Jesus Morreu Por Todos; Resgatou Muitos; Escolheu Poucos
Por que é tão difícil para o sistema calvinista incluir a Morte Vicária de Cristo a Todo o Mundo como nos ensina João 3.16? Queremos por meio deste estudo considerar questões importantes da Bíblia, sobre temas como o significado bíblico de predestinação, eleição, destino e outros. Poderíamos ser ousados em afirmar sem receio algum: JESUS MORREU POR TODOS? Tenha a ousadia de ler até o fim e conclua por si mesmo, nos vemos no próximo post.

JESUS MORREU POR TODOS
A morte de nosso Senhor, ao contrário do que se ventila muito na fé reformada, não é limitada, nunca o foi em caráter, tampouco o é no que diz respeito à vida.
Vida, quero dizer, a essência desse alcance. De outro modo, João, o Batista, nunca poderia ter dito: “O Cordeiro que tira (ou carrega) o pecado do mundo”.
O sistema calvinista é, de fato, a engenharia que causou uma devastação, provocando a ruptura desse entendimento. Obviamente, não quero colocar na discussão o sistema em si, pois há outras verdades valiosas catalogadas nesse modelo. Mas Jesus é aquele que morreu pelo mundo. Ele é também — no que tange ao alcance — o Salvador do mundo (1Tm 2.6). Ele veio salvar o perdido.
Duas reflexões são fundamentais na nossa análise. O fato de Ele morrer pelo mundo não é um fato universalista do ponto de vista da salvação, mas também não é um fato utópico. Deus querer que todo homem seja salvo não é um devaneio, pois Ele não sofre por distopias. Além disso, temos que entender o direito que Deus tem sobre o mundo após a morte de nosso amado Senhor Jesus.
Primeiro, Ele compra o mundo. Todo o mundo está debaixo do direito de compra do Senhor. De outro modo, o Espírito Santo não poderia convencer os pecadores a abandonarem esta era; afinal, se o Senhor não tem o direito de compra do mundo, para onde iria o pecador arrependido? Segundo, como ele sairia da era governada por Satanás?
O pecador tem o direito de sair da esfera de Satã ao exercer o direito de compra do Senhor, simplesmente entregando-se a Ele.
Para quem tem dúvida, a compra para o resgate é total. Todo o mundo foi comprado. A morte bendita de Cristo alcança o mundo inteiro. Todavia, o fato de a compra ter alcance total não nos rompe automaticamente com o sistema que jaz no Maligno. Direitos existem para serem exercidos, mas nenhum direito age de forma automática. Deve haver uma ação do arrogante.
Antes de o Senhor morrer por nós, Israel era o ambiente de refúgio deste cosmo. Era o meio pelo qual Deus alcançava o espírito de alguém. Era também o meio de Ele ter um povo para Si.
Para que Deus exercesse Seu domínio, Ele utilizava o recurso da Lei, em especial dos tipos e cerimônias. Pois a moral também exigida na Lei tinha por objetivo final (embora não inicial) mostrar que o homem era inútil em si mesmo e, portanto, precisava recorrer à oferta daquele cordeirinho.
Havia a oferta tanto de rotina quanto a anual; a anual mostrava a posição que um filho de Deus se encontraria, debaixo da cobertura da Vítima Inocente.
O tipo anual apontava para o sacrifício definitivo de Jesus. Mas as ofertas de rotina, que incluem a oferta pelo pecado, demonstravam que o que Cristo fez na cruz, além de ter efeito eterno em relação à culpa do pecado, tinha também o efeito de lidar com os pecados.
Essas lições eram muito preciosas. Tínhamos tipificados o perdão eterno (uma vez por todas) e o perdão de comunhão (em relação aos pecados que cometemos em nossa fraqueza, que afetam nossa comunhão com Deus).
O primeiro era lembrado no Yom Kippur, realizado uma vez por ano. Sua utilização anual representava a eternidade, e o sacrifício oferecido liquidava o pecado naquele ciclo, indicando que a eternidade, pela obra de Jesus, o liquida a ponto de não se soltar do tempo e voltar a reivindicar seu lugar de culpa no homem.
O segundo lembrava que, em nosso andar, podemos falhar com Deus e com os homens e que precisamos confessar esses pecados, não para sermos salvos novamente ou para sermos judicialmente inocentados, mas para voltarmos a ter uma boa relação com Deus.
O primeiro tipo de oferta e o segundo estavam no sistema de oferendas da Lei. Um deles era oferecido anualmente para lembrar o Perdão Eterno, e o outro fazia parte da rotina de cumprimento das oferendas pelos pecados, tipificando o perdão de rotina.
É bem verdade que há a tipificação das cinzas da novilha vermelha, que é melhor e mais detalhadamente explicada dentro da esfera dos erros que podemos cometer.
As cinzas dela, misturadas com a água (retirada de águas vivas), purificavam aqueles que tocaram em cadáver ou ficaram impuros. Ela é o retrato da rotina dos cristãos, que acabam se contaminando com o mundo e tocando em morte.
Nas cinzas estavam contidas todas as misturas necessárias, incluindo o sangue da novilha que, em união com a água, aspergia o impuro.
Note que a novilha não era sacrificada novamente para dar pureza, mas os efeitos do seu sacrifício eram mantidos pela cinza (que continha, também, o sangue) e água.
Isso é um claro sinal de que, embora houvesse uma única oferta sacrificial em nosso Senhor Jesus Cristo pelos pecados, os efeitos do mundo poderiam contaminar os cristãos, e eles, por fim, teriam suas consciências abaladas e suas relações com Deus danificadas.
Para isto existia a água com cinza. Ainda que a oferta já tivesse sido queimada há muito tempo, a fórmula com água e as cinzas eram guardadas para uso futuro. Essa palavra é exatamente a Palavra de 1João 1.7, 9.
Se andarmos na luz, como Ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros e o sangue do Seu Filho Jesus nos purifica de todo pecado (1João 1.7).
Se andarmos na luz é algo subjetivo, pois existe o “se”. Essa condicional expressa que nem todos os cristãos irão experimentar e praticar esse movimento.
Além disso, andar na luz significa que podemos ver nossas obras com os olhos de Deus e julgá-las com tal olhar. Os cristãos mais sensíveis percebem seus erros mais rapidamente, porque têm mais luz. Outros negam e resistem a confessar seus pecados.
Mas, com a luz do versículo 7, conseguimos praticar o versículo 9. Vejamos:
“Se confessarmos nossos pecados ele é fiel e justo para perdoar nossos pecados e nos purificar de toda injustiça”.
Não consigo encontrar uma palavra tão tremenda quanto esta de 1João 1.9: Ele nos purifica de toda [e qualquer] injustiça.
Mas, para haver confissão, deve haver luz. Por isso, devemos andar na luz, como Ele está na luz. Essa expressão “como Ele está na luz” diz que o julgamento deve ser feito com o olhar d’Ele, e não com o nosso. Não cabe aqui, para nossa consciência, qualquer relativização. Temos que deixar a luz do Senhor nos humilhar!
E por que isso é necessário? Para mantermos comunhão uns com os outros. Alguns cristãos pensam que, ao chegar nessa porção, essa comunhão tratada aqui é com outros irmãos. Mas não. A relação aqui é com Deus, pois está lidando com pecados e impurezas.
Além disso, a palavra grega se refere à forma no singular de um lado e no plural de outro. Portanto, ela é subjetiva, por isso singular. Contudo, a parte plural (você pode pensar) não pode ser Deus, pois Ele é Um Só. Porém, João explica o que é comunhão alguns versículos antes:
(…) Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo (1 João 1.3b – ARA).
Essa é a comunhão. Como envolve o Pai e o Filho, deve-se dizer, portanto, no plural, como foi escrito no plural em Gênesis 1.26.
A comunhão, tanto com o Pai quanto com o Filho, é quebrada. Para mantermos a comunhão, somos obrigados a praticar o versículo 9.
Como João diz: “andarmos” e “mantemos” equivalem ao “uns”, pois estão no plural. E, por haver a luz d’Ele (Pai e Filho), “os outros” — embora o pronome esteja no singular — essa comunhão é explicada no versículo 3 como sendo com o Pai e o Filho.
Portanto, temos os pecados de comunhão, que bloqueiam nosso acesso à manutenção de nossa relação mais próxima com Deus.
E, portanto, precisamos do versículo 9 que é a aplicação do “sangue queimado” do Senhor, ou seja, é um sangue já ofertado, por essa essência, Sua aceitação é garantida, pois esse sangue já foi julgado e basta apenas revestirmos-nos dele. Porém, esse sangue da novilha é específico para ser aplicado em nossa relação de comunhão com o Pai e com o Filho, esse sangue é exatamente o versículo 9 de 1João 1.
Portanto, a relação de perdão com Deus se dá de duas formas, a primeira se referindo à culpa do pecado, e o efeito da condenação que vem d’Ele, tal coisa coisa é resolvida pela “oferta pelo pecado” (mais precisamente o anual) para dizer que somos eternamente perdoados e eternamente justificados.
Todavia encontramos as impurezas retratadas no capítulo 19.1–13 de Números, que no exemplo da novilha vermelha os efeitos de seu sacrifício se mantém mesmo depois da morte dela. Servindo como um material para ser usado mais tarde quando necessário.
Ao ler o texto sabemos que o material reservado (água e cinzas) seria capaz de purificar homens impuros devido às consequências de tocar em mortos, mas também serviria para consagrar homens ao serviço e igualmente os utensílios sagrados.
Isso prova que, depois da morte de nosso Senhor, me oferecendo perdão eterno, Ele ainda deixaria um material de profunda veracidade espiritual, que seria também capaz de restaurar minha comunhão com Deus.
Com isso, melhor destacado em nossa mente, temos que entender que há questões de minha responsabilidade aqui nesta era. Agora, nesta vida, eu tenho que tratar minhas impurezas com esse “material” provido por nosso Senhor: o Seu mais precioso sangue, sendo minha fonte de purificação depois da confissão. Caso contrário, estaria sob o risco de sofrer considerável perda no Tribunal de Cristo.
O Alcance da Morte de Cristo
Como devemos analisar o alcance da morte vicária de nosso Senhor?
Toda a morte de Cristo cobre o mundo. Veja a palavra de João: Ele amou o mundo que deu Seu Filho Unigênito.
O mundo é uma esfera; os supostos eleitos, outra.
Se Ele é oferecido ao mundo, como Sua morte pode ter um alcance limitado? Para mim, a discussão deveria se encerrar imediatamente com João 3.16.
Todavia, os arguidores dizem que a Palavra de Deus também afirma que Ele resgatou muitos, logo, não todos, o que limitaria Seu alcance ao mundo todo. O problema no questionamento se dá em não entender a compra e o resgate: não compreender o que é comprar e o que é substituir.
O alcance da morte do Senhor é cósmico, mas a efetividade da Sua substituição acontece somente entre os que foram comprados. Isso ocorre quando o escravo reconhece o senhorio do seu Senhor; assim, ele é, por conseguinte, resgatado do mundo com o preço pago.
Um bom exemplo disso é a parábola do “Tesouro Escondido”, conforme podemos ver em seguida:
“O Reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido a um tesouro escondido num campo. Achando-o um homem, escondeu-o de novo; então em sua alegria foi, vendeu tudo o que tinha e comprou aquele campo.” — Mateus 13.44 – AEC.
Repare que, apesar do interesse do homem ter sido pelo tesouro, ele compra o campo todo.
Na linguagem parabólica, o campo é o mundo. Isso pode ser claramente visto na interpretação do Senhor acerca da parábola do joio.
“O campo é o mundo (...)” — Mateus 13.38a
O homem da mesma forma é interpretado na parábola do joio.
“[...] homem que semeou boa semente no seu campo[...]” (Mateus 13.24b – ARA)
“[...] O que semeia a boa semente é o Filho do homem” (Mateus 13.37).
Como podemos perceber, o versículo 37 interpreta o 24; portanto, o “homem” na linguagem parabólica, entre o versículo 24 até o versículo 44, é o Senhor Jesus.
Desta maneira, voltando ao versículo 44, o que significa o homem comprar o campo por causa do tesouro?
Significa que Ele comprou o mundo com preço de sangue, mas por causa do tesouro que estava nele. E, neste mundo, Ele escondeu esse tesouro. Mas quem é esse tesouro? É a Igreja.
A Igreja está no mundo, escondida, porém não é do mundo. Para que a Igreja pudesse ficar no mundo e ser apreciada pelo Senhor, Ele teve que comprar o mundo. De outro modo, esse mundo deveria passar, uma vez que, não sendo propriedade do Senhor e, ao mesmo tempo, sendo um lugar onde jaz no Maligno, esta ambiência locativa deveria passar — mas não passou (ao menos por enquanto).
Por que esse mundo cheio de pecado não passa? Por que ele não é desintegrado? Porque há um tesouro nele que o [Filho do] Homem aprecia. Esse tesouro, de alguma maneira, põe em ordem o caos cósmico por causa de uma habitação singular. É dito tesouro porque algo de precioso habita ali e o faz ser um tesouro. Na verdade, o tesouro é o Espírito Santo, que se tornou um com a Igreja.
A Igreja é como é porque nela habita a glória de Deus, o Espírito de Cristo. Por isso, ela é um tesouro. Este tesouro, comprado, é de grande estima, por causa da habitação divina.
Todavia, a compra não é do tesouro, mas do campo. Por quê? Porque o tesouro tem que ficar no campo para poder saturar essa esfera dentro do tempo da misericórdia de Deus. Mas, para que a Igreja saturasse esse “campo”, ele, antes, deveria ser comprado e ser de direito do comprador. De outro modo, o dono anterior iria barrar toda a influência desse tesouro.
Quando o Senhor diz: “O Reino é chegado (ou antecipado, lit. grego)” em Mateus 12, Ele dizia que agora havia um reino para combater outro reino. Mas isso se deu antes d’Ele derramar Seu precioso sangue.
