Robert Govett , Análise de Hebreus 6

Porção extraída do livro “Christ Superior to Angels, Moses, and Aaron: a Comment on the Epistle to the Hebrews”, comentário de Robert Govett acerca da epístola aos Hebreus..

Estudo sobre Hebreus 6

Nota Redacional

Queremos destacar que o estudo é abrangente e denso, em contrapartida completo. Nós DoPeregrino.com compreendemos que tal conteúdo é importante ser colocado aos filhos de Deus que estudam volumosamente a passagem de Hebreus 6 ainda que nem sempre com fins sotereológicos, todavia, estudam.

Pensamos que trazer essa análise tão detalhada possa ser uma importante fonte de consulta, além de uma contribuição relevante ao estudo deste capítulo tão emblemático. Ao mesmo tempo, ela se torna uma maneira de enfrentar a dificuldade sem omitir a necessidade de explorar mais um ângulo dessa matéria, que já divide muitas opiniões entre eruditos e teólogos renomados.

Juntando-se, assim, a muitos outros “Hebreus 6” espalhados entre renomados estudiosos, como Andrew Murray, em seu reconhecido comentário sobre Hebreus; John Nelson Darby, que também apresenta suas observações em seu comentário sobre a epístola; e Calvino e John Owen, ambos com seus respectivos comentários acerca desta carta — sendo que este último dedica uma quantidade absurdamente grande de páginas apenas a esse capítulo. Poderíamos, ainda, citar a excelente explanação com uma notável mudança exegética de G. H. Lang, além do excelentíssimo trabalho apresentado por Watchman Nee, oriundo de suas ricas mensagens em 1937 em Shangai na China, que resultaram posteriormente em uma obra impressionante e de grande utilidade para as igrejas de Deus espalhadas pelo mundo: “O Evangelho de Deus”, volumes 1 e 2.

Fica notório desta forma a relevância de incluir os pensamentos de Robert Govett acerca deste capítulo em formato de opúsculo; juntando assim, à galeria destes outros ícones que também se debruçaram sobre o assunto. Queremos lembrar que apesar de muitas semelhanças entre as múltiplas observações é quase impossível dizer que há singularidade nas conclusões, sendo, portanto, uma oportunidade riquíssima incluir os ensaios “govettianos” desta matéria. E por isso que estamos entregando este conteúdo para apreciação dos santos estudiosos da Bíblia.

Esta nota tem por objetivo esclarecer que, mesmo entre nós, envolvidos nesta publicação, temos inclinações que podem não refletir exatamente o que Govett insere em sua análise. Desta forma, podemos, de certo modo, não seguir totalmente o que é destacado pelo autor, mas, ao mesmo tempo, reconhecemos a grande precisão com que ele trata este assunto. Portanto, o ganho a receber pela leitura, julgamos ser grande. E motivamos a ela com muito desejo.

A Tradução desta obra foi realizada diretamente pela nossa equipe de redação, portanto, segue fielmente o texto em inglês. Todavia, nós DoPeregrino.com, fizemos uma adaptação para o formato de conteúdo de internet e para aplicar sumarização com fins de facilitar a navegação por seção assim como a leitura; isto se dá, tão somente, em seções que foram intituladas para tematizar aquele determinado bloco; queremos destacar que esses títulos temáticos não, necessariamente, se encontram na obra original impressa, mas que, fazemos uso apenas como recurso organizacional, melhorando a usabilidade e a navegabilidade do leitor. Também é importante salientar que utilizamos estilos tipográficos próprios, portanto, grifos e destaques [como itálicos, negritos e sublinhados são nossos e] não refletem necessariamente os que estão na obra impressa.

Para finalizar, queremos evidenciar que, por vezes, inseriremos notas próprias que poderão ser abreviadas como N.T. – Nota do Tradutor ou N.R. – Nota do Redator, onde adicionaremos alguma ideia para enriquecer a conclusão do autor ou para sanar possíveis discrepâncias.


Doutrina de Cristo

Considerando os anos que [aqueles crentes hebreus já haviam laborado] eles deveriam aquela altura ter amadurecido.

Os primeiros Princípios da Doutrina de Cristo podem receber qualquer um desses dois sentidos que seguem:

1. A doutrina concernente a Cristo;

2. A doutrina ensinada por Cristo.

No primeiro desses sentidos encontramos uma passagem como: “O princípio do Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus, como está escrito nos profetas” (Marcos 1.1; Lucas 1.1–4). Já no segundo sentido, podemos perceber: “Desde então começou Jesus a pregar e a dizer: ‘Arrependei-vos’ ” (Mt. 4.17; Lucas 4.14–22). “Fiz o tratado anterior, ó Teófilo, de tudo o que Jesus começou a fazer e a ensinar.” “E as palavras de Pedro: “Por isso destes homens que têm estado conosco desde que o Senhor Jesus entrou e saiu entre nós, começando pelo batismo de João” (Atos 1, 21).

O Salvador nos deixa claro que a Lei e os Profetas estiveram em vigor até João Batista; com Ele, iniciaria uma nova dispensação, vinculada à presença, doutrina e atos de “Cristo” (Mateus 16.2–6, 13; Lucas 16.16).

Cristo é descrito como “o Apóstolo e Sumo Sacerdote de nossa confissão”, conforme afirma esta epístola, assim como Moisés foi o apóstolo de Israel (Hebreus 3.1, 6). A unção de Cristo e de Seus discípulos ocorreu pelo Espírito Santo, assim como a unção de Arão e de seus filhos foi realizada com o óleo preparado pela arte do perfumista.

As seis seções aqui citadas (vv. 1, 2) começaram a ser ensinadas primeiro pelo precursor de nosso Senhor, depois por Ele mesmo, e por último por Seus apóstolos, como emblemas das doutrinas da graça de Deus, em oposição às da Lei.

Esses artigos (ou seções) constituíam “o fundamento” do que Paulo e os outros apóstolos ensinaram. Sem a aceitação desses elementos fundamentais pelos ensinados, não havia cristianismo. Duas coisas são pressupostas:

1. Que mestres cristãos haviam ensinado aos hebreus, que eram cristãos também, estas seis seções inicialmente; e

2. Que eles aceitaram; assim se voltaram a Deus.

Caso não aceitassem esse conteúdo, o fundamento [para eles] não seria lançado. Como foram ensinados e o fundamento da verdade cristã foi estabelecido por mestres e aceito por eles, não deveriam mais se ocupar continuamente com essas verdades, mas sim erguer a sobre-estrutura. Eles se alimentaram de leite por muito tempo, mas agora são chamados a participar de alimentos sólidos. Paulo preferia não escrever mais sobre essas verdades que já conheciam e possuíam, pois era necessário que aceitassem instruções adicionais, que os edificariam na fé cristã, incorporando essa realidade à sua prática e rotina.

“Caminhamos à perfeição” é uma palavra que tinha por objetivo conscientizá-los desse chamado ao aprofundamento, tanto mestres quanto alunos. Paulo estava reclamando, sim, mas não pelo fato de ter que ensiná-los novamente esses elementos básicos da verdade cristã; e sim porque, se ainda não os conheciam, ou não criam o suficiente nesses primeiros princípios da interpretação da Palavra de Deus, estariam, na verdade, adquirindo visões adicionais ou distorcidas de Cristo e Suas glórias.

O Fundamento do Arrependimento de Obras Mortas e da Fé em Deus

Permita-me apresentar algumas provas de que esses artigos foram: 1) o testemunho fundamental do cristianismo, apresentado pelos pregadores, e 2) aceitos por aqueles que foram ensinados.

