os mortos não crentes serão julgados em tempos diferentes dos mortos crentes.

Os mortos, em geral, serão julgados apenas no Julgamento do Trono Branco. Se, portanto, é desta maneira, obrigatoriamente o último dia dito por nosso Senhor deverá ser o dia em que os céus e a terra fugirão diante daquele temível Trono.

Mas o que a Bíblia quer dizer com “último dia”? Simplesmente está utilizando a expressão “último dia” para dizer, por um lado, o fim do milênio; por outro, que este dia derradeiro é o último processo que Deus lida no espaço-tempo com a humanidade. Assim, é o último dia porque encerra o milênio. Por outro lado, esse evento encerra a era da humanidade, fazendo, por assim dizer, um julgamento final — final, justamente, por se tratar do último dia. Desta forma, deverá haver também uma ressurreição no último dia.

Essa ressurreição é geral, pois o Mar (época abissal do caos de Gênesis 1.2), a Morte (local específico do Mundo Além) e o Hades entregam seus mortos. Embora seja geral, o Senhor aplica o último dia também aos cristãos. Desta maneira, fica claro que nem todos os crentes estarão desfrutando do Reino Milenar, e é por isso que o Livro da Vida será aberto no Trono Branco, para os que ressuscitarão de forma completa, agora com corpos de glória, no último dia.

Portanto, último dia e Primeira Ressurreição, obrigatoriamente, são antagônicos.

Por que Jesus falaria de uma forma positiva do último dia, prometendo ressuscitar Seus crentes neste evento, se isto significa que eles perderam o desfrute do Milênio?

É devido ao fato de que o Evangelho de João é o Evangelho escolhido como o arauto da graça de Cristo!

Enquanto Mateus revela a justiça do Senhor e a necessidade de pagar o preço da negação desta era, e de uma justiça que deve exceder a dos escribas e fariseus, João, por outro lado, revela o background da plena graça de Deus investida no Seu Filho em Seu ato vicário. João, ao tratar de julgamento, cita “crer” e “não crer” apenas (Jo 3.18; 5.24); Mateus, por outro lado, diz que o Senhor voltará e julgará nossas obras (Mt 16.27).

Portanto, a ressurreição descrita em João, que é atribuída aos que creem, é assegurada pela graça de Deus. Desta forma, não deveria ser mencionada a Primeira Ressurreição, sob pena de isto perder o sentido primordial dos ensinos de Jesus neste Evangelho.

Por exemplo, a palavra “obras” em Mateus é bem diferente da de João.

Em Mateus 5.16, vemos a menção da palavra “obras” como uma rotina cristã que glorifica Deus Pai. No capítulo 6, Jesus também ensina que as obras dos discípulos não poderiam ser motivadas como exibição diante dos homens, buscando o louvor deles. Além disso, a palavra é mencionada no plural.

Já em João, a palavra “obras” não deve nem sequer estar no plural.

Quando Jesus foi questionado sobre como poderia fazer as obras de Deus — repare que a pergunta é feita no plural (João 6.28) —, Ele responde no singular: “A obra de Deus é esta: crede n’Aquele que Ele enviou”.

Quando olhamos para Mateus novamente, vemos Jesus listando mandamentos para o jovem rico (Mt 19.18–19).

Mateus fala de obras; João fala de uma obra. Para Mateus, as obras devem ser visíveis; para João, apenas uma obra é necessária: “crer”, e ela pode ser invisível.

Pelo Evangelho de Mateus, a obra da Mulher de Betânia foi notável por seu ato e foi reconhecida como uma “boa obra” (Mt 26.10). Já em João, aquilo que parece ser antagônico às obras é apreciado neste evangelho e, na verdade, é chamado de apenas uma obra (crer naquele que Deus enviou).

Se olharmos para Paulo, o apóstolo diz: “E a vida que agora vivo na carne”, reconhecendo uma rotina cristã; ele continua: “vivo-a na fé do Filho de Deus” (Gl 2.20). Podemos ver que, para Paulo, igualmente como João, a prioridade é estar na fé. Pois Paulo também ensinava que as obras, embora fossem importantes, não tinham qualquer veracidade diante de Deus se não estivessem cobertas pela fé.

