A Latinização da Hermenêutica

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Agora o que isso quer dizer?

Que muitos querem latinizar a interpretação bíblica!

Sabemos que há inúmeros equívocos ao tentar praticar a interpretação bíblica, mas quem disse que esses equívocos são cometidos só por “leigos”?

A menção que faço de “leigo” tem um tom sarcástico-histórico porque no período medieval a missa era executada em latim, havia proibição da leitura bíblica e o povo não tinha mais acesso fácil à Palavra de Deus.

Essa liberdade cristã passou a ser dos teólogos [clérigos] e curiosamente foi daí que veio ideias como a transubstanciação eucarística; a oração pelos mortos; a doutrina do purgatório; a venda de perdões; a veneração dos santos; o clericalismo estruturado e uma série de outros prejuízos teológicos-doutrinário; e o povo? Simplesmente não lia a Bíblia porque eram chamados de leigos, a desculpa era de que a Bíblia se tratava de um livro difícil para ser interpretado, discurso esse usado pelas Testemunhas de Jeová até o dia de hoje e que usa tal mecanismo como ferramenta para fomentar seus terríveis enganos; e o povo? Ele tem que ver/ouvir tudo em “latim”, ele não pode entender muita coisa porque no fim ele tem que recorrer a algum clérigo, ele tem que de alguma forma estar refém. Talvez foi essa falta de liberdade que permitiu inúmeros prejuízos nas conclusões teológicas da Palavra de Deus e não o contrário.

Hoje há resquícios disso?

Atualmente a turma do teologuês tenta exportar intelectualmente, seja por intenção descarada ou sem perceber ela, um formato que faz parecer essa “latinização clériga” e especialmente, hoje,  na forma de interpretar o texto bíblico; veja, não quero ser leviano a não fazer o correto estudo da Bíblia, não é isso, mas alguns acham que somente eles tem o direito de interpreta-la, se tornando na verdade uma classe especial, iluminada que pode dizer teologicamente o que é certo e o que é errado e isso, naturalmente, se torna uma arma para tolher pessoas que amam a Bíblia e querem estudá-la, mas que ainda não são doutores, bacharéis, secretários de teólogos ou adeptos a um credo, organização ou dogma, mas, contudo, são amantes da Palavra de Deus.

Falácias

Essa expressão surge como uma espécie de um eco advindo de um requintado vocabulário que aparece em meio a um modernismo fulgente que acaba servindo como uma forma de bloqueio do estudo da Bíblia, tal expressão parece ter o intuito de esculpir qual seria o melhor método de estudar a Bíblia, e, claro, de quem pode fornecer este método, não é somente uma questão de hermenêutica, tem a ver com “selecionado”, uma “turma”, um “colegiado”; gera-se um impelir intelectual que muitas vezes é inegociável, desproporcional porque quem está do outro lado não teria as credenciais para aptidão de tal prática, este mesmo lado não teria a devida formação intelectual capaz de usar os mesmos substantivos para responder à altura dos questionamentos já fixados em respostas sistematizadas pela academia, ficando, assim, na verdade elitizado e restringido a maneira de ler e aprender a Bíblia, uma espécie de “modos operandi”; na teoria todos podem ler a Bíblia na prática poucos podem interpretá-la ou aprender dela.

“É preciso compreender o texto no grego original”, diz o intelectual, portanto, conduzir-se nas conclusões dentro de um método se faz necessário, afinal tenho que entender corretamente o grego, o problema é que o método é tão mordaz que o texto grego no fim se rende a ele.

Dizer que isso e aquilo é assim ou assado é chegar à conclusão do impossível, pois ninguém é autorizado a dizer que isto ou aquilo é a verdade de Deus senão o Espírito da Verdade (aliás estamos autorizados, mas de acordo com a verdade incontestável da Palavra, como por exemplo, Jesus ressuscitou, somente um não cristão diria o contrário) é aí que academia cai e o teologuês fica desempregado. Há muitos doutores tão cheios de problemas quanto aquele simples irmão que pode ter entendido errado um texto da Bíblia; essa ambiência engessada na verdade é como trazer de volta o “latim para as missas”. No fim a regra é clara:  “interprete, sim, a Bíblia, mas do meu jeito, do jeito que estou ensinando no meu livro!” 