A Lei não convocava ao arrependimento; Ezequiel foi o primeiro a proferir esse tipo de exortação. O primeiro chamado de João Batista, assim como de nosso Senhor e também de Seus apóstolos, foi: “Arrependei-vos e crede!” Poucos questionariam isso, mas talvez seja importante citar uma ou duas passagens. Vejamos:

i) “Naqueles dias, veio João Batista pregando no deserto da Judeia, e dizia: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mateus 3:1-2);

ii) “Jesus veio para a Galileia, pregando o Evangelho do reino de Deus, e dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho” (Marcos 1:15; Mateus 4:17; 11:20);

iii) “Varões e irmãos, que faremos? Pedro lhes respondeu: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado” (Atos 2:37-38).

A obra de Paulo, também, foi, esse “testemunho tanto para os judeus, como também para os gregos, arrependimento para com Deus, e fé para com nosso Senhor Jesus Cristo” (Atos 20. 21; João 1. 7, 12, 13; Atos 9. 14; 11.1) Mas essas verdades também foram recebidas por aqueles a quem o apóstolo estava escrevendo.

Esse arrependimento de obras mortas é característico do cristianismo. Ele vê a carne como morta e inaceitável diante do Deus vivo. É importante notar que Moisés aceitava a carne e suas obras mortas.

Se o homem fosse circuncidado, não estivesse cerimonialmente impuro e o animal de seu sacrifício não tivesse imperfeições, estava tudo em ordem; ele era bem-vindo ao altar ou à festa. “A carne” era a base da Lei, e seu sinal e selo foram colocados na carne.

O defeito das obras do judeu é aqui testado por um padrão mais elevado que o da Lei, e eles são descritos como “mortos”.

Estes, a quem Paulo está se dirigindo, se converteram de obras mortas, ao chamado de Cristo e Seus servos. Eles haviam mudado na vontade e nos afetos, e haviam deixado seu antigo curso de vida.

Eles não eram escandalosamente maus, como as obras daqueles pecadores, os gentios. “Não sou como os outros homens, extorsores, injustos, adúlteros, ou mesmo como este publicano. Jejuo duas vezes na semana, dou o dízimo de tudo o que possuo” (Lucas 18. 11, 12). Mas, como procedendo de corações mortos, foram recusados pelo Altíssimo. E fé não era a exigência da Lei, mas ‘obras’ (Gálatas 3).

Estes, a quem Paulo está se dirigindo, se converteram de obras mortas,2 ao chamado de Cristo e Seus servos.

Eles haviam mudado na vontade e nos afetos, e haviam deixado seu antigo curso de vida.

Assim como eles desistiram da incredulidade e sua morte,3 assim eles chegaram à fé em Deus, e estavam vivos para Ele.

Eles reconheceram a ira de Deus repousada sobre suas obras mortas, e agora estavam produzindo vida, pela fé em Deus, e no amor d’Ele revelado em Cristo (vv. 9, 10).

Eles buscaram e encontraram misericórdia em Cristo, e Deus os aceitou assim como suas obras. “Porque Deus não é injusto para se esquecer de vossas obras (v. 10) e do amor que mostrastes ao Seu nome.” E eles agora são instruídos a continuar até a sua conclusão o trabalho iniciado. Com o fundamento tendo sido lançado há muito tempo, que eles não percam mais tempo com isso, pelo contrário, que construam de agora em diante sobre a pedra superior.

Essa não poderia ser a exortação do Espírito Santo se o fundamento de arrependimento e fé já não tivesse sido estabelecido. Se ainda estivessem “mortos em delitos e pecados”, deveriam ser tratados, não como crentes chamados a avançar, mas como incrédulos que precisavam começar do início.

Se não tivessem provado o leite do Evangelho, seria totalmente inadequado exortá-los a buscar alimento sólido, já que isso seria, na verdade, impossível.

O Fundamento dos Batismos, Imposição de mãos, e da Ressurreição dos mortos

Eu junto essas três seções, já que a construção gramatical da frase nos permite. A primeira das três é unida às duas seções anteriores4 pela conjunção usual (καὶ) da língua grega; entretanto, as duas últimas estão conectadas com uma partícula grega incomum (τὲ). Com respeito a ela o Sr. Winer diz:

“Enquanto a primeira conjunção” une as coisas coordenadas, a última as anexa. A primeira geralmente oferece uma relação externa entre as partes; a outra uma conexão interna e lógica.” (p. 454).

Batimos de instrução – Você pode me perguntar: “Por que você traduz ‘batismos de instrução’ ao invés de ‘doutrina de batismos’ ?” i) Porque a ordem que tenho oferecido na tradução está, exatamente, assim no grego; a Versão5 Estabelecida viola essa ordem, e a tradução é ilegítima. Pois aqui você tem dois substantivos, ambos no caso genitivo, e ambos dependentes da palavra precedente “fundamento”.

“Portanto, não há evidência de que essa ordem deva ser violada, pelo contrário, a ordem do grego, neste caso, deve ser respeitada. Geralmente não podemos mudar a ordem de dois substantivos construídos sobre o mesmo caso, sem que esta mudança não penalize o sentido da frase. Não podemos, por exemplo, em vez de dizer: “o engano das riquezas”, verter, “as riquezas do engano” sem afetar o sentido que as expressões carregam.

A única justificativa que a Versão Estabelecida encontrou para tal modificação foi que a inversão da ordem fazia mais sentido da que foi estabelecida pelo escritor da epístola; eles dizem que não foi produzido sentido aqui, mas eu digo o contrário, digo que o sentido, na verdade, é excelente, e os batismos do sistema de Deus seguem exatamente a ordem que aqui foi encontrada. ii) Os batismos aqui não falam de suas doutrinas, e sim de suas práticas, não é algo doutrinário, é algo prático. iii) Tal tradução introduz a redundância: “Não lançando novamente as doutrinas fundamentais do arrependimento — da doutrina dos batismos.” iv) A versão latina verte como tenho mostrado: “Baptismatum doctrinæ, impositions quoque [τὲ] manuum”. Assim como faz Beza, Tyndale, Cranmer e Winer.

Mas por que o plural é usado? E por que a palavra grega usual para imersão não é usada?

Os Dois Batismos

O plural foi empregado porque há dois batismos, i) com água e ii) com o Espírito. Esta é a razão, também, suponho, da palavra ligeiramente diferente empregada (βαπτισμων, em vez de βαπτισματων).

O mais comum ainda deve ser aplicado à imersão em água; agora, como neste caso são duas imersões diferentes, a palavra é ligeiramente alterada, para abranger as duas.

Primeiro viriam o arrependimento e a fé; depois, então, a imersão.

O primeiro é chamado de “o batismo de instrução”. O Salvador exigia que primeiro fosse feito discípulo através do ensino das verdades essenciais antes da imersão ser praticada (Mateus 28.19; Marcos 16.16). Desta forma fazia-se clara distinção quanto ao rito judaico que comumente não havia nenhum tipo de instrução prévia. Aos oito dias de idade, por exemplo, uma criança masculina mesmo sem condições inteligíveis deveria ser circuncidada.

Este rito cristão também é chamado de “batismo de arrependimento”. “João estava no deserto, e pregando [anunciando] a imersão do arrependimento para o perdão dos pecados” (Marcos 1.4; Lucas 1.3).

Desta forma, cada um dos seis artigos secionais é colocado em sua ordem apropriada, conforme a adequação de Deus no cristianismo: (1) Arrependimento, (2) fé, (3) imersão em água.