Paulo é ainda mais claro quanto a isso na passagem de Colossenses 2.6. Vamos ler:

“Como, portanto, recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, assim nele andai” (TB, grifo nosso).

Veja como isso é muito claro: Paulo diz que, da mesma maneira que Cristo foi recebido, é a mesma para andar n’Ele.

De acordo com João 1.12, só podemos receber o Senhor Jesus crendo no Nome d’Ele. A própria expressão “a saber”, que está nesta passagem, é para explicar como isso funciona, ou seja: “aos que creem no seu nome”.

“Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome” (NAA, grifo nosso).

Se a maneira que utilizei para receber Cristo foi a fé, de acordo com Paulo, ela deve ser a mesma para andar n’Ele.

Assim, parece que tanto para João quanto para Paulo, crer no Senhor é a fonte para que eu possa produzir as obras que Mateus evidencia. João olha para a fonte; Mateus olha para o resultado.

Em João, quando a palavra “obra” aparece no plural, elas serão atribuídas a Deus (Jo 9.3).

Desta maneira, se tivermos obras, é porque, de fato, Deus está operando em nós; elas não seriam capazes de serem produzidas por nós mesmos. Essa verdade teve grande impacto para João, por isso ele foi o único evangelista que reconheceu as palavras do Senhor: “Sem mim nada podeis fazer”.

Percebe que João e Mateus estão em perspectivas diferentes? Mateus olha a recompensa; João, a graça.

Se esta dedução ganhou alguma clareza para você, leitor, fica óbvio que, quando ambos vão falar da ressurreição, focarão em eventos diferentes na linha do tempo. Mateus notará a Primeira Ressurreição (Mateus 19.28); João, a do último dia (João 6.39).

D. M. Panton e Robert Govett – Livro A Ressurreição e a glorificação do Corpo

Livro A Ressurreição e a Glorificação do Corpo de D.M Panton e Robert Govett.

Compre Agora

A Primeira Ressurreição

Chegou o momento de considerarmos a ressurreição do ponto de vista eventual.

O que quero dizer com eventual (não ocasional, neste caso) é em relação aos eventos na linha do tempo. Por isso, vou usar um neologismo para adverbiar essas ocorrências, que será: “eventalmente”.

Deus determinou dois momentos que envolvem a ressurreição. Desta maneira, obrigatoriamente deve haver duas ressurreições eventais.

Como são dois eventos, essa experiência é coletiva.

Como são coletivas, logo suas ocorrências devem ser determináveis, e são, de fato: a ressurreição do último dia, conforme já vimos, se dá no fim da era milenar; e a Primeira Ressurreição, no início dessa mesma era.

Quanto ao fato de ela acontecer no momento em que se dá a era milenar, é facilmente provado no texto de Apocalipse 20:

“Vi também tronos, e assentaram-se sobre eles, e foi-lhes dado o poder de julgar. Vi as almas daqueles que tinham sido decapitados por amor do testemunho de Jesus e da palavra de Deus, e os que não adoraram a besta nem a sua imagem, e que não receberam a marca na testa nem na mão; eles viveram e reinaram com Cristo mil anos. Os outros mortos não viveram até que fossem cumpridos os mil anos. Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo é o que tem parte na primeira ressurreição! Sobre estes a segunda morte não tem poder, mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele durante os mil anos.” (Ap 20:4-6 — TB).

Assim, este momento deve preceder, e imediatamente o Milênio é instaurado após a ressurreição evental.

As 3 Tagmas de Paulo

Paulo aplica todo esse conceito que estamos abordando através das 3 tagmas [grego] que ele descreve. O que quero dizer por tagma é o que geralmente, em nossas traduções de Bíblia, está vertido por “ordem”. As Bíblias Almeida preferem usar essa expressão, assim como a clássica King James; o fato é que a palavra “tagma”, do grego, pode significar tanto “ordem” quanto “turno” ou “grupo”. Por exemplo, a tradução da Bíblia LEB prefere usar o termo “grupo”.

“Mas cada um na sua ordem: as primícias, Cristo; depois, os que são de Cristo, na sua vinda. Então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo domínio e toda autoridade e poder.” (1Co 15.23-24 — TB).