Mas o que surpreende não são os métodos aplicados por eles para fazer hermenêutica, mas o valor exacerbado aos métodos e o enorme descuido do homem, ou seja, haja o método certo mesmo que exista um homem errado; mas Deus trabalha, justamente, de forma contrária, Ele primeiro quer o homem certo e depois a Palavra de Deus poderá ser liberada sem impedimentos ou danos. É por isso que a turma do teologuês pouco sabe sobre o quebrantamento do homem exterior, eles sempre procuram a academia para resolver seus problemas, mas desconhecem os tratos de Deus, acham que a boa pregação é aquela que vem de um sermão bem organizado e elaborado com retoques de crítica textual e palavras no grego e hebraico. No fim se o sermão parecer imprestável basta recorrer a algumas palavras difíceis ou requintadas e sutilmente citar duas ou três expressões misturando latim, hebraico e grego que no fim dirão: “aquele pregador era muito erudito” sem saber o que de fato ele pregou. A pergunta que faço é, isso que é o Ministério da Palavra?

Não quero, contudo, negar as falácias, elas de fato existem, mas mesmo que irmãos simples possam fazer uso delas ainda é um direito que eles tem de errar ou de aprender errando.

Ele começou a falar ousadamente na sinagoga. Quando o ouviram Priscila e Áquila, o levaram consigo e lhe declararam mais pontualmente o caminho de Deus.” [Atos 18.26 – ARC, grifos meus].

Percebemos o trato com um irmão que não estava tão esclarecido em alguns pontos e Priscila e Áquila o ajudam; sabe-se que Apolo estava equivocado em algumas partes do ensino cristão, mas a Bíblia é tão bela que – mesmo assim – diz que ele era poderoso nas Escrituras, mesmo estando, talvez, doutrinariamente errado em alguns pontos. A Bíblia não diz que ele se tornou poderoso nas Escrituras depois de ser orientado por Priscila e Áquila, mas que ele já o era. As Escrituras naquela altura sabemos que eram o Antigo Testamento, mas as suas adequações com Cristo também eram, igualmente, Escrituras, por isso que Paulo provava que Jesus era o Cristo por meio delas, portanto, se falhar no entendimento do cristianismo, começando pelos batismos e pelo Espírito Santo habitante, seria uma falha nas Escrituras também, por isso Apolo precisou de uma orientação e também de correções na sua visão delas acerca do que era naquela altura a Verdade – que surgia em meio ao judaísmo –, entretanto mesmo precisando dessa melhoria ele foi reconhecido como alguém poderoso nas Escrituras, além disso era também poderoso em palavras: “varão eloquente…” (At 18.24 – ARC).

O que fazem alguns intelectuais é inibir irmãos de ter sua visão inicial da Bíblia isso é tão sério que pode afeta-los no transcorrer da jornada.

Erros bíblicos temporários

Lembro-me de um irmão que quando leu a passagem: 

e os membros do corpo que julgamos serem menos honrosos, nós mesmos os tratamos com maior honra. E os membros que em nós são vergonhosos, vestimos com decoro especial.”   [1 Coríntios 12. 23 – KJA].

Ele havia interpretado esse texto como algo que dissesse respeito ao seu órgão íntimo, não é isso que o texto quer dizer, mas mesmo que ele estivesse equivocado nessa conclusão ele disse que foi dessa forma que o texto o ajudou a consagrar-se plenamente diante de Deus. Agora quem pode dizer que ele estava errado?