E por que é importante o derramamento do sangue? Porque este era o meio de compra, a moeda do campo. Agora, embora Satanás governe o campo por sua intrusão e influência, ele não pode acorrentar uma alma que decida pelo seu comprador, seu Amo, seu Senhor. Mas, para isso, a influência do Inimigo deve ser derrubada e a alma deve reconhecer que há um Senhor que a comprou.
Para isso acontecer, esse Senhor deve ter direitos sobre o campo; portanto, Seu sangue tem um alcance cósmico. Dizer que Ele não morreu pelo mundo ou que o alcance da Sua morte expiatória é limitado é negar o arranjo divino para salvar aquilo que está neste “campo”. De outro modo, até mesmo nossa salvação não seria executada de modo justo. Somente os que não conhecem a Bíblia (embora conheçam bastante de teologia) podem afirmar isso.
Se a compra do campo custou Seu sangue, Sua morte foi e é para todos.
No entanto, o tesouro é quem recebe os cuidados do comprador. Neste caso, o tesouro representa os que foram resgatados por preço.
Muitos Resgatados
Embora o alcance da compra do Senhor seja amplo — e deve ser, para Ele ter direitos sobre aqueles que, mais tarde, O escolheriam —, os que O experimentarão terão, na verdade, Seu Substituto. Serão muitos, mas, ainda que sejam muitos, não serão todos.
Neste caso, Ele morre para resgatar muitos, não todos.
Agora, não estamos falando do alcance da Sua morte, mas da experiência eficaz dela para aqueles que seriam beneficiados pela Sua substituição.
Nunca nos esqueçamos que a substituição não é somente para a punição, mas também para justificação.
Por um lado, Ele nos substituiu, levando em nosso lugar a punição justa de Deus. Por outro lado, Ele também nos substituiu para justificação, nos levando para dentro d’Ele, tornando legítima e justa a forma como Deus nos vê n’Ele. Por isso, Ele é o Eleito da eternidade passada.
SALVA TODOS
Importante lembrar que Ele salva todos, isso é veraz, mas dos que obedecem.
E, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem (Hebreus 5.9 – TB).O que quer dizer “os que lhe obedecem”? Refere-se àqueles que O fizeram Senhor. Esse é o primeiro ato de obediência consciente de um homem: o dia em que ele tornou Cristo seu Senhor. A partir daí, ele não é mais filho da desobediência (Ef 2.2; 5.6).
O que significa ser filho da desobediência, senão ser o elo de ligação com a desobediência no Éden?
Agora, por esfera locativa, este passa a ser “dos que obedecem”, mas não pela sua obediência em si, e sim pela obediência d’Aquele que obedeceu ao Pai em tudo e recebeu muitos filhos em Si, inaugurando uma nova raça.
É verdade que seremos experimentados na obediência, e isso não significa que somos obedientes em tudo ao Senhor. Aliás, podemos, na verdade, ser o oposto disso. Mas, mesmo assim, não somos mais filhos da desobediência, pois declaramos que Jesus é o Senhor e, no coração, cremos que Ele ressuscitou.
Neste caso, a eficácia de Sua morte se aplica aos que saem da ambiência da desobediência de Adão, que engendrou o pecado, e passam a habitar no segundo Homem, que operou completa obediência. Nesse sentido, somos, de fato, os que obedecem, ainda que isso não seja por causa de nós.
Se estamos para sempre nesta esfera locativa que é Cristo, é garantido que, em nós, todos os efeitos de uma vida obediente serão produzidos, ainda que à custa de muitas disciplinas.
Agora, com esse entendimento, podemos concluir que Ele não é a fonte de salvação de todos os homens, mas apenas dos que estão debaixo da obediência de Cristo. Sendo Ele a fonte para os que obedecem, isso quer dizer que os filhos da desobediência estão perdidos, apesar de a morte de Cristo os ter alcançado; pois a Bíblia diz que Ele salva TODOS os que Lhe obedecem. É claro que essa posição está no fato de terem feito d’Ele o kyrios de suas vidas. Isso os torna capazes de serem demovidos da desobediência adâmica, tornando o efeito de um ambiente de obediência — que se baseia na posição de que Jesus Cristo é o Senhor — aplicável; portanto, estão cobertos pela obediência d’Ele.
Alguns crentes, por não entenderem o significado de “filhos da desobediência”, pensam que o termo “os que lhe obedecem” possa ser uma condicional, da qual o homem precisa trabalhar a fim de manter-se salvo. Eles esquecem que o versículo anterior de Hebreus afirma que Ele, em tudo, obedeceu para, por fim, se tornar nossa fonte de salvação. O que isso significa? Que a salvação se deu pela obediência d’Ele, e não pela nossa. O fato de fazermos d’Ele nosso Senhor é o ato de nos revestirmos de Sua obediência. Afinal, o fato de eu ser um filho da desobediência está muito mais relacionado à minha ligação com Adão e a Queda do que, propriamente, à minha desobediência individual.
A questão é que não há nada que eu possa fazer, se no momento eu estiver posicionado em Adão (alienado de Cristo), para ser obediente, pois, de nenhuma forma, eu serei. Da mesma maneira, não há nada que eu possa fazer, depois de pertencer ao Segundo Homem, que me torne afastado “dos que lhe obedecem”, voltando a ser um filho da desobediência. Isso tem muito mais a ver com o que Ele fez do que com o que faço.
A única coisa necessária foi a troca de local. Eu saio da desobediência edênica e entro na obediência do Calvário. São efeitos que demandam nascimento: o primeiro nascimento me coloca na tragédia do Éden; o segundo nascimento me coloca diante daquele Calvário que destruiu tudo que pertencia à velha raça. Isso é obediência — no nosso caso, uma relação de obediência única, confiando no senhorio de Cristo com fé singela. Entretanto, tudo já havia sido produzido pelo Senhor na cruz.
A palavra grega também é muito favorável: ὑπακούουσιν (hypaku-usin). Ela está no particípio presente ativo, indicando uma ação em movimento, ou seja, algo que não acabou, algo que acontece. Sim, isso é verdade, mas salvar “todos que lhe obedecem” não se dá pela peculiaridade de cada um, e sim pela condição que receberam. Ao deixarem a Queda e se unirem a Cristo pelo Calvário, tornam-se os únicos condicionados a obedecer, pois, de outro modo, Jesus jamais poderia ser Senhor. Ele não é Senhor do mundo, mas da Igreja.
O particípio é descritivo. O que isso indica? Que ele descreve quem são os que são salvos eternamente: aqueles que de fato estão em obediência. Mas como alguém pode ser salvo eternamente? Lembremos que a passagem diz que Ele é capaz de “salvar eternamente”. Na verdade, a melhor tradução seria: “Ele é fonte de salvação eterna”. Mas como isso é possível se a eternidade estaria refém de uma obediência subjetiva?
Se assim fosse, a salvação nunca poderia ser eterna, pois, se a eternidade depende da obediência, ela deixa de ser eterna. Ainda que todos os filhos de Deus fossem fielmente obedientes, e somente um deles não, a salvação nunca poderia ser uma salvação eterna.
A passagem poderia ser traduzida sem perdas semânticas como: “é capaz de salvar a todos que estão em obediência”, ou “os que são da obediência”. Isso confere franca oposição aos que são filhos da desobediência. Se o homem habita debaixo da tragédia da Queda, ele precisa mudar de local.
Portanto, meu segundo nascimento vem por um ato de obediência, após o Espírito Santo me condenar com forte evidência, devido à culpa de não crer no Filho — é isso que deveria ser traduzido no texto grego em João 16.8 e não “convencer”. Ao perceber minha culpa de não crer no Filho de Deus, me converto e me lanço a Deus, declarando que Jesus é o Senhor. Isso é obediência, ao passo que entro totalmente na esfera dela.
Todos que passaram por isso são salvos, sem exceção, ainda que falhem e cometam pecados grosseiros. Justamente por estarem nesta esfera, são disciplinados. O Senhor nunca disciplinou um filho da desobediência, mas somente “os que lhe obedecem”. O fato de serem disciplinados é a evidência de que são os que lhe obedecem, pois a disciplina visa à obediência. Se tal coisa não acontecer, a falha recairia sobre Deus, por Sua disciplina não ter sido capaz de produzir o efeito da obediência.
Percebem que não resta alternativa para Deus a não ser nos tornar obedientes, sob o risco de Suas disciplinas falharem e serem ineficazes? “Ainda que eu morra, contudo ainda n’Ele esperarei” (Jó 13.15). Pois Deus terá que continuar aquilo que Ele começou e não pôde terminar. É necessário que todo filho de Deus seja obediente, ainda que Deus — se preciso for — use um Milênio inteiro para que isso aconteça.
Se ponderarmos de maneira racional, teremos que afirmar que, de fato, todos os filhos de Deus são “os que lhe obedecem”, seja de forma positiva ou negativa. Ele não buscaria obediência entre aqueles que, governados pelas trevas e debaixo de Sua ira, viessem a praticar algo que, por natureza, lhes é impossível, uma vez que suas naturezas os identificam como “filhos da desobediência”.
Portanto, o resgate de muitos se deve à obediência d’Ele no Calvário e ao primeiro ato de obediência do pecador — ao declarar que Ele é Senhor. Essa junção perfeita no design de Deus posiciona o homem na esfera “dos que lhe obedecem” (e, nesse caso, todos “os que lhe obedecem” são salvos). Assim, ele passa a fazer parte, por um lado, dos muitos que são resgatados, e, por outro, de todos os que são salvos.
Os Escolhidos
O problema do sistema calvinista em rotular os escolhidos como eleitos, sem basear esse conceito no critério do pré-conhecimento do Senhor na eternidade passada, destroça toda a ideia verdadeira que essa palavra carrega.
É claro que o sistema se apega às palavras da Bíblia de alguma maneira, sendo que, talvez, a mais comum seja, de fato, Efésios 1.4.
Com todo respeito a inúmeros irmãos piedosos e grandes eruditos do passado e do presente que se apegam a essa ideia seletiva de um grupo especial, no passado mais remoto dos arranjos de Deus, de que Ele escolhera alguns para a salvação enquanto outros para a condenação, é preciso dizer que tal conceito não possui qualquer alicerce bíblico.
Vamos avaliar Efésios 1.4.
“Assim como nos escolheu, nele, antes da fundação, do mundo para sermos santos e sem defeito perante ele.” (TB)
Houve uma escolha da parte de Deus, mas n’Ele, e não no “eleito” em si. Assim, o “n’Ele” é, de fato, o responsável por essa escolha. Me espanta que os defensores de uma separação seletiva simplesmente ignorem o “n’Ele”.
Quando analisamos o “n’Ele”, que é Cristo, admitimos que a seleção ocorre no Senhor. Precisamos compreender isso, pois ficará claro para todos nós por que as palavras ἐν χριστός (em Cristo) eram tão valiosas para Paulo.
Quando fomos resgatados, fomos enfim inseridos em Cristo. Nosso Senhor, além de ser a Pessoa Bendita que é, passa a ser também o Local onde habitamos; neste sentido, podemos chamá-lO de “Cristo Locativo”. Toda perspectiva que Deus tem de nós se dá no Cristo Locativo. Assim, as escolhas são feitas n’Ele. Se tirássemos o “n’Ele”, poderíamos admitir uma seleção de pessoas, por uma razão desconhecida, para serem salvas e outra seleta para serem condenadas. Mas a Bíblia nunca, em nenhum lugar, admitiu esse pensamento binário.
No Cristo Locativo, fomos escolhidos desde e antes da fundação do cosmos. É claro, estávamos n’Ele o tempo todo! Deus viu o Calvário de Seu Filho; Ele foi morto por presciência. Quando Deus nos escolhe, escolheu por nos conhecer, sabendo que Cristo seria também a nossa escolha. Ele, juntamente conosco, nos elege para dentro do Senhor! Essa seleção tem muito mais a ver com Seu Filho do que com Seus filhos.
Se este “n’Ele” não tivesse ligação com a morte e ressurreição de Seu Filho, poderia se aventar essa seleção sem qualquer razão; mas há uma razão: Seu Filho. Ninguém seria escolhido se não estivesse no Filho. Por isso, antes de escolher, Deus primeiro “conhece”: “porque o que dantes conheceu, também o predestinou”.
Deus toma ciência do lugar que essa pessoa tem no Seu Amado Filho e a escolhe n’Ele, antes da eternidade, pois o Amado Filho é eterno.
A ordem de Deus é sempre conhecer primeiro. Pedro chama isso, em sua carta, de presciência.
“Eleitos segundo a presciência de Deus Pai (...)” (TB)
O que pode se discutir com essas palavras do apóstolo?
A eleição se submete à presciência, e aqui não cabe discussão sobre arminianismo e calvinismo; eu acho, na verdade, essas dicotomias uma vergonha e uma perda completa de tempo. São debates infrutíferos que não visam nenhuma objetividade no Senhor, e sim saber quem conhece melhor os pontos teológicos de suas doutrinas.
A eleição está n’Ele primeiro porque Ele é de onde vem a escolha; segundo, ela é baseada no conhecimento prévio (conforme o apóstolo Pedro nos ensina). Se não estivéssemos n’Ele, não teríamos a menor chance de escolha; somos escolhidos por causa d’Ele e não de nós. Efésios 1.4 é muito simples de entender se víssemos Cristo, além da Pessoa Bendita que é, como o Local onde habitam todos os filhos de Deus.
Paulo, em Romanos 8.29, diz que Deus primeiro conhece, depois predestina, e aos que predestina, Ele chama. É verdade que predestinação aqui não significa escolha, mas o meio que fornecerá essa escolha. Alguns podem ser escolhidos antes, outros depois, mas todos os filhos de Deus serão eleitos para tomarem a forma de Cristo. A eleição tem a ver com o propósito que Deus estabeleceu para a raça humana. Ou seja, serem a imagem de Deus, que é o Filho.
O chamamento é certeiro, pois vem de um conhecimento prévio; ele equivale à salvação, porém, a salvação não é o ponto, embora pensemos que seja. Paulo, ao contrário de nós, via a predestinação com um foco muito mais completo do que apenas ser salvo da ira de Deus.