Primícias – A Primeira Ordem

Ao que parece os sepulcros abriram primeiro, mas estes santos só ressuscitam depois que o Senhor sai do Hades. Se eles tiveram o cuidado de não sair da Morte antes do Senhor, indica que a ressurreição deles seria da mesma qualidade do Senhor, pois para o Senhor ser o primeiro dos mortos, eles tiveram que aguardar Sua saída do mundo dos mortos.

Primícias aparece como o primeiro grupo de ressurreição de mortos, na verdade, se refere ao Senhor Jesus. Vale destacar que para alguns eruditos de peso no estudo da Bíblia, no passado, como Robert Govett, sugere que essa ordem é um coletivo. Incluindo nela aqueles que saíram dos sepulcros depois do terremoto de Mateus 27.51,52, primeiro houve um terremoto onde os sepucros abriram-se, em seguida o Senhor Jesus sai da morte e por conseguinte estes.

Ao que parece os sepulcros abriram primeiro, mas estes santos só ressuscitam depois que o Senhor sai do Hades. Se eles tiveram o cuidado de não sair da Morte antes do Senhor, indica que a ressurreição deles seria da mesma qualidade do Senhor, pois para o Senhor ser o primeiro dos mortos, eles tiveram que aguardar Sua saída do mundo dos mortos.

Se a ressurreição deles fossem comum, eles não precisariam ter esse cuidado de esperar o Senhor para fazê-lo ser o primeiro a ressuscitar em vida, afinal Lázaro já teria ressuscitado antes deles, mas sabemos que Lázaro não foi o primeiro a ressuscitar de fato, assim como não foram os filhos das viúvas com Elias e Eliseu; mas os santos não saírem até o Senhor sair, esse fenômeno indica que a ressurreição deles é da mesma espécie, de outro modo eles não precisariam esperar o Senhor, pois eles saindo antes não seriam contados como os primeiros a ressuscitar.

Assim o Senhor Jesus foi o primeiro a ressuscitar. Mas o molho das primícias incluiu, provavelmente, outros. Além desse detalhe dos santos ressuscitarem somente após o Senhor, também há o fato de eles terem aparecido a muitos. A palavra grega sugerida pelos eruditos é da mesma qualidade da palavra atribuída à aparição de Jesus, indicando que eles tiverem a mesma ressurreição ao mesmo tempo que tinham corpos glorificados.

Esta sugestão teria mais um importante embasamento, eles apareceram e desapareceram, pois ninguém mais os viu. Não há relatos destes serem mantidos entre os vivos da terra, como foi o caso de Lázaro que em seguida à sua ressuscitação do mortos, estava comendo com o Senhor e os discípulos e sendo ameaçado de morte. Dos que apareceram não se disse mais nada, indicando que não houve mais o paredeiro deles. Talvez devido a isso surge a palavra “apareceram”, justamente, para evidenciar o desaparecimento desses santos.

Para finalizar, se de fato houve um coletivo de ressurretos nesse molho de primícias, ele foi muito reservado e não se refere a todos os santos do Antigo Testamento, embora se refira a vários, muito provavelmente Davi não estaria entre eles, pois Pedro dizia que Davi estava morto e o sepulcro dele estava entre eles, significando que não foi aberto, além disso Pedro disse que não ele não subiu aos céus. É bem presumível esses santos ao passo que foram glorificados já teriam condições de subir ao céu.

Os do Cristo – Segunda Ordem

A palavra grega tagma indica também organização, ou seja, são turnos — indicando categorias coletivas — organizados. A tagma dos do Cristo é muito interessante, pois os cristãos, ao estudarem a passagem, pensam que, por causa da frase “os de Cristo na sua vinda”, são todos os cristãos. Mas o mais alarmante é que essa palavra “os de Cristo”, mais precisamente “do Cristo”, é mais exclusiva do que a gente pensa.

Paulo usa uma palavra que inclui todos os crentes “em Cristo”. Todos que desfrutam do “em Cristo” já foram salvos, mas nem todos os salvos estão no “do Cristo”. Vejamos uma passagem que ilustra bem isso:

“Pois os que são do Cristo crucificaram a carne com as paixões e desejos.” (Gálatas 5.24 — BTX).

Na versão BTX, temos o respeito ao artigo genitivo grego τοῦ (tu), sendo assim traduzido “do Cristo” em vez de “de Cristo”; o primeiro tira o efeito genérico provado pelo artigo. O artigo genitivo é absurdamente importante! Ele é o fator de restrição.