Talvez esse homem tivesse feito a interpretação errada; errada, sim, quanto ao contexto ou hermenêutica, mas certa quanto ao seu espírito e Deus aprovou sua sinceridade mediante uma interpretação errada, mas que na verdade validou sua interpretação espiritual e o ajudou. Até que ponto podemos ir com a apresentação das falácias sendo que o próprio Espírito Santo tem seus meios de prover libertação e consagração ainda que não leiamos a Bíblia totalmente amparados com a verdade em um primeiro momento? A Bíblia é tão ampla que aquilo que não afeta o fundamento da verdade cristã poderá ser permitido por Deus, temporariamente, seguir errado para que alguém tome uma atitude de vida cristã correta.

Watchman Nee certa vez disse sobre esse texto:  “Eis que estou a porta e bato se alguém ouvir minha voz e abrir a porta entrarei em sua casa, cearei com ele e ele comigo”.  Que os evangelistas o usavam para pregar o evangelho a fim de que as pessoas abrissem a porta do coração para aceitarem Jesus. O irmão Nee disse que eles poderiam emprestar esse texto para evangelizar, mesmo que o texto não fosse para isso, esta passagem, na verdade, se refere à igreja que estava em Laodiceia, ou seja, estava falando com irmãos já convertidos e não com pecadores que precisavam crer em Jesus. Watchman Nee usa o termo: “pegar emprestado”, pois essa palavra não tinha esse objetivo exegético, mas O Senhor poderia usa-la para salvar alguma alma perdida. Bem verdade que Watchman disse que as pessoas não poderiam pegar emprestado essa palavra para evangelismo por muito tempo porque não era o contexto dela nem tampouco a conclusão; entretanto, isso poderia ser um meio de salvar almas desde que esse recurso tivesse debaixo da direção de Deus.

My friends, não quero de forma alguma dizer que podemos pegar recortes bíblicos fora de contexto e de conclusão e aplicar aqui e ali levianamente, mas que pode acontecer de alguém entender genuinamente de uma maneira que sua sinceridade com Deus seja a questão mais importante que permitiria temporariamente ele estar envolto num equívoco textual, mas correto no espírito, mesmo que mais adiante ele fosse corrigido por um irmão mais maduro. Se percebermos bem, até os mais maduros podem estar de acordo com as Escrituras em muitos pontos, mas equivocados em alguns outros e há certas porções que de fato só por revelação dentro de uma esfera de tempo pode ser descoberta à luz do Espírito, por isso que o séc. XIX, por exemplo, nos trouxe enorme iluminação mesmo sendo posterior a inúmeras escolas teológicas como o escolasticismo, monasticismo, calvinismo, puritanismo e outras formas de pensamento e prática religiosas. 

Como posso eu, então, “latinizar a hermenêutica” dos irmãos? Posso sim, esclarecer e ajudar a estudar a Bíblia, mas quem somos nós para dizer: “irmão você está equivocado, isso aqui é resolvido com calvinismo?” Ou, “essa doutrina está errada porque está fora de conexão com o ponto x ou y da teologia sistemática”; “isso está errado porque afeta a soteriologia da perseverança final dos santos”; ou ainda: “o que! Você está dizendo que há arrebatamento em nuvens?” Outro dirá: “o que! Você não crê no arrebatamento?” Mas surge uma terceira pessoa que diz:  “há múltiplos arrebatamentos!” e mais pessoas vão se apresentando, o mais arminiano: “saiba que salvação se perde na apostasia”; outro mais pentecostal: “ela se perde, ‘se cair na noite’”; “pecado para morte é a blasfêmia contra o Espírito Santo”, outro diz: “não, é o adultério”; mais alguém se apresenta: “saiba que o pão se torna 100% o corpo de Cristo na eucaristia”; alguém pensando mais a longo prazo diz: “nem todos cristãos ressuscitarão em uma mesma ressurreição”; o mais saduceu dá o seu parecer: “o tribunal de Cristo é figura de linguagem e o reino milenar não é literal”. 