Ninguém é Predestinado Para Ser Salvo, Mas é Predestinado Por Ser Salvo
Paulo, em Romanos 8.29, diz que Deus primeiro conhece, depois predestina, e aos que predestina, Ele chama. É verdade que predestinação aqui não significa escolha, mas o meio que fornecerá essa escolha. Alguns podem ser escolhidos antes, outros depois, mas todos os filhos de Deus serão eleitos para tomarem a forma de Cristo. A eleição tem a ver com o propósito que Deus estabeleceu para a raça humana. Ou seja, serem a imagem de Deus, que é o Filho.
O chamamento é certeiro, pois vem de um conhecimento prévio; ele equivale à salvação, porém, a salvação não é o ponto, embora pensemos que seja. Paulo, ao contrário de nós, via a predestinação com um foco muito mais completo do que apenas ser salvo da ira de Deus.
Paulo fundamenta que Deus primeiro nos conhece; então, o passo seguinte é nos predestinar para algo. Mas, se esse algo fosse apenas ser salvo, tudo acabaria no chamamento. Por quê?
Porque o chamado é a experiência que emprega a justificação; todo aquele que é chamado é justificado. O chamamento, na verdade, é para conferir a justiça de Deus.
Ao conhecer de antemão quem viria a crer n’Ele, Deus pode, a partir de então, agir no tempo. Sim, se Ele sabe que um homem ou uma mulher confiará no Nome do Filho d’Ele, Ele pode, portanto, modificar o tempo. Por isso, Paulo diz: “...quando...”; no momento em que expressa: “quando aprouve a Deus revelar Seu Filho em mim” (Gálatas 1.15–16).
Tal coisa só é possível por meio do pré-conhecimento, assim Deus pode se quiser alterar o tempo, pode adiantar ou atrasar.
Se olharmos para a experiência do endurecimento de Faraó, veremos que Deus num primeiro momento não interfere no coração daquele homem, porém sabia que seu coração não se demoveria e, portanto, manteria-se duro, assim Ele diz a Moisés que o príncipe do Egito não deixaria eles sairem, desta forma Ele aproveitaria dessa situação e faria prodígios.
O Fato de Deus querer fazer prodígios está no fato de primeiro Ele saber como era o coração do chefe daquele país; assim Ele pode fazer um novo desenho para que Seus propósitos se cumpram. Paulo sabendo disso de um modo ainda mais sublime, disse “TODAS as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus…”; contudo, para mim, o mais fascinante dessa exclamação vem depois: “daqueles que foram chamados segundo o seu propósito”.
“Todas as coisas” se referem ao que acontece depois de o propósito ter sido estabelecido, o que isto quer dizer é que muitas coisas podem acontecer até o propósito ser atingido. É o mesmo que dizer que nesse “TODAS” Deus pode inserir ou permitir o que quiser, sendo o “TODAS” os mais variados meios escolhidos por Deus, debaixo de Sua infinita sabedoria, que se rendem para fazer o bem a todo aquele que está envolvido.
Vale destacar que o “bem” vem da expressão “TODAS AS COISAS”, como, a título de exemplo, o bem que veio a Israel por meio das pragas executadas no Egito, serviu para a glória de Deus naquela terra.
O que envolve a palavra “TODAS”, aponta por um lado à glória de Deus; por outro, ao bem dos que amam a Deus. Portanto, o que está envolvido em “Todas as coisas” se refere à liberdade que Deus tem para agir tanto no tempo quanto nos eventos para que os ajustes disso forneçam o “bem” que acontece logo depois. Tudo isto se deve ao fato de terem sido chamados segundo o propósito divino.
O bom propósito de Deus é o mesmo que suas glórias sendo apresentadas no Egito mediante as 10 pragas e culminando com o milagre extraordinário da abertura do mar; muralhas de águas salgadas se rendem ao Todo-Poderoso e os ventos obedecem imediatamente secando a terra molhada. Isso é “...chamados segundo seu propósito”.
Ao termos mais diligência na leitura, saberemos que Deus não endurece o coração de Faraó, mas sabia que o coração dele era duro. Depois dessa constatação e também das chances de arrependimento oferecidas — não poucas vezes, diga-se de passagem — é que Deus, enfim, de fato, endurece aquele coração, tornando-o mais rígido do que o era naturalmente. Mas note algo muito importante que desvela a natureza misericordiosa do Senhor: quando Faraó esboça algum sinal de arrependimento, Deus, que outrora tinha decidido endurecer, deixa novamente o controle do coração daquele homem a si próprio. Podemos analisar esse belo design a partir de agora:
1 – Primeiro, Deus fala de maneira geral; Ele traz a visão macro quando diz a Moisés:
“Eu sei, porém, que o rei do Egito não vos deixará ir, nem mesmo por meio duma mão forte” (TB – Êxodo 3.19, grifo nosso).
Moisés recebe a revelação completa e compreende que Deus já sabe de antemão que o rei não se demoverá de seu coração extremamente petrificado, impedindo o povo de sair. Portanto, Ele resolve, por meio dessa situação, fazer prodígios e glorificar Seu próprio Nome. Por isso, é dito que Ele é glorificado em Faraó e não em Moisés (Ex 14.4).
2 – O “endurecimento mais específico” Êxodo 7.3
“Eu endurecerei o coração de Faraó e multiplicarei os meus prodígios e as minhas maravilhas na terra do Egito” – TB.
Quando a palavra “endurecerei” é mencionada e, em seguida, relacionada com “multiplicarei”, conclui-se facilmente que a ideia era que o rei liberasse Israel com um coração temente a Deus, após algumas ações divinas que demandassem Sua glória. Talvez, no momento em que o cajado se transformasse em serpente, ele já poderia ter reconhecido o Deus de Israel; porém, se ainda assim fosse influenciado por seus magos e feiticeiros, ele cederia depois de algumas pragas.
Poderia ter sido essa a tramitação mais natural, caso se tratasse de um coração menos lesivo.
Contudo, não foi assim que aconteceu. Então, o que Deus faz? “Multiplica”; sim, se com a proposta inicial não foi possível obter alguma rendição, o Senhor se aproveita do coração obstinado e multiplica sua dureza! Essa ampliação não era a intenção divina caso o coração daquele rei tivesse demonstrado alguma moderação.
Por isso, o texto de Êxodo coloca os verbos “endurecer” e “multiplicar” em clara relação.
3 – O coração entregue a si mesmo, veja o versículo 14:
“Disse Jeová a Moisés: Obstinou-se o coração de Faraó, recusa deixar ir o povo” (TB – Ex 7.14, grifo nosso).
A Bíblia é muito clara: “obstinou-se”. Até agora, não houve qualquer influência de Deus sobre esse coração; ele permanece aberto e com plena liberdade para esboçar ao menos um mínimo de arrependimento. Contudo, Faraó confia nos deuses do Egito.
Observe que, tanto em Êxodo 3.19 quanto em 7.3, é afirmado que Deus endureceria o coração de Faraó. Mas, isso ainda não ocorreu.
“O Senhor endureceu o coração de faraó, que, como o Senhor havia predito, não ouviu Moisés e Aarão” (Monges Beneditinos Maredsous).
Não pense, por exemplo, que o Senhor, que rege o universo, não promove Sua glória por meio da rebelião do Querubim caído.
Ele age e sustenta esse Adversário em função de Seus propósitos, até que se cumpram os tempos determinados.
Assim, quando Deus contempla o mal, Ele não o extingue de imediato, mas o utiliza para Sua própria glória, até que se complete o curso dos tempos e dos modos estabelecidos. Devido a isso, é dito que Deus foi glorificado em Faraó e não em Moisés (Êxodo 14.4).
A versão dos Beneditinos de Maredsous diz algo muito claro que completa a ideia textual da passagem: “O Senhor endureceu” depois de “como o Senhor havia predito” e por fim “não ouviu Moisés e Aarão“.
O endurecimento está baseado na previsão divina. O Senhor antevê que o rei do Egito não daria ouvidos até o fim às palavras de Moisés e Aarão, e, então, Deus, de fato, endurece. Trata-se de uma ampliação do que já ocorria per si.
Ao lermos o texto com atenção, percebemos que o príncipe do Egito endurece a si mesmo. Deus, por sua vez, pega esse endurecimento inicial e o amplifica. O Senhor não faz isso de forma arbitrária ou sem propósito. Ele age assim porque identifica um coração já endurecido em sua essência, tornando essa condição útil para a manifestação de Sua glória.
Dado que o coração do faraó era contumaz, o Senhor o entrega a uma multiplicação da dureza, levando a situação ao ponto em que Suas glórias se manifestam e evoluem até o evento extraordinário no Mar Vermelho.
Repare que Deus respeita, apesar de Sua predição que endureceria o coração de Faraó, um indício de arrependimento. Essa é uma lição magnífica, pois Deus, depois de deixar o coração endurecer a si mesmo, começa agora a agir para ampliar o endurecimento. Mas acontece algo importante: mesmo quando o Senhor parece dizer basta e começa Ele mesmo a trazer a dureza multiplicada, Deus permanece misericordioso e atento ao mínimo movimento de mudança.
Todas as passagens desde Êxodo 7.1 até 8.16 que indicavam a dureza do coração do rei tinham por base a própria obstinação daquele homem, mas também havia uma chance que poderia ter se cumprido no versículo 27 do capítulo 9, onde o rei esboça um lampejo de humilhação, mesmo sendo apresentado no versículo 12 que Deus já havia iniciado a Sua própria forma de endurecer aquele coração.
A ação de Deus era por conta do Faraó não ter se arrependido depois de todos os sinais apresentados. Só então Deus agiria para aumentar Sua glorificação naquela terra. Mas, mesmo tendo esse início, Deus observou o mínimo movimento de Faraó de uma possível mudança, pois, do versículo 12 para o 27, havia ainda uma esperança que, infelizmente, não se cumpriu conforme o Senhor havia predito.
“O Senhor endureceu o coração de faraó, que, como o Senhor havia predito, não ouviu Moisés e Aarão”. (Ex 9.12 — Beneditinos de Maredsous).
“O rei mandou chamar Moisés e Aarão e disse-lhes: ‘Desta vez pequei. O Senhor é justo; eu e meu povo fomos culpados’”. (Ex 9.27 — Beneditinos de Maredsous).
A passagem dos Beneditinos de Maredsous mostra que, mesmo quando Deus começa Sua intervenção, Ele pode demover-Se quando ouvir: “O Senhor é justo”. Que palavra! Amados irmãos e irmãs, essa é a única palavra que, numa experiência de humilhação, fará Deus mudar de ideia e voltar atrás. Se há uma palavra que O move e faz Suas ternas misericórdias saírem do controle de Sua justiça, é: “O Senhor é justo”. Diga isso em sua disciplina e quebrantamento, e o Senhor cessará e agirá rápido em sua liberação. Ele é justo!
Todavia, mesmo com mais essa chance, a chance onde não havia chance, o homem, com sua dureza, prefere dar crédito, de forma orgulhosa, ao seu coração de pedra. Portanto, depois do versículo 27, o rei volta a obstinar-se. Então o Senhor volta a agir naquele coração, agora sabendo que não há mais volta; todas as chances foram dadas, todos os sinais foram mostrados.
E por que é importante notarmos que o coração de Faraó volta a ser obstinado por ele mesmo e não por Deus depois do versículo 12? Porque isso indica que, apesar de Deus iniciar o endurecimento do coração daquele homem no versículo 12, Ele reconhece sua humilhação no versículo 27 e devolve o coração ao seu próprio gerenciamento. Contudo, após essa ocorrência, em que Faraó volta a ser duro por si mesmo (v. 35), Deus dá um basta, e aquele coração será amplamente endurecido, agora, pelo próprio Deus (Ex 10.1).
Por um lado, Deus quis mostrar Sua glória; por outro, Ele quis dar várias chances para o arrependimento do homem e para o reconhecimento de quem Ele é. Faraó falhou em tudo.
Desta maneira, o argumento de que Deus arbitrariamente elege e endurece corações falha na mínima atenção à Bíblia e no exemplo mais pedagógico disso tudo, pelo que vimos até aqui na trama das 10 pragas do Egito.
A predestinação, desta forma, não pode, sob qualquer hipótese, ser interpretada com sua aplicação à salvação; somente os que leem a Bíblia descuidadamente podem fazer tal afirmação. Esse lapso de entendimento tem causado danos suficientes entre os filhos de Deus, pois simplesmente consideram a questão de forma arbitrária. Ainda que usem Romanos 9 para suas defesas, está claro que, quando os detalhes não são ignorados e quando há uma mínima diligência em querer ver esse assunto como ele é, não se pode dizer de uma eleição absolutista da parte de Deus.
Mas Se Não Somos Predestinados à Salvação a Que Somos?
Essa pergunta é fundamental, pois sua resposta é o grande problema da atualidade e da divisão soteriológica no protestantismo.
A predestinação, de fato, está ligada a um tipo de eleição. Mas não para a salvação. Se os eleitos fossem assim predestinados antes da fundação do cosmo, simplesmente, para serem salvos, eles seriam colocados numa conta acima do Salvador, pois o Salvador vem para resolver o problema do perdido. Se sou eleito antes da fundação do mundo, Deus se faz cruel com Seu próprio Filho, destinando-O a morrer por um grupo de pessoas especiais que, já na escolha divina, eram salvas.
Sim, isso mesmo, o Salvador não passa de alguém que vem “cumprir tabela”, ou seja, o “campeonato” já estava ganho antes de começar a partida, melhor dizendo, antes da fundação do mundo; porém, era necessário aquele profundo sofrimento e derramamento de sangue para salvar os que nunca, na verdade, se perderam! Afinal, a escolha deles já estava feita.
Por mais que os calvinistas busquem argumentos favoráveis para isso, o fato é que, no fim, o Calvário se diminui naturalmente e, inevitavelmente, o próprio Salvador desse projeto se torna um servo — servo de uma raça eleita e especial. Um tanto inadequado, para não dizer “horroroso”, uma conclusão dessas.
O Significado de Destinação
A palavra eleição, geralmente utilizada para denotar uma escolha intramuros além do espaço-tempo de pessoas especiais, cujo único foco seria uma decisão soberana e arbitrária, não passa de um flerte perigoso com ideias de dominação racial, algo que, de forma cruel, já vimos na história da humanidade.