Portanto, todos os cristãos genuínos estão “em Cristo”, mas nem todos que estão “em Cristo” crucificaram sua carne com suas paixões; somente os que são “do Cristo” fizeram isso.

Em Cristo” separa os crentes do mundo; porém, “do Cristo” separa crentes de entre crentes.

Analisemos mais uma passagem que julgo ser importante para fazermos essa distinção:

“Saudai cada um dos santos em Cristo Jesus. Os irmãos que estão comigo vos saúdam. Todos os santos vos saúdam, especialmente os da casa de César.” (Filipenses 4.21-22 — TB).

“Os da casa de César” é uma extensão de “todos os santos”. Os da casa de César são um limite exclusivo; embora estejam dentro de todos os santos, são somente “os da casa de César”.

Assim, os do Cristo são igualmente uma extensão de todos os santos, mas, definitivamente, não são todos os santos.

Além disso, “os da casa de César” revela uma proximidade com o imperador; provavelmente eram seus funcionários. Esses santos específicos “de César” eram de um círculo exclusivo.

A palavra “do Cristo” revela um grupo que lhe pertence. Este grupo também revela uma proximidade maior com Ele.

Uma coisa é o tesouro escondido comprado do campo (Mt 13.44); outra coisa é a pérola de maior valor comprada de entre as pérolas (Mt 13.45).

Este grupo especial do Senhor também é uma tagma de ressurreição. Essa ressurreição se dará na Parusia, evento que antecede o reino milenar.

A Parusia se dá com o movimento do Senhor a partir do Trono do Seu Pai. A partir dali até a descida nas nuvens e, por fim, sua manifestação pública no céu, conta-se a Parusia. Ela terá um tempo de sete anos, entre seu começo e seu fim.

Essa ressurreição só pode ser a Primeira Ressurreição.

Eventalmente, ela tem início no arrebatamento do Filho Varão, mas culmina nos mártires que negam adoração à Besta. Estes irão reinar com Cristo mil anos.

São estes benditos do Cristo que reinarão com o Senhor Jesus no Seu departamento celestial no Reino dos Céus durante mil anos. Eles viverão e entrarão na vida: “Vinde, benditos de meu Pai”. Quanta beleza há nos que são do Cristo! O Espírito opera sobre esse grupo de vencedores. O Espírito Santo encontra descanso nos filhos de Deus quebrantados. A pomba tem onde pousar. Existe um solo sagrado que é cheio de vida (Marcos 4.28). A Terra Bendita, que contém a riqueza da vida, faz o talo, a espiga e o grão. Os filhos de Deus que desfrutam da vida e riqueza da terra são os frutos do Senhor. Somente estes são capazes de abrir mão desta era.

Enfim o Fim – Terceira Ordem

Paulo no versículo 24, diz: “então o fim”. Nossas traduções em português geralmente aplicam “então virá o fim”. Entretanto, o verbo virá é um insert. Este verbo não está presente no texto grego, portanto, sua aparição na tradução deveria ser desconsiderada. Pois de outro modo o texto como um todo sofrerá dano.

As Bíblias Almeidas, King James e até mesmo a Tradução Brasileira adotam esta incerção. E qual é a justificativa?

Justamente, para ter sentido. O que se alega é que ficaria sem sentido aparecer apenas “então o fim”. Mas quem decide o sentido é o cômite de tradução ou Paulo? E não seria a forma original que garantiria o pensamento de Paulo sobre o assunto acerca das ordens de ressurreição? É o que vamos descobrir agora.

O “então virá o fim” é como se fosse para encerrar o assunto das tagmas e dizer que depois das “primícias” e “dos do Cristo na Parusia”, não teria mais nada e agora só restaria vir o fim para tudo se encerrar.

Mas isso está errado. Primeiro, repito, não existe o verbo “virá”; segundo, que ao fazer essa inserção fez o “fim” parecer outra coisa que não fosse mais uma ordem de ressurreição. Ao traduzirmos correto, fica evidente que o fim seria mais um grupo de ressurreição.

A expressão grega é εἶτα τὸ τέλοςeita tó telos.