Mas João Batista ensinou que seu próprio rito estava incompleto. Ele era apenas o precursor de um Maior que ele mesmo, que preencheria tal deficiência, por uma imersão que seria no Espírito Santo e fogo.

“De fato, eu te imergi na água, mas Ele te imergirá no Espírito Santo” (Marcos 1.8; Atos 19.4).

Depois do batismo nas águas, seguia-se, ordinariamente, o batismo do Espírito Santo. Não havia necessidade de instrução entre a imersão na água e a imposição das mãos dos apóstolos. Pedro, no dia de Pentecostes, instruindo a multidão que estava maravilhada e que desejava conhecer o caminho da salvação, diz: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja imerso, [que é um princípio fundamental] em [sobre] o nome de Jesus Cristo, para [receber] o perdão de pecados e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois a promessa [de Joel, que ele havia citado (versículo 17)] é para vocês [judeus] e para seus filhos, e para todos os que estão longe [gentios) a tantos quantos o Senhor nosso Deus chamar” (Atos 2 ).

Depois, em Samaria, ocorreu algo semelhante: primeiro, houve a proclamação do nome de Jesus e de Seu Reino vindouro, e, em seguida, a imersão na água (como podemos ver em Atos 8). Todavia, os apóstolos e outros ficaram surpresos ao perceber que o batismo no Espírito ainda não havia ocorrido entre eles. Por isso, dois deles foram enviados para lá, a fim de comunicar os dons sobrenaturais por meio da imposição de suas mãos.

Não podemos errar aqui. Apenas dois batismos — o da água e o do Espírito — são reconhecidos no Novo Testamento. E o último deles foi o clímax crítico em que destacava a diferença crucial entre a missão de João Batista e a dos apóstolos. Era pelo batismo do Espírito que os doze deveriam esperar, antes de começarem a pregar um Cristo ressurreto, e a fé n’Ele.

Quão degradados somos, que não temos este artigo primário do cristianismo elementar! Não há mais apóstolos e, consequentemente, não há mais imposição de mãos para comunicar os dons do Espírito.

É necessário muito poucas provas para que fique claro que as imersões de instrução e a imposição de mãos não eram doutrinas fundamentais do judaísmo. Se, como alguns pensam, essas eram doutrinas judaicas, como é que não há nenhuma palavra sobre o rito introdutório da circuncisão? Houve, de fato, nos dias de Moisés, a imersão dos sacerdotes judeus; mas sem qualquer instrução preliminar ou qualquer significação de uma aceitação compromissada da doutrina. Além disso, esses detalhes cerimoniais já haviam passado, assim como a imposição de mãos de Israel sobre os levitas, para os separar para Jeová. A imersão dos prosélitos no judaísmo eu considero, na verdade, uma “fábula judaica”.

Certamente, se isto foi praticado por judeus em uma época posterior, não estaria firmado de nenhum modo no Antigo Testamento e, portanto, era apenas uma “tradição de homens”. Vale frisar que no judaísmo, esses quatro artigos secionais nunca vieram na ordem aqui dada pelo Espírito Santo [escrito em Hebreus].

Ressurreição dos Mortos

A alegria e o prolongamento da vida neste mundo eram uma doutrina fundamental da Lei; e a morte era a pena associada ao pecado. A ressurreição dos mortos não fazia parte da Lei dada a Moisés, embora leves indícios da ressurreição de alguns tenham começado a surgir sob o ministério dos profetas. Pois a Lei não pode dar vida ao pecador, enquanto pode, com justiça e poder, entregá-lo à morte.

Embora os judeus ortodoxos dos dias de nosso Senhor cressem na ressurreição, é evidente que não foram capazes de lidar com os saduceus que não criam. O argumento do Salvador sobre a primeira ressurreição veio a eles como uma nova explosão de luz.

Esta “ressurreição dos mortos" é um termo geral, abrangendo a ressurreição, tanto dos justos como dos injustos; o Salvador ensinou isso, e Seus apóstolos também, com referência especial ao dia milenar, e como a primeira ressurreição está ligada à recompensa (Mateus. 22. João 5. 29) Ela repousa sobre as provas da ressurreição de nosso próprio Senhor (Atos 2. 31; 4. 2).

O Julgamento Eterno

6. “E o Julgamento Eterno”.

Esta é uma verdade primária no cristianismo. Ela não é uma verdade primária no judaísmo. As promessas e ameaças de Moisés que inclui a morte e a interrupção da vida referem-se a este mundo.

Ele fala (1) de juízes “presentes e temporais”, julgamento sobre indivíduos, de acordo com a ordem de Jeová: “Vocês não devem ser parciais em julgamento” (Dt 1.17; Ex 21.1; Lv 19.15).

(2) Ou então os profetas do Antigo Testamento falam de julgamentos sobre as nações durante esta vida confira Êxodo 6. 6; 7. 4.

“Quando Teus juízos estiverem na terra, os habitantes do mundo aprenderão a justiça” (Is 26.9). “Minha espada será banhada no céu; eis que descerá sobre Edom e sobre o povo da Minha maldição, para julgamento” (Is 34.6; 42.1).

O “julgamento eterno” dos homens está conectado com a ressurreição dos mortos. Também está intimamente ligado à ressurreição de nosso Senhor dentre os mortos (Atos 17.31; 24.25). Sua última grande cena está relacionada com a morte da Terra, algo que não foi revelado a Moisés ou aos profetas, cuja cena é a própria terra.

O ensino deste julgamento maior começou com João Batista, como uma sentença a ser pronunciada pelo Maior que viria depois dele. Ele aborda isso em dois grandes aspectos: o julgamento das “árvores” (Israel e os gentios) e o do “trigo e do joio” (cristandade) [Mateus 3]. Esse tema foi ainda mais amplamente exposto pelo nosso Senhor.

Versículo 3: “E isto façamos, se Deus permitir”.

Neste versículo há duas leituras, que diferem uma da outra no grego apenas por um ‘ο’ longo, ou por um ‘ο’ curto. (1) Se aceitarmos o Textus Receptus, Paulo promete que o fará, se o Senhor lhe permitir visitar os cristãos hebreus, levando-os às verdades mais profundas da fé. (2) Mas, se lermos, “isso faremos…”6 (NAA) como eu acho que devemos, ele está não só exortando eles, mas também a si mesmo, a avançar no conhecimento e na graça.

Assim, também, estamos em plena harmonia com a exortação do primeiro versículo: “Prossigamos para a perfeição(AEC). O mestre cristão deve instruir o rebanho de Cristo; e eles devem crescer com inteligência da mente de Deus, e com resposta dentro da conduta. A expressão reservada, ‘se Deus permitir’, é um aviso de que todas as nossas resoluções de emenda repousam finalmente nas oportunidades que Deus pode dar; pois em Sua mão está nossa vida.

Versículo 4: “Pois é impossível para aqueles que uma vez por todas foram iluminados, e provaram o dom celestial, e foram feitos participantes do Espírito Santo7.

A impossibilidade aqui mencionada é real. A morte espiritual supostamente veio sobre o apóstata. Ele não pode — ele não deseja — despertar para fora desse estado. Nem mesmo seus amigos cristãos, por mais que se esforcem, podem despertá-lo para a vida espiritual. E Deus, que poderia, não o fará. Judicialmente, Ele o entrega à morte espiritual que ele escolheu e na qual ele permanece.