Biblicamente falando, não há nenhuma base para isso; ninguém pode afirmar a existência de uma destinação à salvação de forma antecipada.
Muitos alegam fragilmente o texto de Atos 13.48 que menciona os que eram “destinados à salvação”; mas esquecem de considerar o importante prefixo preposicional grego “pro” . Pois ser destinado tem tudo a ver com uma resposta conjunta; a menos que houvesse uma ação prévia sem a confluência do destinado, não há como afirmar que o texto de Atos apresenta uma ideia passiva e atemporal de pessoas escolhidas antecipadamente para serem salvas.
E isso pode ser entendido até mesmo em nossa cultura moderna. Por exemplo, muitos que trabalham bem e de forma eficiente em uma empresa estão destinados ao crescimento ou à postulação de melhores cargos.
Quem passa no vestibular de medicina está destinado a ser médico, mas isso nunca significou que, antes de nascer, foi programado para exercer essa profissão.
Um bom exemplo é considerar um carro que perde mecanicamente o sistema de freios em uma pista cujo declínio precipita para uma ribanceira abaixo. Tal destino só foi possível porque, antes, o carro perdeu os freios. Note que o destino do carro não foi predeterminado, mas, na verdade, condicionado. Se o veículo tivesse saído de fábrica pronto para ser precipitado de uma montanha abaixo, em um momento determinado pelo fabricante, com uma falha mecânica meticulosamente programada, eu não poderia dizer jamais que o carro foi destinado a isso, mas sim que ele foi predeterminado a esta situação. Isso pareceria para muitos mais uma sabotagem do que um desígnio.
E, ao que parece, os eleitos fazem parte de uma “sabotagem divina” — não contra eles, mas contra os que não puderam ser incluídos na eleição predeterminada. Preciso falar isso com muito cuidado, ainda que possa conter ironia, pois estamos tratando do caráter de Deus. Todavia, este é o esquema comum apresentado quando busco olhar apenas para a lógica. A precária teologia que defende essa visão esqueceu apenas de combinar a lógica com Deus. Pois são praticamente unânimes em dizer que não sabem qual foi o critério usado por Deus para escolher os Seus eleitos, como se isso fosse uma forma de ligar a soberania de Deus à Sua justiça. Alegam que Paulo teve o mesmo comportamento em Romanos 9.
É verdade, Paulo focou na soberania, mas mesmo em Romanos 9 não é possível dizer que Deus agiu sem dar chances. Ele mostra Faraó e Esaú, e, como já vimos, por uma análise bem criteriosa, fica claro que Faraó não foi endurecido por Deus, mas que ele mesmo se endureceu, até que Deus multiplicasse, a partir do ponto do seu próprio endurecimento, um coração que já era duro. Esaú perde a eleição não por escolha predeterminada de Deus, mas por sua própria escolha ao ver um “bem temporário” tão fútil como digno de superar a primogenitura, que, sem esforço, ele havia obtido por nascimento.
Assim, os que foram, supostamente, predestinados à salvação sabotaram centenas de milhares à perdição. Isso não parece razoável pelo “Fabricante”. Tal pensamento é, na verdade, assustador. Somente os que se sentem privilegiados sobremaneira por ser de uma “raça” superior podem se orgulhar disso. E não apenas se orgulhar, mas atestar uma justiça inautêntica, como se tivesse sido planejado que aqueles demais descessem “montanha abaixo” e se desmoronassem sem chances de apertar os freios.
Mas vamos apenas fazer um pequeno esforço; vamos examinar o texto de Atos 13.48 mais de perto e, se possível, com mais cuidado.
Os que eram destinados à salvação eram os que acolhiam melhor a palavra da fé, não é mesmo? Ou seja, recebiam a boa notícia pregada. Quem ouve de bom grado o Evangelho seguramente será destinado à salvação. O que isso tem a ver com uma escolha atemporal e descriteriosa?
Os mais exegetas calvinistas poderão alegar a voz passiva no texto de Atos 13.48, “haviam sido destinados à vida eterna”. A voz passiva indica, sim, a mão executora de Deus, não podemos negar, mas tal situação, aplicada em Atos 13, serve para demonstrar o efeito de quem acolheu a mensagem de Paulo e Barnabé. Deus, então, os guiou à vida eterna, mas não de forma arbitrária ou que eles foram eletizados num passado astronomicamente distante para serem salvos; a despeito de Deus ser soberano e onisciente, a confluência para tal experiência terá um vínculo inquebrável com a decisão do homem.
O fato de Deus agir e o processo ser passivo é indício de que o homem per si não pode fazer isso, mas sua demonstração honesta e sincera, pela ação dinâmica do Espírito Santo, que evidencia que ele é pecador e que há um pecado nele que o torna distante de Deus — que é não crer em Jesus — age em seguida pela sua aceitação da palavra.
Isso se torna um meio passivo que Deus seguramente faz, mas com base em uma direção delineada para tal experiência. De outra forma, como é feito corretamente pela lógica do calvinista mais clássico, a pessoa teria que nascer de novo antes de crer, pois estar totalmente em inércia a Deus, morta pelos delitos e pecados, jamais a tornaria capaz de se achegar a Ele, senão que, primeiramente tivesse — mesmo antes de crer — sido regenerada.
Se você achou um absurdo a ideia de nascer de novo antes de crer, saiba que todo calvinista honesto, em suma, admite isso, a menos que ele tenha colocado um pouco mais de “fermento nessa massa”. Afinal, é muito indigesto dizer que o eleito nasce de novo antes de crer, para então crer. Mas isso é simplesmente calvinismo.
Ser destinado à vida eterna é algo feito por Deus, depois da aceitação do homem: “creram todos os que estavam destinados à vida eterna”. Isso quer dizer que há pessoas que se abrem e acolhem a palavra; tais são destinadas à vida eterna do mesmo jeito que é destinado à chefia quem tem inclinação à gestão ou liderança.
Mas você pode dizer que há pessoas destinadas a liderar ou gerir que nasceram com esse perfil. Isso é verdade, pois muitos, por meio de sua pessoalidade, possuem aptidões nativas para isso. Contudo, nada impede que alguém desenvolva essas habilidades ou que outras pessoas, mesmo sem serem aptas por natureza num primeiro momento, possam se tornar posteriormente. Existem inúmeros casos de pessoas tímidas ou introvertidas que, enfrentando suas dificuldades, se tornaram, apesar de sua pessoalidade, excelentes líderes, professores ou gestores em suas áreas de atuação.
Ambos são destinados a ocuparem cargos dessa natureza por suas inclinações. Se isso ocorre de forma que a própria natureza das coisas os conduz naturalmente a tais eventos, quanto mais o Deus justo e misericordioso não inclinaria à vida eterna aqueles que se abrem para a palavra dos apóstolos?
Observemos, por exemplo, quando o Senhor organiza os setenta. Antes disso, Ele já havia estabelecido os doze. Após também estabelecer os setenta, eles saem para realizar o serviço que lhes foi comissionado. O que os tornou parte dos setenta? Foi uma seleção ou designação sem critérios? Obviamente, não. Eles já seguiam Jesus, assim como os doze já O seguiam. Os doze, em determinado momento, o Senhor os constitui como os doze apóstolos. Se analisarmos a passagem de Lucas 10.1, vemos Jesus escolhendo setenta de entre os Seus discípulos.
Antes, eles foram discípulos; agora, eles são setenta enviados. O que os fez ser setenta? Alguma escolha sem critérios? Não, absolutamente! Eles foram os setenta enviados porque primeiro foram discípulos que criam no Senhor Jesus, desta forma foram destinados a serem parte daqueles setenta.
Se em Atos tivesse escrito predestinados à vida eterna, teríamos uma dificuldade em lidar com esse cenário. A destinação para tal experiência de salvação teria sido programada antecipadamente, mas a predestinação nunca foi aplicada à salvação do homem, pois a predestinação faz parte do propósito de Deus. E, no propósito de Deus, há algo a ser cumprido, há um plano a ser executado, e não foi a redenção, e sim a glorificação; não foi a salvação eterna, mas a conformação no modelo de Cristo; isto sim foi planejado e era o plano predestinado para o homem na criação de Deus. Porém, a redenção entra em cena em função do pecado. O planejamento de uma redenção que viria acontecer após a tragédia do pecado, só seria posto em execução se Deus tivesse o interesse de primeiro: que o homem pecasse; segundo: que o Salvador fosse moído por Ele para, em seguida, dar cabo dessa predestinação.
Embora a Escritura diga que foi do agrado de Deus moer Seu Filho, isso não foi para o cumprimento de um propósito, mas para tornar o propósito eterno de Deus novamente possível. Nada disso seria necessário se o pecado e a morte não tivessem entrado na humanidade.
De outro modo, Deus seria alguém que planejou o mal e o sofrimento do Seu Filho sem qualquer motivo. Porém, tudo muda se, simplesmente, colocarmos a predestinação como algo projetado por Deus para que o homem fosse como Seu Filho. A redenção, então, aparece na história, entre Deus e o homem, para que tal projeto pudesse ser cumprido.
E o sofrimento de Cristo como Redentor da humanidade ocorre, sobretudo, em relação à dívida adquirida, que somente Deus poderia pagar. Com a entrada do pecado, o homem, que agora estando em débito completo, necessitava ser destruído; contudo, o Deus santo e justo, agindo em Sua máxima justiça, puniu a Si mesmo, tomando sobre Si o pecado da humanidade e o aniquilando em Sua carne, pagando toda a dívida. Isso prova que Cristo, antes de tudo, é Deus — a quem tínhamos uma dívida eterna — e o Homem perfeito que nos aperfeiçoa em Sua humanidade. Esse papel da divindade é algo tremendamente sublime, permitindo que o homem retornasse à rota de sua criação.
Portanto, a predestinação e a eleição estão relacionadas ao propósito eterno de Deus: conformar o homem ao modelo de Seu Filho. Desde o início, o interesse de Deus era que Seu Filho fosse o primeiro de muitos. Por essa razão, o homem foi criado à imagem de Deus. Essa Imagem é uma pessoa, é Cristo, a Imagem do Deus invisível (Cl 1.15).
CARACTERÍSTICAS DO GREGO
Além disso, a palavra “destinado” não deveria ser traduzida exatamente assim para o português; o melhor encaixe semântico seria “designado” ou, talvez, “encaminhado”, ou ainda, “organizado”. Embora se possa argumentar que, no fim das contas, essas palavras carregam a mesma carga semântica, afirmo, definitivamente, que não.
Primeiramente, o termo “destinado” possui uma carga semântica muito mais forte. “Designado” refere-se a algo que posso fazer em favor de alguém, avaliando essa pessoa e atribuindo-lhe uma função; contudo, essa designação baseia-se em sua aptidão. Por exemplo, se designo alguém para me representar, é porque acredito que essa pessoa tem capacidade para desempenhar tal função.
É bem verdade que o homem é completamente incapacitado para ser designado por Deus a qualquer coisa, principalmente se confiamos no braço da carne. Nenhum de nós seria usado por Deus se tão somente o Senhor não nos tivesse tratado devidamente. Quando Deus nos quebra, Ele está agindo para que haja sobre nós os Seus desígnios. De outro modo, apoiado sobre minha natureza humana, eu serei notadamente fracassado em qualquer empreendimento diante de Deus.
Ele não pode me designar nada que não seja debaixo de Seu profundo tratamento. Se olharmos para a vida dos apóstolos, só iremos encontrar tribulações, sofrimentos e martírios, mas não foram esses homens os mais usados pelo Senhor na história da Igreja? Deus lhes designou muitas tarefas. Neste caso, eles foram destinados à instrumentalidade de Deus. Todavia, o Senhor teve que tratar com todos os 12, mais Paulo e outros apóstolos do Espírito Santo. Tal desígnio, apesar de ser a graça divina, não veio de graça; Deus não poderia simplesmente confiar sem antes tratar.
Isso deveria ser bem esclarecedor para olharmos o texto de Atos 13.48 e vermos que o desígnio da vida eterna veio somente depois de uma resposta, aliás, respostas; e vejamos agora quais foram elas no próprio texto de Atos:
“Portanto, os gentios, ouvindo, estavam em alegria e glorificavam a palavra do Senhor e creram os que estavam sendo organizados à vida eterna” (tradução minha direta do texto grego).
O Senhor, ao perceber os que ouviam e criam, os designava à vida eterna. O que isso quer dizer? Como poderíamos creditar essa vida eterna a algo totalmente arbitrário, sendo que eles i) ouviram, ii) se alegraram, iii) glorificaram a palavra do Senhor e, por fim, iv) creram? Repare que, primeiro, eles ouviram, se alegraram, glorificaram a palavra, e depois, ao serem designados à vida eterna, creram; mas, antes de crerem, ouviram, se alegraram e glorificaram. Ao passo que experimentaram essas coisas, é dito em seguida que foram designados à vida eterna. Poderíamos negar a vida eterna a alguém que ouve, se alegra e glorifica a palavra? Essa união fez Deus conduzi-los à vida eterna. Não é uma escolha elitista na eternidade passada, mas a resposta aos que ouviram, se alegraram e glorificaram a palavra.
Para mais, vale lembrar que o grego tem um sistema verbal completamente diferente do português e de muitas outras línguas neolatinas. Por exemplo, no grego, não se foca no tempo, e sim no ângulo da ação, por isso, há atualmente, principalmente a partir dos meados do século XX, gramáticos defensores do “aspecto verbal”, entre eles o linguista Stanley E. Porter.
O que podemos aprender desse sistema é que existem verbos que extrapolam o tempo, entre eles os de caráter estativo, como o perfeito e o mais-que-perfeito.
A palavra “destinados” ou “designados”, embora funcionem de alguma maneira como verbos, estão no particípio, indicando um verbo com características adjetivais e até substantivais. Porém, ela carrega na sua característica o aspecto “perfeito”, que, em resumo, tem uma morfologia de um particípio perfeito passivo. O que isso quer dizer? Primeiro, que sua forma dentro dessa estrutura me obriga a ver como algo que demonstra estado, ou seja, “tipo”.