O advérbio eita neste caso seria um recurso gramátical para finalizar algo definitivamente, mas que mantivesse rastro de sua conexão com outro assunto. Vou dar um exemplo da nossa gramática porutuguesa. Uma das regras do uso da vírgula é separar itens narrados numa oração, porém quando chega no último item — que se está enumerando — a vírgula é proibida, é necessário inserir a partículo ‘e’. Um exemplo disso é a frase a seguir: “ele foi na loja de equipamentos eletrônicos e comprou: monitor, HD externo, mouse e teclado”. Note que o último item “teclado”, não foi separado com vírgula, mas finalizado com a partícula ‘e’. O ‘e’ neste caso serve como um recurso que finaliza, porém sem desassociar-se do que estava sendo dito antes. É exatamente isso que faz o “eita” no grego, dentro da passagem que estamos estudando. Suponhamos que fossêmos enumerar as tagmas de Paulo colocando nas nossas regras de pontuação, ficaria assim: “primícias”, “do Cristo” e “o fim”.

Não seria preciso criar um verbo como justificativa de oferecer sentido, pois o sentido já está fundamentado no texto. Ao colocar virá, moveu “o fim” do seu lugar de origem.

O advérbio “eita” carrega também em si mesmo uma ideia de desfecho, ainda que nossa partícula ‘e’ no português não funcione assim a menos que no contexto ela se apresente como um recurso de finalização; já, o eita, do grego, em si mesmo tem o efeito de finalização, tanto é que, ele pode ser traduzidor por: “então”, “depois”, “por fim”, “enfim” entre outros.

Vejamos como a tradução LEB (Lexham English Bible) verte os versículos 23 e 24:

Mas cada um em seu próprio grupo: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na sua vinda; e, enfim, o fim, quando ele entregar o reino a Deus e ao Pai, quando houver abolido todo domínio, toda autoridade e todo poder. (grifo meu)

A boa tradução de Young consegue ainda ser mais precisa.

“E cada um em sua devida ordem, uma primicia Cristo, depois aqueles que são do Cristo, em sua presença, e, por fim, o fim, quando ele entregar o reinado a Deus, o Pai, quando ele tiver tornado inútil todo domínio, toda autoridade e todo poder.” (Young’s Literal Translation, 1997).

Como é possível notar o eita (por fim) conecta o télos com as demais ordens. Assim também com uma boa tradução podemos ver que o verbo “virá”, de fato, é inexistente.

A Aplicação Condicional das Tagmas

Antes de finalizarmos, não podemos negar a ligação genérica com a ressurreição dos mortos, pois há quem entenda que o télos possa servir de ordem de ressurreição. Todavia, isso se aplica de forma geral a todos os homens.

Não podemos ignorar essa afirmação, porque ela tem sentido; porém, temos que investigar, tão somente, se Paulo quis dizer isso.

Temos que admitir que Paulo aplica um escopo geral, ou seja, a todos os homens. Isso está claro no versículo 21, vejamos:

“Pois, assim como por um homem a morte, também por um homem a ressurreição dos mortos.” (Vulgata Clementina).

Homem sem ser nomeado força um retrato genérico. Tanto um homem quanto o outro têm como foco uma ideia universal.

Por um homem temos a morte; por outro, a ressurreição dos mortos.

A preposição grega utilizada para conectar os dois homens, um à morte e o outro à ressurreição dos mortos é διά (diá). Tal preposição tem a função de considerar o meio. Ou seja, o meio que tal coisa aconteceu.

A morte aconteceu como meio de uma ação de um homem. Isso quer dizer que o homem é o fornecedor da morte. A morte aqui é algo intrínseco ao homem. É como um princípio: homem, logo morte. Assim, a experiência antagônica se aplica ao segundo Homem; este Homem, por outro lado, é o fornecimento da ressurreição dos mortos. Ele, por si mesmo, é cheio de vida e, portanto, tem como princípio a ressurreição dos mortos.

É muito interessante que, mesmo este Homem tendo o manancial da vida em si mesmo, a relação dele com a humanidade não é a vida, e sim a ressurreição. O que indica que este Homem permite a morte; porém, Ele vence a morte. Se é assim, sua força se manifesta na potência da ressurreição.

Portanto, a ressurreição é mais que levantar dos mortos; ela é um ato de obediência diante desse bendito Homem. Ela tem que executar o que é do Segundo Homem: a vitória sobre a morte. Este Homem, em Si mesmo, é puramente a Ressurreição dos Mortos.