Ah! Acho que já chega, só arranhamos alguns poucos exemplos e tenho que parar com eles devido a sua quantidade que só mostra que a teologia e os teólogos, talvez, não resolveram problema algum, podendo na verdade ter criado muitos deles.

Sim, irmãos, há equívocos, mas temos que permitir que o irmão perceba, aplique seu senso de avaliação e por fim procure os mestres da igreja se sentir necessidade, principalmente se ele sair pregando equivocadamente por ter lido errado algum trecho bíblico, houve mestres-irmãos em Atos dos apóstolos como Priscila e Áquila que refinavam e ajudavam de forma espiritual os irmãos que pregavam a Palavra, principalmente, àqueles sem o devido conhecimento apostólico, mas não existia nenhuma faculdade de teologia de proeminência que não fosse o quebrantamento do Espírito Santo naquela época, aliás, havia “escola teológica” sim, essa “faculdade” na verdade existia entre os principais partidos religiosos do judaísmo da época e ninguém dessa escola foi adorar a criança que acabara de nascer em Belém que continha dentro dela todo o universo, mesmo sabendo de cor e dizendo ao rei Herodes onde ela haveria de nascer (Mt 2.3-7); entretanto, três magos do oriente que estudavam as estrelas e criam nas profecias de Daniel fizeram uma longa viagem, peregrinando para o lugar onde havia uma pequenina carne que continha toda a divindade, e os estudiosos? Estavam mais distantes disso que o polo norte estava do sul.

Teologos Influentes

O que alguns teólogos de YouTube, debatedores de canal de TV evangélico e influenciadores, na verdade, tem feito é colocar seu “Latim” goela abaixo de alguns  irmãos  e parece fácil para muitos deles dizer como deve ser visto um ponto da Bíblia, mas que eles também expliquem – se a rota é esta  – como há então várias maneiras de ver pontos da Bíblia e da própria filosofia que fizeram destacar figuras teológicas como, Agostinho, Santo Tomás de Aquino, Santo Anselmo de Cantuária, Huss, John Wycliffe, Tyndale, Calvino, Lutero, [Os] Ana Batistas, Zuínglio, Armínio e uma série de outros vultos que não somente eram pessoas em si, mas que também de alguma maneira representavam fortemente correntes teológicas? 

Não parece que é tão simples assim, portanto, se grandes figuras não se alinharam em tudo o mínimo que temos que ter em mente é que alguma sistematização parecer não ter funcionado. 

Pensamos, falando agora em uma experiência mais pessoal, que algo que alguém está estudando e que não afeta as verdades cristãs fundamentais, que são inegociáveis, das quais estou alicerçado em Cristo, não vou tentar controlar ninguém para inclina-lo à minha forma de ver determinado ângulo mesmo que essa pessoa no fim vai destoar bastante de mim; mesmo que eu, por um acaso, esteja gramaticalmente impecável no grego bíblico e conheça muito bem o hebraico e consiga respostas mais tangíveis ficando mais dentro de uma esfera humana racional e natural como em dizer que filhos de Sete eram os filhos de Deus e os de Caim os dos homens, e que Cristo pregar para os espíritos em prisão nada mais foi que na verdade proclamar sua vitória aos perdidos no Inferno, ainda assim, posso estar potencialmente errado (e é bem provável que esteja) portanto, a menos que eu não assuma uma posição humilde não poderia ir além de dizer: “penso eu” ou “imagino que seja”. 

O bom legado da Reforma foi a conquista da liberdade para se ler a Bíblia e poder ter a oportunidade de ser ensinado pelo Espírito da Verdade, talvez, esta foi a verdadeira e talvez única Reforma; o mais importante viria organicamente com a conquista desta liberdade neste evento histórico do arranjo de Deus. 

Hoje, leio a Bíblia mas acabo chegando à conclusão de um terceiro, uma pseudo liberdade. 

Que não haja mais “missas em latim”.

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Série: Isso não vem de Vós Ep03

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