Quando se enquadra neste formato morfológico será avaliado como verbo na forma estativa, que mostra o estado do sujeito.
Um bom exemplo para demonstrar o perfeito no grego é a passagem que geralmente nossas Bíblias em português traduzem: “ninguém subiu ao céu senão aquel que de lá desceu...” (João 3.13a ARA).
O problema dessa passagem para nós, falantes lusófonos, é que: “subiu” está no pretérito perfeito, indicando algo passado; mas Jesus, que era tido como o que poderia subir, pois somente Ele desceu do céu, só subiria mais tarde ao céu, após 40 dias de Sua ressurreição. Se o pretérito se mantiver, seríamos obrigados a admitir que Jesus já havia subido ao céu. Mas não foi isso que aconteceu; Ele havia descido, mas não subido. “Descido” está corretamente traduzido, pois vem do aoristo, que pode fazer o papel de nosso pretérito perfeito, mas o perfeito não tem essa característica. Ele passa uma ideia de estado do sujeito, algo como uma adjetivação verbal.
Desta forma, não poderia ser “subiu”. Você pode pensar, então, que seria melhor traduzir para “subirá”? Mas não, pois se disser que ninguém subirá, indica que pode ter havido alguém que no passado subiu. No entanto, ninguém subiu ao céu de onde Ele desceu, em todos os tempos.
Podemos admitir que outros possam ter subido a outro céu, mas o terceiro céu, ninguém subiu. Se fosse escrito subirá, o Espírito Santo me permitiria interpretar, por exemplo, que Enoque e Elias pudessem ter subido ao céu mais alto, mas eles não subiram. Eles provavelmente se situaram em algum céu intermediário.
Além disso se fosse escrito “subirá” no futuro eu teria que concluir que mais ninguém além de Jesus poderia subir ao terceiro céu, mas não é isso que acontece quando olhamos para Apocalipse 12, onde o filho varão é tomado ao trono de Deus.
Então haverá um grupo de pessoas que chegará ao terceiro céu. Logo, “subirá” estaria incorreto do ponto de vista bíblico em todos os sentidos, tanto do passado (Enoque e Elias) quanto do futuro (filho varão).
Qual seria então a solução para o texto?
Usar o aspecto verbal no “perfeito”, que não foca no tempo e sim no estado. E é, justamente, o verbo escolhido pelo Espírito Santo. É o verbo que nosso Senhor Jesus, com todo cuidado possível, utilizou. Desta forma, a melhor tradução não deveria ser “ninguém subiu ao céu...”, mas: “ninguém é capaz de subir ao céu...” ou, na voz passiva: “...tem sido capacitado...”. Por quê? Porque o perfeito indica estado, algo como quem luta não é alguém que lutou, mas um lutador; quem corre não é alguém que correu, mas um corredor; e, portanto, quem sobe não é alguém que subiu, mas um “subidor”, ou seja, alguém que tem capacidade ou característica de subir. Era como se o Senhor dissesse: “ninguém, até aqui, é ‘subidor’ de céu, senão, Eu, que de lá desci”.
Quanto ao verbo que analisamos em Atos 13, trata-se de uma estrutura bem semelhante, mas com a palavra “destinado” ou “designado”, ou seja, alguém com características de destinação à vida eterna. Isso muda muita coisa. Pois essa característica seria fornecida por Deus, para tornar alguém com o estado dela. Essa pessoa seria do tipo: “condicionada à vida eterna”. Como não consigo encontrar uma expressão melhor, eu utilizaria: “orientada à vida eterna”.
Assim, para mim, sem sombra de dúvidas, a melhor tradução deveria ser: “os que estavam sendo organizados à vida eterna”. Com esse ângulo, fica muito claro que essa capacitação não pode ser remota e atemporal, mas condicionada à resposta dos que ouviram, se alegraram e glorificaram a palavra do Senhor. Assim, aquele que responde ao agir do Espírito Santo é atribuído por Deus à vida eterna.
Por isso, o Espírito Santo tem a missão de provar que o mundo está condenado expressão que significa literalmente condenar por meio de evidência; provar que está errado; repreender.] e, eu sei que nossas traduções colocam “convencer ou convencerá” ao invés de “condenar”, mas se a pessoa perceber sua condenação, será, naturalmente, convencida do seu pecado e capacitada pelo próprio Espírito Santo para a vida eterna. Ela terá condições de receber a vida eterna, porque foi convencida do seu pecado.
É claro que essa trama tem que se dar na voz passiva, pois nenhum homem é capaz de gerar vida eterna, como disse nosso Senhor: “para os homens é impossível”, porém Ele em seguida diz: “mas para Deus tudo é possível” (Mt 19.26). Sim, tudo é possível porque a possibilidade da salvação só existe por causa d’Ele, então somente Ele é quem capacita, o homem apenas responde com fé.
Diferença Entre Destinado de Atos 13.48 e Predestinado de Romanos 8.29
Agora vamos observar mais de perto as palavras que foram traduzidas para “destinados” e “predestinados”.
Destinados ou designados — em nossa análise — estamos extraindo do texto de Atos 13.48; já predestinados estamos selecionando do texto de Romanos 8.29.
As palavras que aparecem no português geralmente são iguais, em se tratando de semântica, pois o que as diferencia é o prefixo “pre”. Todavia, essa lógica se desfaz no grego bíblico, pois, além do prefixo, há mudança semântica também. Elas não são igualitárias como no português e, portanto, devem ser traduzidas de maneira que correspondam melhor às suas semânticas; para isso, vamos examinar melhor cada uma delas.
DESTINADO (Significado Bíblico)
A palavra “destinados” apresentada em Atos 13.48 tem a ideia de organização e não de determinação. Ela não é exatamente a mesma palavra que Paulo usou em Romanos 8.29.
A tradução geralmente aplica a expressão “destinados” como “designados”, assim podemos pensar que a diferença com Rm 8.29 se dá no prefixo “pre”; mas não, existe ainda uma característica semântica do grego que não pode ser desprezada, e as nossas traduções, infelizmente, não a levam em consideração.
A palavra grega é: τεταγμένοι (tetagmenoi), um particípio perfeito passivo, que vem do verbo τάσσω (tassō), que significa “por em ordem”, “orientar”, “organizar”. Ela é bem explicativa. Como seria então ordenar ou organizar alguém? Como já vimos, essas pessoas se alegraram muito com a palavra e a glorificavam; foi uma novidade impressionante para elas saberem que tinham um Salvador que se preocupava com os gentios. Foi um momento muito eufórico saberem da palavra do Senhor. Logo em seguida, o Senhor as organiza, as coloca em condições de crer. Como o tetagmenoi está no perfeito, indica que essa organização se tornou o estado delas, por isso creram. Foi desta maneira que elas foram organizadas por Deus para a vida eterna.
É bem verdade que, se houvesse o prefixo “pre”, a questão teria sido previamente decidida por Deus. Porém, a palavra em si mesma tem características que soam bem diferentes da que está vertida em Romanos 8.29. É o que iremos, também, examinar a partir de agora.
O exemplo do desprezo dos judeus
Podemos ver facilmente no exemplo dos judeus. Eles foram escolhidos para terem recebido o reino na plenitude dos tempos. João [o Batista] primeiramente os prepara, dizendo que o reino estava se acercando, depois o próprio Senhor. E em seguida, Jesus diz que tinha chegado (Mateus 12.28, ou antecipado lit. grego).
Por qual motivo estamos analisando isso? É que por mais que eles tenham ouvido e que eles poderiam acolher e implantar o reino, afinal o Rei estava entre eles, eles rejeitaram. Mas quem tinha sido destinado ao reino? Os judeus! Por isso aparece a sentença filhos do reino em Mateus 13 atribuídas a eles. É verdade que a palavra “filhos do reino” nem sempre se aplica aos judeus, pois existe a parte celestial do reino dos céus, desta forma os filhos do reino celestial estão em conexão com os vencedores tirados da igreja de Deus.
A prova que os judeus foram destinados para receberam o reino se dá em Mateus 26.63. Quando a última pessoa autorizada poderia trazer o reino por ser cabeça do povo, o sumo sacerdote também o rejeita. Mas nota uma forma grega muito curiosa: ἀπό (apo), é uma preposição genitiva que significa “a partir” ou “desde”.
O apó é muito importante porque ele é um indicativo de um marco inaugural. Por exemplo na passagem de Apocalipse 13.8 diz em alguma parte do texto: “desde a fundação do mundo”. Este “desde” é ἀπό. Que quer dizer, “a partir”.
Jesus levanta essa preposição, mas insere um advérbio de tempo ἄρτι (arti) que significa literalmente “agora”. Assim Jesus inaugura um marco temporal. “a partir de agora”; “de agora em diante”; “neste momento em diante”.
O que teria acontecido para o Senhor dizer “deste momento e para depois”? O que significa essa expressão tão emblámatica?
Significa que, novamente o rejeitaram como rei, e rejeitaram Seu reino, então algo do tipo viria acontecer: “hoje se inaugura um tempo que durará até me verem em nuvens saindo da destra de poder”.
É o que podemos presenciar na passagem a seguir:
Respondeu-lhe Jesus: Tu o disseste; entretanto, eu vos declaro que, **desde agora**, vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu. (Mt 26.64 – ARA, grifo meu).
Ao todo, podemos dizer que Jesus ofereceu o reino ao menos três vezes, a primeira em Mateus 12.28 quando Ele expele um demônio mudo; a segunda quando Ele entra sob louvores, com ramos estendidos, montado no jumentinho indo a Jerusalém. Apesar disso quando perguntarem quem Ele era, disseram é profeta (Mt 21.10–11), quando deveriam dizer: “é nosso rei”. E por fim, a terceira e última vez foi no sinédrio com o sumo sacerdote. Todos esses eventos mostraram os corações duros dos judeus e que estavam enveredados para o mal. Por isso nosso Senhor morre nas mãos do Seu povo. Ou como Ele mesmo diz: “meus amigos” (Zc 13.26).
Porém na terceira rejeição, parece que nosso Senhor põe uma venda sobre os judeus, para que eles não o vissem mais, até Ele aparecer nas nuvens. Se irmos para Israel, atualmente, poderemos perceber como os judeus são extremamente ignorantes acerca de Jesus. Eles se tornaram assim porque rejeitaram o Senhor Jesus três vezes, assim como Pedro negou três vezes, a diferença que Jesus orou por Pedro para que ele não desfalecesse enquanto aos judeus Ele colocou uma venda.
Mas por qual razão foi posta esta venda?
Para que os gentios fossem alcançados, e a igreja viesse de muitos povos e nações. Do mesmo modo que vimos em Faraó, uma vez que ele não seria benéfico aos hebreus, então o Senhor, nosso Deus, multiplicou a dureza dele para Ele fazer maravilhas e Seu nome ser glorificado em toda aquela terra. Deus planejou isso? Não, mas Ele agiu sobre as circunstâncias. E por saber o que aconteceria no futuro, então planeja; mas de acordo com as circunstâncias; isso é fazer algo baseado em sua presciência.
Jesus coloca uma venda circunstancial sobre aqueles que teriam sido destinados para serem os inauguradores do reino, o que não aconteceu, mas certamente acontecerá; pois, o Senhor voltará suas atenções aos judeus para finalizar a última semana de Daniel e trazer esse povo novamente aos Seus tratos. Há esperança para Israel!
Neste caso nem mesmo os que foram destinados cumpriram seus destinos, o que prova que nem mesmo pelo fato de ser destinado ou designado a algo poder-se-á chegar ao seu propósito, se não estiverem com o coração pronto a receber a direção de Deus, não restará a menor chance de prosseguir. É por isso que Deus quebranta e disciplina Seus filhos.
PREDESTINADO (Significado Bíblico)
Em Romanos 8.29 lemos que Deus “predestinou” os que Ele conheceu para serem modelados à imagem do Seu Filho.
Antes de avaliarmos a palavra que se refere à predestinação, temos que olhar para uma outra que se refere a conhecimento prévio, ela é: προέγνω (proegnō). O verbo gnō está vinculado a conhecer, de onde temos o verbo guinoskō. O prefixo ‘pro’ indica aquilo que é antecipado, assim temos “conhecimento antecipado” é por meio desse conhecimento que ele predestina, o que quer dizer claramente que Deus já conhecia de antemão as pessoas que seriam predestinadas, Ele não foi pego de surpresa por nenhuma delas.
Já a palavra “predestinados” não tem nenhuma ligação com a palavra “destinados” de Atos 13.48. Seria um erro semântico vinculá-las, apesar de no português elas serem semanticamente idênticas, mudando apenas a questão temporal devido ao prefixo. Contudo, no grego, temos que distingui-las para garantir a correta interpretação bíblica.
A palavra grega proegnō não vem de tassō, como vimos anteriormente (tetagmenoi) em “destinados”, acrescentando apenas o prefixo ‘pre’ (em grego, pro). Ela é definitivamente outra palavra, a qual tem um sentido lexical diferente e uma carga semântica muito bem definida. Significa algo determinado de antemão a despeito de qualquer coisa.
O que isso quer dizer?
Se essa palavra tivesse sido utilizada em Atos 13.48 (no lugar de “destinados” — em nossas traduções), teríamos que admitir que havia pessoas antecipadamente preordenadas à vida eterna. Todavia, o cuidado é muito grande em ambos os textos, e somente os que seguem escolas teológicas sem dar atenção à Escritura divina são os que os confundem, pois, mesmo para um estudante de grego inicial, a diferença é notadamente clara.
Em Atos 13.48, nada foi determinado de antemão; o que ocorreu resultou de uma situação em que Deus organizava e capacitava, por meio dela mesma, aqueles que iriam crer, para que recebessem a vida eterna pela fé em Cristo. Já em Romanos 8.29, vemos claramente o oposto: Deus determinava antecipadamente para que algo acontecesse no futuro. Portanto, se alguém deseja seguir uma escola teológica específica acerca de uma eleição antecipada, só pode se apoiar em Romanos 8.29 como um efeito divino predeterminista.