Contudo, não desprezemos seu caráter universal “ressurreição dos mortos” e não “ressurreição de entre os mortos”. Portanto, temos um princípio, uma lei, que, para a morte, não resta outra coisa que não seja se render a este Homem. Embora seja um princípio da potência de vida do Senhor, em termos de evento se aplicará de um modo geral e não somente aos crentes. Pois no juízo final todos os mortos ressuscitarão.

A preposição diá indica que há dois fenômenos causadores: o primeiro fenômeno causador é Adão; o segundo é Cristo. Se é um fenômeno causador, suas aplicações são universais. Por meio de um, a morte; por meio de outro, a ressurreição dos mortos. O “por meio de” é irresistível.

Porém, temos mais a considerar. Paulo, no versículo 21, generaliza; no 22, ele aplica limitação. Vejamos:

“Como, pois, no Adão, todos morrem; assim, da mesma maneira no Cristo todos são vivificados.” (Tradução minha do texto grego)

As preposições mudaram: no versículo 22 aparece “em”. No grego ἐν (en) seguido do artigo dativo τῷ, assim fica: “em o”; no português fica: “no”. O artigo é importante porque aproxima as referências: Adão e Cristo.

Todos os homens estão no Adão, pois, para ser homem, deve haver uma conexão adâmica. Todavia, nem todos os homens estão no Cristo. Na linguagem paulina, o termo “em Cristo” não é universal, mas limitado a todos os que creem. O artigo dativo torna essa relação locativa mais próxima ainda. Isto impede qualquer generalização.

Então o TODOS que são vivificados “em o” Cristo não são todos os homens, mas os que foram salvos no Senhor.

Por que essa conclusão é importante? Porque as tagmas são baseadas no versículo 22 e não no 21. No 21, a referência é universal; no 22, é limitada aos que estão em Cristo. O versículo 22 aparece para complementar o 23. Como o assunto do 23 é a ressurreição e não a morte, a referência não pode ser “em Adão” — porque em Adão todos morrem —, mas exclusivamente “em Cristo”.

Em o Cristo todos são vivificados, agora Paulo vai explicar como isso funciona, através das tagmas. Começando com as Primícias e finalizando com os do Fim.

Portanto, as tagmas de Paulo estão obrigatoriamente conectadas ao contexto locativo do versículo 22. Ali são apresentadas duas posições: “no Adão” e “no Cristo”. Como em Adão todos morrem, esta posição deve ser posta de lado, pois as tagmas de Paulo não falam de morte, mas de vida; não é a paralisação da morte, mas a ressurreição da vida. Somente a expressão locativa “em Cristo” pode corresponder às ordens de ressurreição. Logo, o contexto é que as ordens da ressurreição se apliquem aos filhos de Deus e não a todos os homens; a ressurreição de todos os homens é colhida no versículo 21. Por isso, até mesmo a ressurreição da ordem fim é para cristãos; estes seriam aqueles cobertos pelas palavras do Senhor em João 6.39.

Acesse nosso vídeo no YouTube onde falamos detalhadamente sobre o Reino e as Ressurreições.

Aspecto Individual

Já consideramos as ressurreições eventais, mas e as ressurreições no seu aspecto individual, elas existem? Como elas são apontadas na Bíblia? Como podemos identificá-las?

Toda vez que a ressurreição é apontada de forma evental, ela considera o tempo. Por exemplo, a ressurreição da tagma primícias aconteceu no tempo da própria ressurreição de Jesus; portanto, ela é evental. A ressurreição dos que são do Cristo acontece na Parusia, outra marcação de tempo; portanto, esta ressurreição é evental também. Para finalizar, temos a ressurreição do último dia que, na tagma de Paulo, é a do fim. Pode-se perceber facilmente o tempo. Onde há tempo, há evento; onde há evento, há coletividade.

Assim, a Primeira Ressurreição trata de um coletivo na linha do tempo, pois ela acontece no momento que antecede o milênio. O fato de ela ser chamada “Primeira”, por si só, indica tempo. Da mesma forma, a ressurreição do último dia — “último” também indica tempo.