A palavra “pois”, com a qual o versículo começa, liga-o à exortação: “Sigamos em frente”; “pois aquele que cai completamente está perdido”. Ou pode estar relacionado com: “Se Deus permitir”. Pois se o Altíssimo abandonar alguém, a recuperação é impossível. Essas duas visões, na verdade, concordam fundamentalmente entre si.

O avanço da queda se dá em cinco passos. O homem foi anteriormente “uma vez por todas, iluminado”. Com esta descrição percebe-se que a vida espiritual é real. Portanto, está em estreita conexão com os seis artigos fundamentais anteriores; que se supõe que tais foram recebidos.

Os homens, por natureza, estão em escuridão diante de Deus; e o mundo, e Satanás, seu líder, estão em trevas. Contudo, as verdades do Evangelho trazem a luz. Cristo é luz; e quem o segue não anda em trevas, mas tem a luz da vida. Na pessoa totalmente perdida, a luz sobre si quanto Cristo ambos estão mantidos fora pelo trabalho de Satanás.

Eles habitam na incredulidade, e incredulidade é escuridão. Mas a fé, e somente a fé, contém luz. “Se nosso Evangelho está velado, é velado em os [casos dos] perdidos; nos quais o deus deste mundo cegou os entendimentos dos incrédulos, para que não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo” (2Co 4.3, 4) [Grego].

Porque Deus, que disse: das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo.” 2Co 4.6 (ARA).

Sendo iluminados os olhos do vosso coração…” (TB) diz Paulo aos cristãos Efésios (Ef. 1.18). Isso marca a transição da incredulidade para a fé. “Pois, outrora, éreis trevas, mas, agora, sois luz no Senhor…” (Ef 5.8, TB) ver também 1Ts 5.5; 1Pe 2.9; 1Jo 2.9.

Mas, além disso, esta Epístola dá testemunho do mesmo ponto. Os crentes diferem dos incrédulos, assim como os iluminados diferem dos [que estão] em trevas por natureza. “Lembrem-se os dias passados, em que depois que você foi iluminado [‘iluminado’, a mesma palavra aqui] você suportou uma grande luta de aflição” (Hb 10.32; veja também Atos 26.16; Lucas 11.36). Eles “tinham recebido o conhecimento da verdade” (10.26).

Eles foram “uma vez por todas” iluminados. Supõe-se aqui algo real e que não pode ser repetido, pois o sacrifício de Cristo é “de uma vez por todas”, não pode ser repetido; esta então é a abertura [sem volta] da alma para Luz de Deus.

As verdades fundamentais mencionadas aqui, todas, sem exceção, foram recebidas.

As solenes e terríveis descobertas de sua posição por natureza, e os débitos da transgressão, haviam entrado em suas almas.

Eles encontraram paz e aceitação ao se afastarem das obras mortas, e, por ter agora, fé em Deus.

A cegueira foi removida, e essas verdades foram aceitas.

Dom Celestial

Eles “provaram o dom celestial”.

Portanto, assim que receberam essas verdades fundamentais que precedem o batismo, foram então batizados. Isso é o que se pode subentender sem maiores dificuldades. Mas, então, o que vem a ser o “dom celestial”? Significa a concessão dos dons sobrenaturais, realizada pela imposição das mãos dos apóstolos. Após o batismo de instrução, viria o batismo do Espírito.

Os dois artigos no texto grego parecem denotar que este assunto já havia sido falado antes. Este foi um maravilhoso presente que eles receberam e tal foi o complemento da imersão em água.

Sejam batizados, cada um de vocês, em [em] nome de Jesus Cristo, para [para] a remissão dos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo.” (Atos 2.38).

Dá-me também este poder, para que a quem eu impuser as mãos receba o Espírito Santo”.

Tens pensado que o dom de Deus pode ser comprado com dinheiro”.

Além disso, este dom celestial foi concedido apenas aos crentes, como Pedro continua a dizer: “Tu não tens parte nem sorte neste assunto, pois o teu coração não é reto aos olhos de Deus” (Atos 8.21).8 Sobre os gentios também foi derramado o dom do Espírito Santo. Pois eles [apóstolos e discípulos judeus] os ouviram falar em línguas e engrandecer a Deus. (Atos 10.45; 15.8, 9). Assim, eles se manifestaram como cristãos genuínos, ungidos com o mesmo óleo celestial como o próprio Cristo. Note, “Unção” e “Selamento” não são operações internas.9

Este dom celestial eles “provaram”. Foi um verdadeiro prazer, um intenso deleite para suas almas possuir, experimentar e usar esta nova aquisição; que, infelizmente! Nós, hoje, não temos! Não avançamos mais do que os cristãos de Samaria, antes que os apóstolos lhes impusessem as mãos.

Fomos imersos — muitos de nós — por ordem do Senhor Jesus; mas o Espírito Santo não caiu sobre nós [de forma externa novamente] (Atos 8).10 Tome a palavra “provaram” no nível mais baixo possível; contudo, de qualquer forma, supõe o sentido do paladar, e isso não pode existir sem vida. Quando o governante [aquele que era responsável] da festa de casamento provou a água que tinha se transformada em vinho" (João 2.9), a elogiou como o melhor vinho, suponho que para chegar a essa conclusão tenha saboreado. E para que isso ocorresse deveria estar vivo com a funcionalidade do seu paladar, de outra forma não conseguiria provar. Assim, as partes aqui mencionadas tinham “sentidos” se o “exercitaram o suficiente para que tivesse algum discernimento” talvez não podemos afirmar, mas isso não afeta nosso argumento, e nem causa prejuízo de sua força [veja também Atos 10. 10; 1Pedro 2.3].

E foram feitos participantes do Espírito Santo.”

Isso é algo distinto do dom anterior do Espírito. Em um escritor tão condensado como Paulo, e nesta epístola mais condensada, não há palavras alongadas, nenhum acúmulo de frases significando pouco ou nada.

A palavra “participantes” significa parceria, ou seja, ambos os envolvidos eram parceiros em alguma medida (Lc 5.7; Hb 3.14).

Existem duas operações do Espírito Santo: uma que temos agora, e outra que não temos.

A habitação do Espírito Santo, o cristão tem que ter; sem ela, de fato, ele não pertenceria a Cristo.

O amor de Deus é derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo que nos foi dado.” (Romanos 5.5).

Vós não estais na carne, mas no Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós. Ora, se alguém não tem o Espírito de Cristo, este não é dele.” (Romanos 6.9).

E isto está conectado por Paulo, com a ressurreição dos santos.

Os crentes devem ressuscitar por causa da habitação do Espírito Santo, o que implica duas ressurreições distintas. Isso leva o Apóstolo a testificar sobre nossa espera pela redenção dos nossos corpos. “Nós não temos recebido o espírito do mundo, mas o Espírito de Deus” (1Co 2.12; 3.16). É o penhor do Espírito em nossos corações, testificando nossa filiação como sendo de Deus (Rm 8; 2Co 1.22; 5.5; Ef 1.14).

E provaram a boa palavra de Deus, e os poderes da era vindoura.” (vv. 4, 5).

Essas duas qualificações estão intimamente ligadas pela conjunção incomum grega (τὲ), que marca a conexão interna.

O que é então: “A Boa Palavra de Deus”?

1. Creio que se refere a doutrina da gloriosa vinda do Reino de Deus que é o segundo Evangelho de Deus. Estas são “boas novas”, e são distintas das duras verdades a serem primeiramente proclamadas aos ímpios.

2. Assim, somos colocados de volta à “ressurreição dos mortos” como uma das verdades recebidas. O reino e sua glória se abrem na primeira ressurreição.