A fatalidade do erro dos que se apoiam na eleição calvinista em Romanos 8.29 está em determinar essa eleição de forma aleatória ou sem critério. Tal coisa não pode ser sustentada. O texto diz: “os que de antemão conheceu”. Ou seja, Deus conhece antecipadamente, e, ao conhecer e saber, Ele pode então predestinar. A predestinação não precede o conhecimento.
O que Paulo aplica sobre conhecimento e predestinação é exatamente o mesmo que Pedro aplica. Pedro utiliza uma palavra que nossas Bíblias, em geral, traduzem como presciência (1Pe 1.2), mas que, de fato, significa simplesmente um “conhecimento antecipado”. É a mesma ideia que Paulo aplica, ainda que usando palavras diferentes: “presciência (ou conhecimento antecipado), Pedro”; “os que de antemão conheceu, Paulo”.
Então, Deus primeiro conhece as pessoas e sabe como elas reagirão na linha do tempo. Ao conhecer todos aqueles que crerão em Seu Filho, Ele realiza algumas ações, tais como: “escrever os nomes delas [antes de nascerem] no Livro da Vida [que é] do Cordeiro”; “chamá-las para a justificação”; “predestiná-las à conformação na imagem de Seu Filho”.
Como sabe que elas crerão, Deus pode, então, agir de forma semelhante ao que fez com Faraó, ao saber que ele não creria. Ele pode multiplicar certas situações, agir no tempo antecipando ou atrasando eventos. Pode até editar, se assim desejar, por Sua onisciência, aquilo que Ele sabe de antemão. Talvez seja por isso que Paulo disse: “quando aprouve a Deus revelar Seu Filho em mim”. Deus sabia que Paulo creria, contudo o quando, em relação ao tempo, pode ou poderia ter sido ajustado.
Eu sei que pode carecer de mais detalhes o que estou dizendo, acerca desse ponto específico, mas penso de forma guymnastika que isso é muito plausível tanto com a fala de Paulo, quanto com Deus entrar na cena do tempo para fazer certas coisas. Como Ele sabia que Faraó seria descrente e duro o tempo todo, Ele, então, entrou e multiplicou a dureza daquele coração o que resultou em Sua grande glória na terra do Egito.
O fato de que esses detalhes ainda fogem em muito da nossa sabedoria, e penso que esse foi o erro da teologia calvinista, e até mesmo arminiana, de tentar desvendar isso, não nos autoriza a criar um modelo que possa explicar a infinitude de Deus. O que mais me espanta nos modelos é tentar esquematizar o arranjo divino ou Sua maneira de agir no tempo. Nem mesmo o apóstolo mais notável teve essa ousadia (Rm 9). Isso fez com que o sistema calvinista tivesse que “dobrar a aposta”, mesmo depois de muitos erros e descuidos. Agora, não há mais o que fazer: ou a pessoa sustenta esse esquema todo e admite que Deus orquestrou o mal, ou sai dele o quanto antes e admite que Deus permite aos homens fazer suas escolhas e que Ele age no tempo como quiser, ainda que não explique Sua soberania.
A predestinação antecipa a ideia central de Deus de colocar o homem diante do propósito divino. O homem é predestinado (ou determinado com antecedência) para ser como Cristo. Neste caso, não há sequer um só crente que não tenha sido predestinado. Isso quer dizer que Deus, para fazer com que o desígnio estabelecido fosse cumprido, redime o pecador. A predestinação vem antes da redenção. A redenção existe para a predestinação, e não o contrário. Nosso irmão Sparks nos ensina em seu livro A Dispensação do Mistério que a redenção é como uma ponte que permite ao homem voltar ao trajeto rumo a Deus novamente. Todavia, a ponte não teria sido necessária se o caminho não tivesse sido arruinado.
Por isso Paulo afirma que somos predestinados, mas não diz que isso ocorre para que sejamos salvos, como se Deus, em um passado distante, tivesse escolhido quem seria redimido. O apóstolo corrige esse pensamento ao dizer que nossa predestinação é para sermos moldados à imagem de Cristo. Por quê? Ou, talvez, para quê? Para que Cristo seja o primeiro de muitos, e não o único.
A predestinação está relacionada ao plano de Deus de construir uma família na terra que fosse semelhante ao Seu próprio Filho. Foi por isso que o homem foi criado à imagem de Deus. Alguns crentes acreditam que “imagem” nesse contexto seria uma forma física, mas, na verdade, a Imagem é uma pessoa. Assim como o Logos também é uma pessoa, e não apenas palavras lançadas.
Se Cristo é a Imagem — algo mais claro que o cristal em Colossenses 1.15 e Hebreus 1.3 —, então fomos feitos com base n’Ele. Assim, a criação revela o plano de Deus. Ela é tão bela que o homem nasce adorando a Deus, nasce descansando em Deus. Pois Deus desejava encontrar igualmente esse descanso no homem. Porém, para que o projeto fosse finalizado e o homem fosse completamente moldado à imagem de Seu Filho, foi dada a Árvore da Vida, que substanciaria a vida no homem, permitindo que ele fosse plenamente modelado no Filho.
A passagem de Gênesis não afirma que o homem foi feito totalmente na imagem de Cristo, mas que foi criado com base nela. Para ser completado ou totalmente moldado na Imagem, que é o Filho, o homem precisaria passar por um teste e ser aprovado. Esse teste era relativamente simples: não comer da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal e, ainda, comer da Árvore da Vida. Contudo, o homem falhou. O plano de Deus — de ter Sua criação plenamente completada na imagem de Seu Filho — foi adiado até a redenção, momento em que nasceria o verdadeiro Homem, o cabeça da raça, que cumpriria o propósito divino. Este propósito consistia em, por meio de Sua predeterminação, formar uma família completa e finalizada na terra, com Cristo como o modelo padrão. Assim, seria formada uma família que O representaria, para que, em amor, Deus tivesse plena satisfação com Sua criação.
Além disso, Deus desejou delegar. Ele se deleita em delegar Seu governo; era plano do Senhor fazê-lo. Por quê? Para que houvesse reino. O governo de Deus precisa ser representado, e o Senhor escolheu o homem para essa representação. Contudo, ao experimentar a morte, o homem perdeu a capacidade de governar. Novamente, seria necessário o Design da Redenção para recolocá-lo no lugar onde a vida seria sua escolha, e, por meio dela, ele seria coroado para cumprir o governo de Deus. Nesse contexto, o homem está predestinado ao governo.
Todo erro das escolas de teologia foi não considerar isso e, por essa limitação, enxergar a salvação como o marco final, quando ela deveria ser o ponto de partida.
Paulo nunca afirmou que fomos predestinados à vida eterna, mas sim a sermos “morfados” (do grego: morphē) no Cristo. Para Deus, nada fora de Cristo tem valor. Assim, precisamos ser como Seu Filho. Nesse contexto, todo cristão foi predestinado a isso. É por essa razão que nos é garantida, por determinação antecipada, a condição de sermos conformados a Cristo. Nesse caso, não há escolha. TODOS os filhos, gerados no espírito, serão conformados. A única escolha que nos cabe é confirmar isso no tempo.
Por sermos predestinados, temos a garantia de que seremos “morfados” na própria imagem do Senhor Jesus. Contudo, essa garantia não assegura plenamente que participaremos do governo de Deus, mas apenas que teremos essa possibilidade. Afinal, no fim, todos os que foram salvos pela fé no Senhor serão finalizados na imagem do Filho. É por essa razão que a palavra “predestinados” se aplica aqui. Não há nada que eu possa fazer para impedir que isso aconteça, mas há muito que eu possa fazer para atrasar esse processo.
A Confusão Por Não Compreender o Reino

Repare que, ao avançarmos para o versículo seguinte (Rm 8.30), começamos a compreender onde a salvação aparece. Paulo diz:
“E os que predestinou, a estes chamou (…).”
Note que o que Paulo está dizendo está coberto pelo conectivo grego δέ (dé), que, neste caso, funciona como uma conjunção explicativa, ligando o versículo anterior. O dé grego, por definição, visa esclarecer algo relacionado ao que já havia sido mencionado; neste caso, a palavra “predestinados” (προώρισεν).
Agora, é dito que os que foram predestinados são chamados. Porém, o que são esses que são “chamados”?
Chamamento está ligado a que?
Se examinarmos a Bíblia, veremos que o chamamento é algo que preconiza a justificação. Isso quer dizer que a Bíblia retrata os que são chamados como os que são justificados.
O chamado não está relacionado à eleição, mas sim à justificação.
“(...) os que chamou a estes também justificou”
O ato do chamamento se conecta à salvação por meio da justificação. Sou justificado pela obra de Cristo, portanto salvo da ira de Deus. “Chamar” é a ação que precede o “salvar”. É o ato que comunicará a salvação. Por isso, o “chamar” deve vir antes.
Se a Bíblia dissesse: “os que predestinou”, estes foram salvos como sendo a predestinação o ato de combinação com a salvação, e depois disso nada mais fosse mencionado, teríamos um problema. Mas a Bíblia não conecta a predestinação com a salvação; ela conecta com a conformação na imagem de Cristo.
Logo, todo predestinado deve, portanto, ter sido salvo. Assim, ele é predestinado por ser salvo (ou porque será salvo). Por isso, Deus somente pode predestinar depois d’Ele conhecer. Pois Deus não pode predestinar ninguém a ser como Seu próprio Filho, sem saber antes se ele crerá n’Ele. Paulo tem um cuidado enorme ao descrever a ordem desses eventos.
i) Conhecimento antecipado de Deus, para saber quem são as pessoas;
ii) Predestinação de Deus aos que antes, Ele por conhecimento prévio, sabe que crerão no Seu Filho;
iii) Os que assim foram predestinados serão conformados à imagem de Cristo; dentro da linha do tempo, portanto, começam a ser chamados;
iv) Logo os que são chamados, são justificados;
v) Os que são justificados serão glorificados;
Isso quer dizer que todo chamado será justificado, pois Deus sabe que estes que Ele chama crerão no Seu Filho, não que Ele determinou isso sem qualquer livre arbítrio. E todo justificado será glorificado. Isso é um ato inquebrável. Reparem que está tudo no passado, ainda que “glorificou” seja algo que ainda não aconteceu; isto se dá porque, no grego, o verbo aspectual é o aoristo, que mostra a visão definitiva. Isso também quer dizer que não há nenhuma chance de aquele que foi chamado, ao fim, não ser glorificado. Se todo justificado será glorificado, logo, isto só pode se estabelecer como algo determinado, que é, ao mesmo tempo, inquebrável. Isso se chama predestinação.
“(...) aos que justificou a estes também glorificou”
Não falamos dos glorificados. Mencionamos até os justificados. Os justificados, assim o são, não porque Deus os predestinou, lembrem-se, a predestinação não é e nunca foi para justificação, mas para conformação na imagem do Filho. A predestinação é a garantia do fim. Este “fim” era o que Deus propôs na criação; portanto, quando o homem é corrigido (me perdoem por usar essa palavra, pois o homem, na verdade, é, completamente, arrasado) pela redenção, me refiro mais à rota do que ao homem em si, ele passa a ter que cumprir o “fim”. O fim, por um lado subjetivo, é o homem ser totalmente como o Filho de Deus; pelo lado objetivo, é o homem governar a terra.
A primeira parte do “fim” será cumprida a despeito de qualquer tipo homem, genuinamente, salvo; a última será será cumprida somente se o homem resgatado foi cooperador do propósito divino enquanto viveu sua vida cristã aqui na terra (2Cor 5.10).
Embora o homem regenerado seja destinado ao governo, isso não necessariamente será uma garantia entre os filhos de Deus, Paulo sabendo disso não usa a palavra predestinou (proōrisen) para aplicar à herança dos que terão parte do Governo dos Céus na terra.
Geralmente para descrever deste destino governamental ainda que ele seja o mais pleno propósito divino, se utiliza uma palavra aparece no lugar de “predestinado” que é: “eleito” ou: “escolhido”.
A predestinação vai culminar na glorificação. A glorificação é a conclusão da conformação da imagem de Cristo no cristão. A “glorificação” em relação à “conformação da imagem”; está para a “justificação” em relação ao “chamamento”. Assim como a justificação está conectada ao chamamento; a glorificação está, à conformação. Sendo, portanto, então a “conformação” o estágio final do propósito; restando, desta maneira, a glorificação no corpo modelado para ser igual ao do Senhor Jesus Homem.
Govett diz que há dois tipos de glorificação a material e a moral. Ter um corpo glorificado diz respeito à natureza desse novo corpo, se refere ao novo material que é revestido no homem, mas além disso há a glorificação que é carregada de honra. Quando o Senhor Jesus confessar o nome daquele servo na sessāo celestial (Ap 3.5), está também glorificando este discípulo, mas neste caso não com a qualidade do seu corpo, mas com a honra devida. Como nos faz lembrar com muita sabedoria, Panton: Deus nunca oferece graça merecida uma vez isso que não seria mais graça, mas, igualmente, não oferece louvor imerecido, pois isso, igualmente, deixaria de ser louvor.
Portanto, a glorificação por definição devem ter esses dois aspectos, mas nem todos terão a glorificação moral no Tribunal de Cristo; aliás, poderá haver o contrário, vergonha (1Jo 2.28).
A glorificação que aplica tanto a qualidade material quanto honra e o louvor, só podem acontecer simultaneamente no Reino de nosso Senhor. Essa é a era milenar.
Os cristãos, fatalmente, entrarão em confusão, porque eles não enxergam o Reino de Deus sendo aplicado de forma dispensacional, concedendo aos predestinados a condição de serem glorificados, na linha do tempo, antes dos cristãos que ainda serão disciplinados por Deus.
A predestinação não está ligada à salvação, mas à glorificação no Reino do Senhor. Se a predestinação se concretizasse na salvação, o versículo terminaria no chamamento e na justificação; e, no momento em que fôssemos salvos, seríamos imediatamente glorificados. Suponho que não preciso dizer que isso nunca aconteceu a algum pecador salvo. Contudo, quando o versículo avança da justificação para a glorificação, fica claro que esse é o objetivo da predestinação.