A Parusia do Senhor Jesus, que representa Sua presença, começa no Trono do Pai e se extende até Sua aparição no céu. Isso perdura pelo menos por sete anos; mais uma vez, temos o tempo funcionando, mais uma vez temos que ter um evento.

Mas a Bíblia também aplica a ressurreição de modo “não evental”. Por exemplo, quando Paulo menciona que ele precisa experimentar o poder da ressurreição, suportando os padecimentos de Cristo e sendo conformado com Ele na Sua morte, vemos condicionais de uma ressurreição não evental, pois ele não aponta tempo, ocorrência ou evento. Essa ressurreição quer marcar a ideia individual dela. Paulo atesta seu efeito individual: “para que eu possa...”

Não estamos vendo nenhum coletivo: “...eu possa alcançar a ressurreição...”

Em Lucas 20.35, vemos Jesus dizendo daqueles que seriam dignos de alcançar a era vindoura, assim como a ressurreição dela (a Primeira).

A dignidade é individual, e o caráter da ressurreição também o é.

Em Hebreus 11.35, vemos alguns preferindo ser torturados, rejeitando o preço do resgate, para poderem alcançar “uma melhor ressurreição”. Não vemos tempo ou evento. Vemos experiências individuais. Geralmente, essas menções não carregam artigo, ficando “uma ressurreição”, salientando assim seu aspecto mais individual possível.

E por que isso é necessário?

Porque, mesmo na ressurreição evental condicionada (a Primeira), podem haver ressurreições que, no critério individual, podem ser melhores que outras, mesmo estando na ressurreição já considerada distinta.

Por isso, pode aparecer uma melhor ressurreição dentro de uma situação coletiva. Pois, se, bastando crer e ser fiel a Deus, tenho como promessa a Primeira Ressurreição, dentro desta promessa posso individualmente excedê-la, tendo uma melhor dentro da Primeira.

Isto é fato, pois ninguém seria serrado ao meio como um herói da fé para obter uma melhor ressurreição que já seria obtida por uma fidelidade padrão a Deus, e menos ainda por apenas crer.

E Paulo, àquela altura de Filipenses 3.11, que já tinha feito tanto pela igreja de Deus, por que ele mesmo ainda teria dúvida de alcançar a ressurreição de entre os mortos, uma vez que já tinha demonstrado ser um homem de Deus obediente e fiel? Por que ele ainda precisaria padecer mais do que já padeceu e ainda, por fim, ser morfado na morte de Cristo? Por menos que isso, sem deixar de ser fiel e santo, ele teria parte na Primeira Ressurreição (coletiva). Mas parecia que ele queria exceder para mais, a fim de ter uma ressurreição superior (individual).

Os mártires de Hebreus 11.35 não poderiam considerar ter uma melhor ressurreição apenas fazendo parte da Primeira no critério coletivo, pois, por definição, a ressurreição deixada para o último dia seria inferior à Primeira, que contempla os bem-aventurados e santos, e, para obtê-la, não seria necessariamente preciso ser torturado até a morte. Jesus mesmo diz daqueles que são dignos de alcançar a ressurreição (Lucas 20.35). O critério não é o martírio para a Primeira, mas a dignidade. Todavia, para uma melhor ressurreição dentro da Primeira Ressurreição, o martírio é uma solução.

Assim, no critério individual, podemos estar falando de uma experiência única. Ela rompe o conceito coletivo e, fora do conceito coletivo, indivíduos podem provar experiências que excedem o evento, tanto no próprio conceito de tempo quanto na qualidade da ressurreição.

Por exemplo, coletivamente falando, os mortos não podem viver até que se completem os mil anos. Mas, se olharmos para a experiência individual, isto pode mudar. E é o que parece que acontecerá, pois para que serve dizer “até que pague o último centavo” se isso só pudesse acontecer no fim do milênio? Será que todos deveriam a mesma soma que levaria mil anos para ser paga? Haveria como avaliar pequenas ações que poderiam ser resolvidas mais rapidamente com ações pesadas e mais dignas de reparação?