3. O Antigo Testamento parece usar a expressão: “A boa palavra de Deus”, especialmente em referência à vinda da era da glória ou aos antepassados, quando Israel entrou pela primeira vez na terra da promessa sob Josué. “Nada falhou daquilo de bom que o Senhor havia dito” (Js 21.45; 23.14). “Com o coração vibrando de boas palavras recito os meus versos em honra do rei... Falo das coisas que fiz tocando o rei” (Jr 29.10; 32). Quando uma pequena imagem da glória milenar foi revelada no Monte da Transfiguração, “Mestre, é bom estarmos aqui” saltou aos lábios de Pedro (Mt 17.4).

4. Isso, também, está em estreita harmonia com o que se segue: “Poderes da era vindoura”.

Tais boas novas de Deus foram “provadas” com verdadeiro prazer. Há uma pequena peculiaridade aqui na gramática que acrescenta uma confirmação. A ocorrência anterior da palavra “provado” no quarto verso estava ligada a um genitivo; esta está ligada a um acusativo, no grego. O “provar” na primeira instância pode ser considerado menor, menos extenso e menos profundo do que este aqui. Agora, o Salvador observa que a entrada da boa “palavra do reino” nas almas de muitos produz “alegria” (Mt 13.19,20; Mc 4.16).

O sentido da expressão “poderes da era vindoura” é facilmente compreendido. Os dons sobrenaturais então concedidos à fé eram primícias do derramamento do Espírito Santo que, no dia milenar, será concedido a toda carne.

Esses dons testemunhavam de Deus que aqueles que possuíam tais poderes estavam a caminho do dia de glória e recompensa. Além disso, pertenciam a ele.

A participação no Espírito, tanto em Suas operações externas quanto internas, marcava-os como parceiros “de [o] Cristo”, o Rei do reino vindouro (Hebreus 3.14).

Mas, talvez você possa dizer: “você já explicou anteriormente o dom celestial desses poderes sobrenaturais”. Verdade; mas essas duas visões têm relação com duas grandes partes do esquema de Deus.

1. Vida Eterna. O dom de Deus.

2. Reino Milenar. Recompensa de Deus.

Vale notar que os dons sempre têm dois aspectos em relação a essas duas verdades. No “dom celestial” é possível perceber o selamento deste discípulo para a vida eterna, e sua aceitação das verdades. Dentro deste aspecto da verdade temos Gálatas que traz a marca daquele que é justificado, mas não por obras, e sim pela fé. (Gl 3.2-5). Porém, o selo do Espírito também tem uma referência ao Reino do Milênio.

E este é aquele aspecto especial do cristianismo que a Epístola de Hebreus traz diante de nós, e, que trabalha para nos impressionar. Aqueles que “provaram” as uvas e figos dos espias, eram homens que haviam deixado o Egito sob Moisés, e estavam perto da terra da promessa.

Veremos mais adiante por que tanta ênfase é dada a esses dons sobrenaturais do Espírito Santo, no caso do apóstata. A posse deles por tais foi um testemunho mais poderoso para a realidade das verdades de Cristo, e para a realidade do Espírito Santo enviado do alto por meio de Cristo.

A Impossiblidade de Arrependimento

6. “E depois caíram, impossível é renová-los outra vez para o arrependimento (…)” [TB].

Não temos no Novo Testamento nenhuma outra ocorrência exata desta palavra que foi utilizada aqui. Embora, o substantivo significa uma “transgressão” de um tipo que só pode ser resumida como algo “muito pesado”, desproporcional, tal também aparece semelhantemente na LXX conforme Ezequiel 20.27.11

A partir de que momento ocorre a queda? Da fé nos seis artigos [secionais] anteriores, e da confissão de Cristo pelo batismo, e pela recepção dos dons milagrosos. Só assim haverá algo do que cair.

Se tudo o que foi recebido constituiu-se um cristão naqueles dias apostólicos, então a advertência é cheia de força. Um ato do passado que constituía apostasia, é algo que é concluído em um determinado momento especial; isso fica implícito pelo uso do aoristo.

Supõe-se uma entrega total à verdade cristã; portanto, também de uma queda total em relação à comunhão plena com a Igreja de Deus, que adorava a Cristo, para a sinagoga, que O odiava e O amaldiçoava.

Impossível é renová-los outra vez para o arrependimento” [TB].

Alguns forçam esquematizar uma suposição de que se trata de um “mero professo” não possuidor de vida espiritual, mas isso é insustentável. A pessoa descrita foi de uma vez por todas renovada em arrependimento. Ele estava vivo, mas morreu espiritualmente. A vida não poderá o visitar novamente.

Se o primeiro arrependimento não trouxe vida espiritual, não foi de fato renovação espiritual. E uma recorrência de tal falsidade pode acontecer uma dúzia de vezes — o que tornaria tal impossibilidade garantida?

Mas a coisa supostamente impossível é de uma segunda transmissão de vida espiritual não de uma primeira. Portanto, a primeira deve ter sido uma verdadeira renovação do homem.

Mas não podemos juntar o “outra vez” à palavra anterior; afinal eles caírem outra vez?

Se assim for, então apenas a segunda queda seria incapaz de perdão! Isso não vai agradar nem aos nossos adversários, nem à passagem. Mas a palavra “renovar” por si só levará à conclusão.

Renovação do Novo Testamento refere-se à ação interior do Espírito em desviar o pecador de Adão para Cristo. Isso nunca é feito sem a posse da vida espiritual, possuída como consequência daquela.

“Não mintais uns aos outros, uma vez que vos despistes do velho homem com os seus feitos e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou.” [Colossenses 3.19 - ARA].

“…De acordo com Sua misericórdia, Ele nos salvou pela lavagem da regeneração e renovação do Espírito Santo.” (Tito 3.5; Romanos 12.2).

A coisa que não pode acontecer uma segunda vez é a renovação espiritual interior. Então isso deve ter ocorrido uma vez anteriormente, senão a impossibilidade não tem fundamento.

Depois de receber todas as verdades principais de Cristo e a habitação do Espírito Santo em graça e poder, e então renunciar a todas elas, não há mais sacrifício pelo pecado, nenhum perdão, nenhum sistema maior vindo com evidência superior para operar na alma do pecador. A recusa de Cristo e do Espírito de Deus é perdição absoluta. O homem não pode renovar tal: Deus não O fará!

Nesta passagem há duas coisas a serem observadas:

1. Temos, primeiro, a declaração doutrinária — os seis artigos. Estes, por assim dizer, seriam as pedras mais caras do palácio.

2. Então tais pedras devem ser a aceitação que torna alguém em um discípulo. Isso é uma coisa prática. É o assentamento com o cimento que faz a junção, na ordem correta, dessas pedras.

Isto implica receber os ritos de Cristo e unir-se ao Seu povo.

Não pode haver arrependimento de obras mortas sem o início de obras vivas; ou da fé em Deus, sem que o homem deixe a incredulidade e sua morte espiritual.

Ninguém pode tomar os dois batismos a não ser os que creram.

Todos aqueles a quem o apóstolo estava escrevendo de fato receberam todas as doutrinas mencionadas, e nelas o fundamento foi praticamente colocado, tomando assim sua posição por Cristo. Caso contrário, ele não os teria chamado, para avançar além dela.

O que seria, então, a apostasia?

Seria a renúncia dessas doutrinas e ritos, e o abandono da comunhão do povo cristão.

Os judeus cristãos foram chamados, portanto, a avançar no conhecimento.