A glorificação somente virá quando cada filho de Deus se conformar na Imagem de Cristo, de outro modo a predestinação não foi cumprida. Todavia, a normalidade seria que todos os filhos de Deus fossem glorificados no Reino, pois ali é a era da confirmação da eleição dos santos (2Pe 1.10).
Infelizmente, não serão todos os cristãos que, embora salvos, estarão desfrutando da era futura; ela é o cumprimento do governo de Deus em Seus escolhidos. É aquela parte do propósito da criação que diz: “e sujeitai-a [terra]”. Adão e Eva seriam os responsáveis, primeiro por encher a terra; segundo, por governá-la.
Logo, o pleno propósito de Deus só poderá ser satisfeito nos vencedores de Deus. Pois somente eles, na era da Igreja, conseguem cumprir a demanda do Senhor para o governo. Deus planejou o governo para o homem; o pecado arruinou esse plano — temporariamente, é claro. O Filho do Homem devolve o projeto de Deus às condições de cumprimento. Então, agora Deus procura os vencedores. Esses estão sendo talhados e esculpidos por Deus devido às Suas disciplinas. Sabemos, portanto, que nem todos os filhos de Deus entrarão por essa porta; ela é muito estreita.
Desta forma, por mais que a predestinação atinja o seu apogeu na glorificação, ela é plenamente cumprida nos vencedores que são tirados da Igreja, pois somente eles cumprem a demanda do governo. Ainda que a predestinação seja para glorificar todos os filhos do Pai, desenvolvidos pelo Espírito Santo na imagem do Filho, a fim de que Ele seja o Primogênito (não apenas Unigênito) dentre muitos irmãos, que agora são irmãos d’Ele porque, de fato, se parecem com Ele.
Isso quer dizer que a predestinação contempla a glorificação com governo; os crentes podem ter essa chance de premiarem seus chamados com o prêmio do Reino dos Céus. Todavia, o preço é pago nesta era, por isso temos a passagem paulina que diz: “se com Ele sofremos, com Ele, igualmente, seremos glorificados”. O preço dos servos do Senhor neste presente século lhes renderá a entrada premiada no reinado do trono de Davi, a partir das regiões celestiais, com a escada de Jacó tendo pleno cumprimento para estes celestiais subirem e descerem, permutando entre os céus e a terra.
Os que experimentam a vida de Deus aqui, à custa de negar suas próprias almas em prol de escaparem desta era, para conquistar o prêmio, serão os que serão glorificados na Primeira Ressurreição.
Todos os crentes que foram verdadeiramente chamados serão salvos e glorificados no final; mas somente os que experimentam a Primeira Ressurreição estarão no cumprimento mais pleno da predestinação, que é incluir o Governo de Deus. “Servo bom e fiel, fostes fiel no pouco, no muito te colocarei, entra no gozo do teu Senhor” (Mt 25.21).
Muitos São Chamados, Poucos Escolhidos
A eleição de Tito para acompanhar as viagens de Paulo foi sem critério? Foi de forma abstrata? Foi sem lógica? De modo nenhum! As igrejas o elegeram, conforme 2Coríntios 8.19. Isso pode nos indicar duas coisas: as igrejas observavam os passos dos irmãos e sentiam seus espíritos. Elas também acompanhavam a direção do Espírito, pois as igrejas eram usadas como parâmetros de confirmação. Foi assim que Paulo e Barnabé foram separados: primeiro, porque o Espírito Santo ordenou; segundo, porque a igreja de Antioquia confirmou por meio dos mestres e profetas.
Tiago, ao perceber com clareza a obra que estava sendo feita aos gentios e, também, a salvação pela graça, diz: “pareceu bem ao Espírito Santo e a nós”. Esse nós, por mais que representasse os santos irmãos reunidos naquela audiência, representava a igreja que estava em Jerusalém.
Assim, as igrejas poderiam eleger, e as fizeram no caso de Tito, para que ele fosse encomendado à graça de servir os irmãos em viagens. Tal eleição não seria sem critério; não seria qualquer irmão. Não poderia ser um irmão não disposto. Tinha que ser um santo dado e entregue ao serviço de Cristo. Dentre estes que se doam como servidores de nosso Senhor, alguns podem ser separados, eleitos para alguma obra. Essa eleição não poderia ser jamais sem critério.
Olhemos, por exemplo, a eleição dos sete diáconos; eles deveriam ser cheios do Espírito Santo e de sabedoria. Assim, a igreja olhava os que serviam em sua localidade, naquele caso, Jerusalém, os que eram cheios do Espírito e tinham fé profunda. Dos tais eram elegidos para aquele serviço.
Assim foi com os sete diáconos, assim foi com Barnabé e Saulo, e assim foi com Tito.
Toda eleição requer pré-requisitos, no caso de Barnabé, eles deveriam ser dotados com poder de mestre e profeta; com este dom poderiam espalhar o evangelho aos gentios e enfrentar toda oposição. Além disso, Barnabé e Saulo cumpriam os requisitos dos diáconos e igualmente deveriam ser confirmados pelos doutores e profetas de Antioquia.
Quando Paulo pede acolhimento de Marcos, diz: “ele me é útil”. A escolha não se mostra aquém de definições que formam o caráter daquele eleito.
Isto se refere à eleição de pessoas de entre a igreja para a obra de Cristo. Tito foi eleito sob esse critério, os sete diáconos igualmente, assim como Barnabé e Saulo.
Como podemos dizer que não há um critério em alguma eleição? Vejamos um exemplo típico em nosso meio. Uma empresa precisa contratar funcionários, o recrutador precisa encontrar os critérios exigidos pela empresa, além do currículo do aspirante, somente, então, terá condições de escolher o novo funcionário. Houve um pré-requisito.
Por exemplo, uma empresa procura um programador, ela vai exigir alguém que tenha formação superior em ciência da computação, ou análise de sistemas, ou ainda algum curso superior semelhante. Então, de entre os formados em tecnologia com cursos superiores em ciência da computação, análise de sistemas e afins, poderá ser acolhido definitivamente para ser um funcionário dela.
É nítido que toda eleição não é sem critério, isso está intrínseco até mesmo entre os homens, falhos em definir critérios, quanto mais em Deus, que os define com justiça.
Por isso que sempre Ele conhece primeiro e depois Ele predetermina e, por fim, elege.
A eleição tem a ver com definições bem estabelecidas, por isso ela não pode ser aplicada de forma arbitrária. E nisto, o calvinismo falha miseravelmente, pois, na sua ânsia em descartar tudo por uma consideração supostamente piedosa do reconhecimento da graça divina, dizem que o homem em si não pode conter nada de bom para que ele, por si, seja escolhido a partir de sua obra.
É verdade o discurso, embora essa graça que vem desse sistema já esteja completamente corrompida, pois, se é dito que o homem não pode fazer nada e tudo é pela graça, mas se o homem é eleito remotamente, ainda que o sistema não explique como, a graça deixou de ser graça quando escolhe uns em detrimento de outros. Pois, na escolha de alguns, ela faria distinção de outros, e isso, por si só, não seria graça, pois se ela separa dois grupos, ainda que ela defina um grupo como abençoado e o outro como amaldiçoado, a graça deixou de existir e perdeu sua capacidade de ser graça. Pois os eleitos foram especialmente escolhidos, e os inelegíveis foram rejeitados. Se a graça não pode ser oferecida a todos, ela nunca poderia ser chamada de graça.
Se é dito, por exemplo, que um produto em uma loja esteja sendo oferecido gratuitamente, tal extensão deveria ser aplicada a todos; de outro modo, ele não seria gratuito. Se digo que é gratuito apenas para mulheres, essa graça deveria ter outro nome, pois deixou de ser graça, pois se faz uma exigência, isto é, ser mulher, e onde se faz uma exigência, a graça perde seu valor. Deveria se chamar, na verdade, “benefício”. Benefício é algo especializado. Por exemplo, há benefícios no Brasil para funcionários públicos, contudo, nem todos são funcionários públicos no Brasil.
Existem certas ocasiões em que um casal, ao ir ao cinema em um dia específico, a mulher pode não pagar o ticket, enquanto o homem paga. Mas pode alguém dizer que isso é graça? De forma alguma! Isso é um benefício à mulher. Do mesmo jeito, no caso do aniversariante do dia, em alguns estabelecimentos ele não paga nada ou apenas metade.
Aposentados e idosos podem ter vários benefícios, como no transporte público, assentos específicos. Mas volto a dizer, em uma comparação, isso não é graça e sim um benefício.
O sistema calvinista confunde graça com o benefício dos eleitos. Eles dizem que nem mesmo podemos ter fé, pois, por si só, já seria uma obra. Seria o mesmo que dizer à mulher que vai ao cinema que, naquele dia, por ser mulher, ela não pagará, e ela acredita nisso. Pelo fato de ela crer e ir ao local, torna aquele benefício vão? Obviamente que ninguém dirá que aquela mulher teve méritos, que labutou para que não pagasse a entrada. Ela apenas acreditou que aquilo era verdade e desfrutou disso.
Posso dizer que fé é o mesmo que obras, se Paulo diz que não; assim como, Tiago?
Posso angariar qualquer mérito por simplesmente receber algo. Lhe dou um livro neste momento e você estende a mão para pegá-lo. Posso dizer que você labutou pelo livro ou que teve méritos, apenas, por recebê-lo? Pode o trabalhador ter méritos em receber seu salário ficando em casa sem trabalhar, mas sendo louvado pela sua capacidade de receber o soldo?
Agora o que sistema não percebe que há mérito sim, um do tipo arbitrário, que é ser selecionado enquanto centenas de milhares são condenados. Isso nunca poderá ser graça, pois como já dissemos a graça foi limitada. Isso é um benefício. Não estou dizendo que benefícios ou ser benéfico é ruim, estou apenas dizendo que o escopo da graça é sempre amplo. O que a limita seria a sua recusa, nada mais.
Seria o mesmo que, voltando ao exemplo de uma loja de produtos, algo ser oferecido gratuitamente, mas o dono da loja diz: “certifique-se de que ninguém poderá vir. Você pode vir a tal horário, com toda sua família, temos muitos produtos e eles irão sobrar, mas, mesmo assim, decido dar somente à sua família, se você se certificar de que ninguém mais virá.”
Esse exemplo é uma graça seletiva. Agora, o beneficiado tem que usar de muitas artimanhas para que ninguém vá à loja no horário estabelecido. Ele é alguém especial, mas às custas de que muitos outros sejam prejudicados.
Você pode achar o exemplo absurdo, mas muitos calvinistas, na prática, se sentem como esse beneficiado. Não basta ele ser beneficiado; tem que haver os que serão prejudicados. O prejuízo dos demais, dizem eles, glorifica a Deus. Eles tratam os demais quase como escórias, filhos de Satanás. Até mesmo seus irmãos que não partilham da sua mentalidade são desprezados.
A graça de Deus está ao alcance de todos, não é um benefício arbitrário. Porém, é verdade que nem todos tomarão a bênção oferecida gratuitamente.
Oferecer um presente não significa automaticamente que todos o recebem. Posso colocar uma quantia considerável em uma conta bancária, mas essa pessoa pode nunca sacar o dinheiro. Posso oferecer uma Bíblia a alguém, mas ele pode igualmente nunca estender a mão para receber. A graça é para todos, embora nem todos a recebam. Ela não se baseia na eleição.
A eleição não se baseia na graça; ter o direito a ela, sim, mas tê-la efetivada, não.
A graça vai me dar o direito à eleição, isto se eu crer pela graça, mas a graça nunca me elege; ela me garante o direito à eleição.
A graça me oferece a eleição, mas a eleição não é gratuita.
Desta forma, a eleição só pode vir depois da graça. Por isso, primeiro, “pela graça sois salvos”; depois, “(…) para boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que andássemos nelas.” Ou seja, sou salvo pela graça e não para a graça; não sou salvo pelas obras, mas para as obras.
As obras foram preparadas de antemão, mas elas só podem ser cumpridas depois de eu ser salvo. Essas boas obras, preparadas por Deus, serão desenvolvidas na vida dos que foram salvos pela graça, pois, ao serem praticadas, confirmam o propósito de Deus na vida do cristão. Isso, sim, está relacionado à eleição.
A Eleição da Graça
Você vai dizer certamente que esta afirmação é contraditória, uma vez que a Bíblia fala da eleição da graça. Sim, de fato, temos que admitir essa conclusão, pois está escrito em Romanos 11.5. Mas não nos apressamos em definir princípios onde estamos lidando com uma nobre exceção: “a nação de Israel”.
Muito da cobertura da eleição tem mais a ver com os judeus do que com a Igreja. A eleição de Israel é coletiva e não individual, e, sim, ela é baseada na graça. É uma eleição de gratuidade (pois vem de uma aliança de apenas uma das partes, feita com Abraão, Gn 15).
Essa eleição, obviamente, não precisa ser confirmada como a eleição de 2Pedro 1.10. Pois, se ela é da graça, o esforço para qualquer coisa anula a graça; Paulo mesmo afirma isso no versículo 6 (Rm 11.6).
Essa eleição é coletiva, judaica e baseada na graça. Israel não precisa confirmá-la, até porque nem pode. Eles estão velados até a plenitude dos gentios, mas a garantia de voltarem a ser o povo de Deus está guardada, por isso é uma eleição da graça. Essa eleição é, obrigatoriamente, da graça, sob o risco de o Design da Redenção sofrer perda; se não fosse desta forma, a própria graça em si estaria anulada, pois, por um lado, não chegaria ao mundo (Rm 11.15); por outro, não chegaria aos gentios (Rm 11.11).
Mas esta eleição da graça foi a forma de Deus não apenas de conceder graça aos judeus, guardando um remanescente que desfruta da promessa gratuita feita a Abraão, mas também de permitir que a salvação se espalhasse pelo mundo. A graça, por um lado, garante um remanescente judeu que cumprirá a promessa feita a Abraão segundo a carne, para que o pacto de Deus seja mantido; por outro, possibilita que, por meio da dureza dos judeus, o mundo seja reconciliado e os gentios sejam salvos.