Quando o Senhor diz que os que blasfemaram contra o Espírito Santo não teriam perdão nem nesta era nem na vindoura, indicava que qualquer outro pecado poderia ser perdoado não somente nesta era, mas também na vindoura. Ora, se ele fala para pessoas que supostamente estariam mortas quando a era vindoura chegasse (no caso, os fariseus, que já estariam mortos cerca de 2000 anos antes da era vindoura), logo o fato de eles não serem perdoados na era vindoura indicaria que, se não cometessem tal agravo (blasfêmia contra o Espírito Santo), poderiam ser perdoados nela, ainda que estivessem mortos. O que isso quer dizer? Que esse perdão é disciplinar; o alcance dele resulta em liberação (Mateus 5.26; 18.34).

Se assim o for, a liberação deveria resultar em cessação de uma disciplina, o que implica, ao mesmo tempo, em ressurreição.

Desta maneira, no aspecto individual, além de haver uma melhor ressurreição dentro da já melhor ressurreição coletiva, também se indica que é possível ressuscitar antes do último dia, desde que seja aplicada a experiência individual para casos específicos.

A experiência da melhor ressurreição é a coisa mais sublime que um cristão pode experimentar. Quão belos serão os servos e servas de Deus glorificados! A sensação corpórea os chamará a uma experiência beatífica; nada mais poderá impedi-los de terem a visão de Deus. Todo o apogeu humano se conquista na remoção do pecado e da morte, mas, mais que isso, na glorificação dos santificados. Pois, deste momento em diante, cumpre-se a profecia beatífica de Hebreus 12.14. Nada poderá se comparar a este dia.

O Poder de Ressurreição

Mas o Espírito Santo permite que se possa ter um gozo antecipado disso, de acordo com Filipenses 3.10. Pois podemos, por Ele, experimentar o poder da ressurreição, onde até nosso corpo mortal recebe vida.

Quando tocamos o poder da ressurreição na oração, o problema imediatamente cessa. As dores não são suficientes para trazer morte ao santo.

A tristeza e a notícia de morte se paralizam diante deste homem.

Os vícios são vencidos no poder da ressurreição; a efetivação da vida cristã se mostra produtiva; os santos começam a produzir frutos. A zoeficação se manifesta na rotina de Cristo (Gálatas 2.20). Será possível dizer: “E a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus.”

Tocar a ressurreição pelo Espírito Santo é algo tão precioso, pois é da mesma substância daquilo que nos fará sermos por completo, como se tivéssemos espíritos vivificadores (1Coríntios 15.45).

Hoje somos almas viventes, mas o último Adão é da espécie de espírito vivificador. Esse será o corpo na ressurreição: espiritual. Hoje é psíquico, mas na ressurreição será pneumático. Quando tocamos a ressurreição, nosso corpo experimenta, em pequenas doses, a vida do espírito.

Todavia, só podemos antecipar de forma limitada essa substância, mas é o suficiente para sentirmos a glória daquele dia. Pois, com corpos ressurretos e exaltados na glória de Cristo (Romanos 8.17), poderemos ver a face tão preciosa de Deus. Mas hoje, quando experimentamos o poder da ressurreição, podemos tocar palidamente a face bendita do Senhor. Por isso, Paulo, em seguida, diz que padecemos os sofrimentos de Cristo, ao passo que até mesmo podemos ser conformados na Sua morte. Esse poder nos rende.

Almejemos, em tempo presente, o poder da ressurreição. Nenhum cristão pode se contentar com menos que isso. Nesse poder, podemos avançar aos padecimentos do Senhor e, continuando a avançar, chegar na “transformação” da Sua morte! Tal experimentação nos leva a ficar tão próximos da ressurreição das ressurreições a: exanastasis.

Que o Senhor nos dê Sua luz.

NOTA


1– G. H. Lang trata desse assunto com muita propriedade em seu livro “Primícias e Colheita” publicado no Brasil pela editora Escriba do Reino.

NOTA


2– Não que não haja serviço de segurança [no shabbat], mas há um relaxamento. Ao estudarmos o conflito da guerra de Yom Kippur, saberemos que muitos soldados israelenses estavam de folga naquele dia devido à observância sagrada daquela comemoração, o que facilitou aquele massacre de judeus civis e inocentes.

Foto de A.Friend

A.Friend

Um peregrino em sua jornada.

0 0 votos
Classificação do artigo
Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
0
Adoraria saber sua opinião, comente.x
Pods DoPeregrino.com

Série: Isso não vem de Vós Ep03

dê um PLAY AGORA!