Já que eles haviam recebido o leite do Evangelho: busquem [agora, então] seu alimento sólido. Não seguir em frente é ficar para trás; ficar para trás é correr o risco de cair.

Quão perigoso, então, é o estado de muitos agora! Não temos os dons do Espírito Santo (ou o segundo batismo). E muitos recusam o primeiro batismo, e assim nem mesmo se lançará o fundamento. Que perigo de desistir até mesmo da luz que eles têm!

v.6: “Vendo que eles crucificam para si mesmos de novo o Filho de Deus, e O colocam em vergonha pública.”

Os judeus nacionalmente crucificaram Jesus. Um ato de rejeição e ódio tando deles quanto de seus filhos; mas não é disso que o apóstolo está tratando aqui.

Não houve culpa individual e especial do tipo descrito aqui, pois a crucificação foi nacional; portanto, haveria perdão individual ao judeu.

Quase todos os primeiros cristãos da Igreja Apostólica em Jerusalém provavelmente participaram desse ato de sua nação, mas mesmo assim vieram a se tornarem crentes.

Entretanto, as palavras acima falam de algo muito mais peculiar, especial e individual.

As partes supunham, que em um momento deixaram essa posição da culpa nacional.

A fé na cruz de Cristo, o batismo e a unção com os dons miraculosos os tiraram definitivamente da posição de sua nação, e os associaram publicamente com Cristo e Sua assembleia.

Chamados pelos apóstolos para o arrependimento deste ato de pecado nacional, e, eles obedeceram e se arrependeram. (At 2.36-38; 4.10).

Mas essas palavras supõem que o homem está deixando Cristo e Sua Igreja e se juntando à assembleia de Seus assassinos. Aquele que uma vez possuía Jesus como o Filho de Deus, pela obediência e adoração, agora clamava “Blasfêmia” nas atestações do Salvador à Sua filiação divina! (Mt 26.63).

Jesus era, para ele, alguém merecedor de apedrejamento por causa de sua blasfema declaração de Divindade.

Não existe uma “meia decisão” com respeito a nosso Senhor; é adoração ou a cruz! Os apóstatas, dessa forma, crucificaram “o Filho de Deus novamente.”

Na medida do possível, eles encenaram novamente aquela cena de pecado. Eles acabam tendo destaque especial do restante de sua nação ao praticar tal ato pela segunda vez.

Só assim poderiam fazê-lo “por si mesmos” e expor o Salvador à vergonha pública. É possível, e bem crível, que esses judeus inimigos de Cristo exigissem destes, antes de serem recebidos novamente na sinagoga, uma retratação pública e uma proclamação blasfema de Cristo.

Essa renúncia de Cristo afastou do apóstata o Espírito Santo. Esse apóstata, que antes havia recebido o dom sobrenatural do Espírito, agora deveria considerar que, sendo Cristo um blasfemador, o Espírito que ele possuía seria, então, um espírito maligno. Esse é justamente o pecado imperdoável: a blasfêmia contra o Espírito Santo. “Como o tempo presente do texto indica, essa era a postura contínua desses perdidos: ‘Eles o crucificam’ e ‘o expuseram à vergonha pública’.”

Um evento ocorrido em 1647, em Amsterdã, ilustra e confirma essa visão: um judeu chamado Uriel Dacosta professou fé em Cristo e, por isso, foi excomungado duas vezes pela sinagoga. A segunda excomunhão durou sete anos. Ao final desse período, ele foi persuadido a retornar à sinagoga e a renunciar a Cristo publicamente. No dia designado, Dacosta se apresentou vestido de luto, com uma vela acesa nas mãos, e subiu ao púlpito para ler sua renúncia pública ao cristianismo.

Após isso, ele foi levado a um canto e despojado de suas vestes, exceto o cinto. Em seguida, foi amarrado a uma coluna e duramente açoitado. Depois, forçado a deitar-se na entrada, teve seu corpo pisoteado e cuspido por toda a congregação que passava sobre ele. Profundamente abalado com esse tratamento inesperadamente bárbaro e ultrajante, ele encerrou sua própria vida pouco depois. (“McCaul on the Hebrews”, p. 3).

Esse caso, embora notável, não se compara à intensidade do exemplo que estamos abordando. Note que não havia batismo nem dons do Espírito Santo, e, portanto, não necessariamente houve a prática de blasfêmia contra o Espírito Santo. Ele não foi forçado a reconhecer que essa Presença seria, em si, um espírito maligno, nem tampouco a blasfemar, pois talvez nem houvesse recebido tal Presença.12

A conexão entre o esquema doutrinário, e a aceitação dele por aqueles a quem Paulo estava escrevendo, é mostrada pela palavra “para” (ver. 4).

Os versículos quarto e quinto oferecem outra perspectiva dos mesmos fundamentos, apenas agrupados de maneira a revelar os resultados práticos de sua aceitação. Os cristãos hebreus foram “iluminados” antes de serem batizados com água, percebendo que toda a sua vida anterior, incluindo toda a religiosidade, era morte diante de Deus.

Eles aceitaram o testemunho de Deus a respeito de Seu Filho; isto é, receberam luz! Depois vieram os dois batismos: a imersão nas águas e o do Espírito. Esses mesmos batismos são descritos nos versículos quatro e cinco como a “participação do dom celestial” e, assim, a habitação do Espírito de Deus.

“A ressurreição dos mortos” e o “julgamento” que se seguiu levaram-nos a crer que a Era da Glória estava próxima. Eles viram, para sua alegria, que o “dom celestial” do Messias era seu selamento para a glória milenar, para a qual foram chamados a avançar.

7. “Pois a terra que bebeu da chuva que muitas vezes cai sobre ela, e produz ervas úteis para aqueles por quem também é cultivada, recebe a bênção de Deus. Mas, se tiver espinhos e abrolhos, será rejeitada e perto de uma maldição, cujo fim é ser queimado.” (Tradução adotada por Govett).

Esta figura coloca a questão sob uma nova luz, e introduz o caso dos verdadeiros crentes também. Pois os crentes estão sob a provação de Deus, não com respeito à obtenção da vida eterna, mas com respeito à recompensa, ou à recompensa no dia seguinte: mesmo que a terra esteja sob julgamento perante seus proprietários e inquilinos. Dois tipos de energia são colocados sobre ela: (1) a celestial; e (2) a terrestre.

1. O céu envia sua chuva e o sol brilha sobre ela. Isto responde ao “dom celestial” — antes de ser nomeado como outorgado. Ele é realmente recebido. Como a terra bebia da chuva, assim as partes aqui descritas “provaram” a dádiva celestial, e “os poderes da era que está por vir”.

2. Além disso, havia a lavoura do homem — arar, semear, gradar, capinar. Deste duplo dispêndio por parte de Deus e do homem, esperam-se, com justiça, bons resultados.

Isto, então, confirma tudo o que já foi dito antes sobre os apóstatas em questão. Afinal, Deus os havia dotado sobrenaturalmente ao se unirem à Igreja de Cristo. E os servos de Cristo os haviam instruídos e dado luz a eles na doutrina do Filho de Deus. Eles eram considerados como irmãos e tratados como tal.

Mas, depois desse duplo dispêndio com a terra, pode haver dois resultados. O ordinário, como referido à terra, é o seu cultivo de ervas, úteis aos lavradores e seus senhores. É um resultado contínuo, habitual, portanto, o presente é usado. “Produz ervas úteis”. Aqueles que foram ensinados tornaram seus instrutores na Palavra participantes de todas as coisas boas do mundo; e louvores a Deus e a seu Filho subiam continuamente de seus corações. Assim também o escritor da Epístola exercia o seu cultivo dos cristãos hebreus.