Algo semelhante ocorreu com Judá em relação à dinastia davídica. Deus prometeu que nunca faltaria um descendente de Davi no trono. Observando a história, vemos que houve muitos reis em Judá extremamente ímpios, como Acaz e, principalmente, Manassés. Embora esses reis fossem julgados por Deus, a graça não estava sobre eles individualmente, mas sobre Davi. O que isso significa? Que essa graça era objetiva, pois sempre haveria um rei do lombo de Davi. Os reis, por si mesmos, frequentemente foram punidos e julgados por Deus, mas a eleição de um rei davídico estava assegurada sob a promessa divina. É por causa dessa eleição davídica que nosso Senhor se assentará no Seu Reino quando vier pela segunda vez.
A Eleição sobre o Remanescente
A eleição da graça, de forma coletiva, guardará um remanescente judeu e permitirá que os gentios creiam. Esse foi o design de Deus para usar de graça para com todos, utilizando, para isso, a eleição de Israel.
Entretanto, quando não estamos mais tratando de Israel, a eleição precisa ser confirmada, como o apóstolo Pedro nos ensina, a fim de que possamos estar no Reino de nosso Senhor.
“Por isso, irmãos, ponde cada vez maior cuidado em fazer firme a vossa vocação e eleição; porque, fazendo isso, não tropeçareis jamais” (2Pe 1.10 – TB).
Na Tradução Brasileira, está vertido como “fazer firme”. Na versão Atualizada de Almeida, está como “confirmar”.
No grego bíblico, a palavra βεβαίαν (bebaian), usada para traduzir esse conceito como firmeza ou confirmação, possui o sentido semântico de algo que precisa ser fortalecido. Pedro atribui essa responsabilidade ao filho de Deus. Por quê? A resposta está no versículo seguinte:
assim vos será dada largamente a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pe 1.11 – TB).
A conjunção explicativa “pois assim” valida a importância de “solidificar”, “fazei firme” ou, como está na ARA, “confirmar”. Isso significa que “pois assim” é o que permite a resultante mencionada no versículo 11: “será dada largamente a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”. Ou seja, é de nossa responsabilidade a firmeza tanto da vocação (chamado) quanto da eleição. Quanta diferença há em relação à eleição da graça de Israel!
Pedro deixa muito claro que precisamos tornar sólida nossa eleição. Esse fenômeno é a chave para entrar no Reino. Por isso, a eleição está diretamente ligada ao Reino. É também por isso que, dos muitos chamados (justificados), poucos são escolhidos (eleição confirmada). Essa escolha é para garantir uma entrada ampla no Reino.
Assim, ser escolhido na Bíblia tem muito mais a ver com o Reino do que com a vida eterna.
Somente os mais apressados ou enviesados confundem essa distinção.
Portanto, a vida eterna está relacionada com o chamado. Deus chama primeiro; conforme aprendemos por meio do apóstolo Paulo, o chamado antecede a justificação. A justificação é a experiência prática de todo aquele que é chamado. Isso significa que todo aquele que é chamado é justificado. Tal cenário está claramente apresentado na carta aos Romanos e em todo o Novo Testamento.
Deus conhece de antemão e, em seguida, predestina a pessoa a ser conforme a imagem de Jesus. Dessa forma, cria-se uma linha do tempo entre a predestinação e a conformação (glorificação). Nessa linha, aparecem o chamamento e a justificação, que culminam na glorificação.
A glorificação possui critérios bem estabelecidos; caso contrário, já seríamos glorificados no momento em que fôssemos justificados. Mas não é assim. Ainda seremos trabalhados por Deus. Primeiro, Ele nos chama para nos justificar; depois, nos encaminha para a glorificação. Contudo, a glorificação dos filhos de Deus exige uma série de condições, entre elas, sofrer pelo Senhor, passar por tribulações e ser disciplinado.
É verdade que há uma garantia de que todo filho de Deus será glorificado no final, pois, de outro modo, não poderia entrar no novo céu e na nova terra. Porém, a glorificação dos santos pode ocorrer em tempos diferentes e, de fato, ocorrerá.
A Herança da Graça e a Herança da Recompensa
A herança da graça é a garantia de que, no final, todos os filhos de Deus serão glorificados. A herança da recompensa é a garantia de que, no final, desta era para entrada na era vindoura, os que foram escolhidos para entrar no Reino serão recompensados.
Robert Govett, em seu comentário sobre Efésios, faz uma importante distinção entre a herança da graça e a herança da recompensa. Uma delas, de alguma modo, está mencionada em Efésios e Hebreus (Ef 1.11; Hb 12.28); a outra, em Colossenses (Cl 3.24).
Herança é a condição de poder assumir um bem ou de possuir as devidas qualificações para algo; até que isso aconteça, a pessoa precisa de aios (tutores).
Por isso, é fundamental compreender com clareza a diferença entre receber a vida eterna e herdá-la. Quando a recebemos, desfrutamos dela antecipadamente, ainda que não tenhamos as condições necessárias para herdá-la plenamente. Isso equivale a desfrutar da herança de forma antecipada, o que é, sem dúvida, um ato de graça.
O que isso quer dizer? Que posso experimentar a vida eterna sem possuí-la em sua plenitude.
Perceba como essa análise é clara. Todo salvo experimenta um novo nascimento (Jo 3.3), mas esse nascimento ocorre exclusivamente na esfera do espírito (Jo 3.6). Minha alma e meu corpo permanecem os mesmos, e meu corpo continua enfrentando os efeitos da morte. Contudo, isso não ocorre no meu espírito; o espírito que estava morto agora tem vida. A vida de Deus entrou em mim, e, por causa disso, tive um novo nascimento. Por isso, desfruto da vida eterna.
Entretanto, é essencial compreender que Paulo disse que minha santidade deveria ser completa: espírito, alma e corpo (1Ts 5.23). Por quê?
Porque as três partes devem ser completadas na glorificação. Dessa forma, não desfrutarei apenas no espírito da vida de Deus, mas também terei um novo corpo, pleno da glória do Senhor. Isso é conformar-se à imagem de Jesus. O Senhor Jesus, em Seu corpo humano glorificado, é o padrão, o modelo do que deverei ser no futuro, quando alcançar a glorificação. Assim, herdarei por completo a vida eterna de forma ternária (espírito, alma e corpo), e meu corpo não será mais psíquico, mas pneumático. Foi para isso que fui eleito.
De entre os salvos, alguns serão escolhidos para experimentar essa glorificação antecipadamente (herança da recompensa). Embora todos os filhos de Deus a recebam no novo céu e nova terra (herança da graça), alguns serão escolhidos antes disso. Portanto, entre os chamados, alguns serão escolhidos para experimentar essa glorificação nos Mil Anos do Reino do Senhor sobre a terra, mas não todos os chamados.
Em Mateus 22, temos um contexto muito claro. O sistema calvinista criou todo esse problema da eleição, primeiro por não reconhecer a doutrina da entrada no Reino dos Céus; segundo, por não compreenderem igualmente a exclusão dessa entrada. Assim, não puderam perceber que a eleição nunca foi para a salvação, ou seja, para receber a vida eterna, mas para entrada no Reino do Senhor, ou seja, para herdar a vida eterna. Alguns cristãos não terão maturidade suficiente e, por isso, não poderão ter a recompensa da herança. Precisarão ainda de “tutores” até que amadureçam, e, por isso, ficarão de fora do Reino. Contudo, eles não perdem a salvação, pois foram chamados, e todo chamado foi justificado.
Em Mateus 22.14, as vestes nupciais indicavam aqueles que tinham direito às bodas. Mas alguém entrou sem essas vestes e não poderia estar ali. Mesmo tendo sido chamado de amigo, e embora normalmente deveria estar na festa, ele era indigno de estar ali, não por não ter sido convidado, mas por não estar devidamente trajado.
Assim, ele é colocado para fora, nas trevas. Vale ressaltar que as “trevas exteriores” não se referem ao lago de fogo, mas ao local de exclusão daqueles que ainda não podem herdar a vida eterna. A festa não será para todos os crentes, embora todos estejam convidados.
Em seguida o texto diz: “pois muitos são chamados, mas poucos escolhidos” (TB).
A palavra grega para “chamados” é κλητοὶ (klētoi), um adjetivo nominativo, que indica a ideia de convocação ou mesmo convite. Por que é importante observarmos isso? Porque o convite ou a convocação é para todos os salvos. Por isso, quando alguém é chamado por Deus, ele deverá ser justificado. É verdade que, ao mencionar a palavra “chamou”, Paulo se refere ao efeito que leva o homem a crer e, por consequência, a ser justificado.
Em Mateus, o que está na festa não é uma ação, um verbo como em Romanos 8.30; mas uma pessoa. Ou seja, o que era um verbo agora é um adjetivo. Aquele que foi chamado agora é alguém do tipo convocado. Nosso português não alcança essa ideia com precisão. Em Romanos 8.30, temos uma ação de Deus — chamou (ἐκάλεσεν – ekalesen), mas em Mateus 22.14, temos uma pessoa com a qualidade de convocada. É como se essa pessoa agora tivesse as características para ser chamada. Se quiséssemos expressar algo semelhante para captar o alcance semântico, teríamos que chamar essa pessoa de alguém “convocável”, “do tipo que se convoca”. Assim, o que era uma ação se tornou parte da pessoa.
Isso deixa muito mais claro que aqueles que são “do tipo chamados” formam uma classe de pessoas que foram separadas. Não é mais uma questão de chamar, ou seja, uma ação verbal, mas pessoas que ganharam características de chamamento.
Assim, na parábola, elas são reconhecidas como pessoas que foram caracterizadas como das que são chamáveis. Isso deixa claro que elas poderiam estar na festa; a censura não é pelo fato de a pessoa estar na festa, pois ela é do tipo convidável, mas pelo fato de não trajar a devida veste. O que, na verdade, as torna indignas da festa, mas o fato de serem convidativas era para que esse problema fosse devidamente resolvido.
Assim, todos os que foram chamados por Deus em Romanos 8.30 são do tipo convocáveis, são adjetivados no grego como aqueles que têm características de Deus para estarem na festa. Infelizmente, não conseguimos trazer a ideia do texto original por falta de alguma palavra que pudesse representar melhor esse adjetivo. Devo admitir que o tradutor não teria muito à escolha. Mas que fique notadamente claro: não estamos lidando com um substantivo, mas com um adjetivo.
Todos os que Deus chamou são da qualidade de chamados. Mateus 22 reflete essa qualidade. Todos os justificados são do tipo chamados. Os do tipo chamados, alguns de entre eles, serão escolhidos.
Digamos que todos os “chamáveis” são convocados para comparecer a um local. Desses, alguns serão escolhidos, mas os que são “chamáveis” já foram justificados devido à ação de Deus. Estes justificados são do “tipo chamados”, por assim dizer, e eles podem estar nesta convocação.
O Senhor não poderá convocar nesta sessão quem não for “chamável”. O gentio incrédulo não é do “tipo chamado” e, deste modo, não estará nesta convocação.
Assim, meus amigos, com um pouquinho a mais de estudo, fica nítido para nós que somente os que já foram chamados e justificados poderão estar entre os escolhidos.
Primeiro, o Senhor executa a ação de chamar. A ação de chamar nos torna do “tipo chamados”. Os que são desse tipo podem comparecer na convocação divina, mas isso não indica que serão escolhidos. As vestes, que simbolizam o que nos foi coberto em nossas vidas diante do Senhor até a convocação, é que determinarão nossa escolha.
A palavra para “escolhidos” ou “eleitos” em Mateus 22.14 é ἐκλεκτοὶ (eklektoi – plural) no grego bíblico. Eklektoi, assim como klētoi, é um adjetivo, porém eklektoi é mais fácil de compreender no português, pois em nossa língua “escolhido” ou “eleito” já é um adjetivo. Assim, eklektoi são “do tipo eleito ou escolhido”.
Mas eklektoi (escolhidos) é tirado de klētoi (chamados), os que já foram justificados. Fica claro que, para eu ser escolhido, antes eu devo ter sido chamado.
Por isso, mais uma vez dizendo, Pedro (2Pe 1.10) nos ensina a confirmar nossa eleição. Uma vez que já nos tornamos do tipo chamável, agora temos que ter a confirmação de nossa eleição. Essa confirmação se dará no Reino do Senhor, depois da aprovação.
Logo, “muitos são chamados, mas poucos escolhidos” é um princípio no design de Deus para cumprir o Seu propósito.
Muitos são chamados à salvação; poucos, escolhidos para entrar no Reino de Cristo.
Finalizamos este estudo por enquanto, mas sabemos que ainda recorreremos a este assunto e também estaremos envolvidos em outras partes não mencionadas aqui.
Cristo Jesus morreu por todos. Resgatou muitos com o pagamento devido por sangue, mas escolheu poucos para o desfrute milenar.
Possa o Senhor ser misericordioso conosco e nos dar mais de Sua luz, para compreendermos os seus planos e ações soberanos. Ainda que nosso limite não nos permita atingir com a medida devida, a clareza que nos faria ter a exata noção de todo esse arranjo divino. Uma vez que, nosso alcance ao Senhor também é limitado, pois, sendo limitados não acessamos O Ilimitado, mas quando chegarmos à ressurreição e à glorificação, sem dependermos mais apenas de mente e corpo, teremos pleno entendimento da misericórdia e justiça divinas.
Isso que, hoje, vemos de maneira embaçada, possa refletir, como diamante, a beleza da sabedoria do Criador; quando, então tudo ficará claro para nós; e, não ousaremos mais, no momento que formos humilhados por aquilo que não eramos capazes de ver, achar que tínhamos alguma chance de compreender, modelando com nossa opinião de barro, Aquele que é chamado de “Profundidade das riquezas e do Conhecimento de Deus”. Quando isso acontecer nossa indagação não poderá ser outra que não: “como estava tão distante da Sua beleza”. Da beleza de um Deus que tudo ordenou com reta justiça. Nesse dia seremos esmagados por nossa insensatez se mostrar tão ousada, quando, nos momentos passados, recordarmos a infelicidade de nos mostrarmos corajosos e apressados em sistematizar a infinita sabedoria divina, não pelo trabalho dessa tarefa infame, mas por acharmos que tínhamos mesmo alguma chance de fazer isso.