E tal instrução poderia continuar sempre; enquanto a renovação poderia visitar um homem apenas uma vez. O resultado de tal prova da terra é: “Bênção de Deus”. “Veja, o cheiro do meu filho é como o cheiro de um campo que o Senhor abençoou” (Gênesis 27.27). Isso corresponde à recompensa da glória milenar que o Altíssimo concederá aos cristãos fiéis e frutíferos. “Bendito e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição”. Entra na alegria do teu Senhor “na primeira ressurreição” (Mateus 25.23; Tiago 1.12).

Aqui, o Apóstolo aborda o último dos seis artigos — o “juízo eterno” — que ele coloca por último dos seis e à parte dos outros; assim como também é tratado em uma ilustração separada. Agora temos o resultado oposto dessa prova. Se, apesar desse duplo benefício para a terra, apenas resultados ruins se seguiram, tanto em relação ao homem quanto a Deus, seu destino era justo.

Se, em vez de amor e ajuda, a Igreja e seus servos recebessem apenas descuido, desobediência, problemas e ódio quando repreendidos, eles deveriam ser recusados. Tanto Deus quanto o homem os rejeitariam, assim como certamente aprovavam os outros.

Às dificuldades enfrentadas pelos pastores e líderes da Igreja em Jerusalém, há uma alusão no último capítulo desta Epístola: “Obedecei aos que têm a regra sobre vós e sujeitai-vos; porque velam por vossas almas, como aqueles que hão de dar conta delas; para que o façam com alegria e não gemendo, porque isso não vos seria útil” (versículo 17). De uma carreira pecaminosa desse tipo, temos um vislumbre, eu acredito, em Alexandre, o cobreiro (veja meu panfleto, “Os Últimos Dias e a Primeira Ressurreição”).

Tais estavam perto da “maldição”. Pois a era vindoura, na qual a sentença eterna será pronunciada, está próxima; e tal comportamento maligno continuava aproximando esse terrível resultado a cada dia. O Salvador, em última instância, terá que pronunciar a sentença: “Apartai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno”.

Disso, uma figura natural é apresentada quando é necessário queimar a terra para limpá-la de ervas daninhas e abrolhos.13 Esse é o “FIM” da terra do mal.

A provação da misericórdia, está implícita, não vai além desta vida. As partes envolvidas diante do Apóstolo são as que estão em comunhão com a Igreja que está em Jerusalém.

Ambas as classes estão igualmente sob as condições favoráveis atribuídas à terra; diferem apenas nos resultados. Tal alternativa de bênção ou maldição pode ser atribuída a eles de acordo com sua conduta, mesmo que resultados opostos possam ser vistos na natureza. Nesse design, então, eles deveriam perceber sua própria advertência solene. Ninguém poderia negar a justiça do prêmio para cada um dos resultados, respectivamente.

O Apóstolo, ao continuar com suas palavras, autentica esta visão. Ele havia encontrado bons frutos produzidos pela Igreja em Jerusalém; embora houvesse, ao que parece, alguns que publicamente renunciaram a Cristo e blasfemaram contra Seu Espírito.

Vamos, então, sintetizar o argumento apostólico. A dificuldade desta passagem é, portanto, moral e espiritual, e esta porção parece bem distinta de outras declarações da Palavra de Deus.

Esta Epístola foi recusada em Roma; mas não foi, creio eu, com base em uma possível falta de evidência de Paulo ser seu autor, mas porque o ensino em vários lugares desta Epístola parece contradizer passagens de Romanos.

Há dois estilos diferentes de exposição que ousam interpretar esta passagem, cada um mantendo suas convicções: são as perspectivas arminiana e calvinista. Se o expositor for calvinista, sua meta será provar que tal indivíduo mencionado na passagem nunca obteve vida espiritual. Portanto, seu consenso segue uma linha pela qual o homem deverá cair para que não permaneça nenhum apóstata, assim como nenhum pecado imperdoável.

Mas o que deve ser feito primeiro é pesar e medir, como fizemos, as declarações da passagem, e só depois ver se elas podem ser conciliáveis com a perseverança dos santos.

De agora em diante vou examinar a opinião do Sr. Darby sobre o assunto.14 . Ele imagina que o Apóstolo está se dirigindo a eles como crentes judeus que, ainda, estavam apegados àquela antiga forma mosaica de religião, que não precisavam de fé individual no que se refere a receber.

Eles foram mantidos na infância por essas verdades legais e sua observância da lei; ou seja, permaneciam infantis nas práticas judaicas. Paulo os chamaria para longe dessas visões de Cristo, que eles encontravam apenas pelo Antigo Testamento, e os levaria à visão completa da glória exaltada de Cristo.

Dessa maneira, então, os seis artigos apresentados nos primeiros e segundos versículos referem-se a um Cristo que ainda não veio; já os versículos quarto e quinto, pelo contrário, falam de verdades e privilégios decorrentes do Cristo glorificado.

No que diz respeito à pessoa que cai, ela tinha que ser uma pessoa que ficou sob o poder do Espírito Santo, vendo os milagres e ouvindo a poderosa pregação dos apóstolos, energizada por uma plena inspiração. Mas ela nunca teve, de fato, vida espiritual. Se depois de ter reconhecido Jesus como o Messias, ela abandonou o judaísmo, ela não poderia ser renovada novamente nem ao judaísmo, tampouco ao cristianismo. Pois agora as coisas antigas da Lei haviam perdido seu poder; e do Novo Pacto ele desistiu”.

Contudo, embora isso possa de certa forma resolver a dificuldade de reconhecer a perdição de um santo, tais declarações se desviam amplamente da passagem. É evidente que Paulo, nos versículos 11 a 14 do capítulo anterior, não está advertindo os hebreus por permanecerem nos primeiros princípios do judaísmo, mas sim do cristianismo. Considerando os anos em que foram cristãos e já haviam deixado o judaísmo, eles deveriam agora ser capazes de ensinar – e obviamente, não sobre o judaísmo, mas sobre o cristianismo. Ele está repreendendo-os por se manterem apenas nas “verdades simples” do cristianismo.

(Esta é a mesma situação de nossos dias e aponta para uma grande decadência da fé cristã, cujo perigo cresce a cada ano, tornando-se cada vez mais evidente.) Eles tinham o Antigo Testamento; e, como crentes em Cristo, o véu foi retirado de seus corações para que pudessem ver e estudar a glória de Cristo, conforme revelada sob o “véu” da letra de Moisés.

Este é o ponto em questão. O autor de Hebreus interrompeu sua exposição da glória do Filho de Deus, conforme testemunhada por Moisés, porque os ouvintes demoravam a compreender essas verdades mais profundas e não possuíam a fé necessária na Palavra de Deus. Os seis artigos dos dois primeiros versículos do sexto capítulo não são judeus, mas artigos cristãos. “A palavra de Cristo” significa cristianismo, como geralmente admitem os comentaristas. Ela abrange tanto a história de Cristo quanto Suas palavras.

A adição da expressão “a palavra de Cristo” indica que os primeiros princípios estão relacionados ao cristianismo e não ao judaísmo. Basta observarmos os quatro primeiros artigos, na ordem dada pelo Espírito, para perceber como os primeiros princípios do cristianismo são abordados e transmitidos: eles começam com João Batista, depois o Senhor, e, finalmente, com os doze apóstolos e Paulo, “testemunhando, tanto a judeus como a gregos, (1) arrependimento para com Deus e (2) fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (Atos 20.20). Em seguida, no ministério de Paulo, bem como dos outros apóstolos, os dois batismos distintamente cristãos são apresentados, os quais só começaram após a vinda de Cristo.

“Ouvindo isso [os doze discípulos de João, em Éfeso], foram batizados em nome do Senhor Jesus. E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo, e falavam em línguas e profetizavam” (Atos 19.4-6).

As pessoas aqui descritas correndo perigo certamente foram verdadeiramente convertidas. Elas foram iluminadas de uma vez por todas pelas verdades da fé. Possuíam vida espiritual, pois tinham sentidos espirituais, assim como bebês recém-nascidos. “Um bebê primeiro vê a luz, depois prova o leite. Ambos supõem vida.”

Elas viram a luz e “provaram” o leite de Deus. Como pode haver sentidos espirituais sem vida espiritual? Não podem ser levadas ao arrependimento uma segunda vez. Uma vez, portanto, foram levadas! Elas se uniram aberta e visivelmente à Igreja de Cristo pelo batismo.

Assim, fé e coração uniram-se à confissão da boca, e, portanto, estavam entre os salvos (Rm. 10). Receberam então a imposição das mãos dos apóstolos; e Deus os selou e os ungiu com dons milagrosos. Foram aceitas como identificadas com Cristo, tanto pelos homens quanto por Deus. Os dois batismos as afastaram pública e permanentemente da sinagoga e as trouxeram tanto para a Igreja de Cristo quanto para a instrução dos apóstolos e mestres.

Os privilégios e a posição (dos versículos 4 e 5) dos quais o apóstata cai estão ligados argumentativamente aos seis artigos (dos versículos 1 e 2) pela palavra “pois”, o que mostra que ambas as descrições referem-se ao cristianismo. A ilustração do julgamento da terra sugere a realidade de sua posição em Cristo, já provada acima. A chuva do Espírito foi recebida interiormente, e a lavoura da Igreja frutificou nele. As alternativas de bem e mal devem se aplicar ao mesmo terreno. A questão do julgamento pode ser uma coisa ou outra.

A menos que se permita que a identificação do renegado com Cristo e Sua Igreja seja completa, a argumentação em cada ponto se enfraquece. Vejamos:

(1) Se o homem nunca foi realmente convertido, ele pode ser convertido por Deus a qualquer momento. Contudo, a impossibilidade está relacionada à renovação para arrependimento “uma segunda vez”.

(2) Se ele não fosse um cristão visível, pela sua própria escolha e aceitação dos ritos e dons do cristianismo, seu afastamento de ouvir a Palavra teria pouca importância, tanto para incrédulos quanto para crentes. É devido à sua adoração e serviço a Cristo após o arrependimento (como um hebreu que participou da crucificação d’Ele) que ambos, amigos e inimigos, ficam chocados ao se depararem com sua apostasia.

(3) Se não houver identificação prévia com Cristo e Seu povo, não há apostasia e nem pecado imperdoável. Se ele nunca saiu da posição do judaísmo, não pode então crucificar Cristo uma segunda vez; e seu afastamento de ouvir as verdades do cristianismo pregadas não constitui uma exposição pública de Cristo à vergonha.

(4) Aplique qualquer critério de advertência a um negligente culpado que supostamente não tem fé nem apostolado, e toda a força dessa advertência para um crente se perde de imediato. Tudo que precisaria ser dito seria: “Veja, portanto, se você de fato é um cristão, pois, se for, esse medo não o atingirá, afetando apenas incrédulos”. Qual seria então a necessidade de tal advertência estar registrada e ser aplicada aos cristãos se a possibilidade de um cristão cometê-la fosse nula?

(5) Agora, se este fosse o ensinamento do Apóstolo, todo o seu argumento deveria ter sido formulado de forma diferente. Ele teria dito: “Enquanto pronuncio essas advertências solenes, elas não são dirigidas a vocês, verdadeiros discípulos de Cristo, mas apenas aos ‘professores’ entre vocês”. Em vez disso, ele expressa claramente o oposto ao dirigir-se aos santos de Cristo, dizendo que têm produzido frutos aceitáveis aos homens e aprovados por Deus (vv. 9, 10).

Por outro lado, o Sr. Darby expressa sentimentos opostos aos do apóstolo:

Em um caso como este, havia apenas a carne; não havia nova vida. Espinhos e abrolhos estavam sendo produzidos, como antes. Uma vez que entendemos que esta passagem é uma comparação entre o poder do sistema espiritual [isto é, o cristianismo] e o judaísmo, e que fala de abandonar o primeiro [cristianismo, por alguém que nunca realmente o aceitou!], sua dificuldade desaparece”.

De fato, essa dificuldade desaparece, mas apenas para introduzir outras que não podem ser resolvidas. Como, então, você escapa da armadilha? Como a perseverança dos santos é verdadeira, apesar desta passagem? Você rejeita a visão arminiana e aceita a calvinista: como escapa da consequência? Um santo pode cair definitivamente?

Em resposta, começo confessando que aqui é declarado um perigo real de perdição eterna para os verdadeiros crentes. Se a vida espiritual for perdida uma vez, não há recuperação. Se Cristo e o Espírito Santo forem rejeitados, resta apenas a condenação sem remédio.

É possível, devido ao mal interno da carne, que um cristão caia. É provável que isso aconteça, se considerarmos a força das forças externas que estão contra ele. Existem poderosas forças atuando fora do crente, capazes de obscurecer essa luz e destruir essa nova vida. O mundo e o diabo, se em sua força total fossem soltos sobre a carne do cristão, prevaleceriam para destruí-lo. E algumas dessas forças estavam operando com mais intensidade naquele tempo do que em nossos dias.

A salvação tem dois lados: conforme se refere (1) à graça de Deus ou (2) à responsabilidade do homem. E, nesta Epístola, a salvação é vista como algo futuro, dependendo da responsabilidade humana. Vemos o assunto sob o ponto de vista das justas exigências de Deus sobre os crentes. Mesmo quando as promessas de Deus precedem, tornando o fim certo, há responsabilidade por parte do homem quanto ao uso dos meios. Vamos tomar um exemplo. Jeová promete a Ezequias mais quinze anos de vida. Poderia então o rei dizer: “Como Deus me prometeu isso, não vou comer, beber ou dormir”? Ali está o Jordão. Embora eu não saiba nadar e sua correnteza seja forte demais até para muitos nadadores, vou me lançar nele e não sofrerei nenhum dano. Suponho que todos diriam que isso seria um pecado grave — tentar a Deus.

A promessa da parte de Deus pressupunha a cooperação de Ezequias. Deus não avisa Ezequias de que ele morreria se não comesse, bebesse e dormisse, pois havia forças internas no rei que o levavam naturalmente a fazer essas coisas. Mas aqui, já que existiam e ainda existem forças poderosas tentando levar o crente à perdição, o aviso é justo: “Lance-se daquele penhasco, e você será despedaçado, pois não há nada que segure sua queda por mil pés!” Portanto, embora a consequência seja verdadeira com base na suposição apresentada, o resultado terrível não ocorre.

Os eleitos de Deus prestam atenção ao aviso e escapam da destruição. A perdição real de um eleito por Deus para a salvação nunca aconteceu e nunca acontecerá. “Se estes não permanecerem no navio, vocês não poderão ser salvos”. (1) Confie em Deus, como se tudo dependesse d’Ele. (2) Cuide de si mesmo, como se tudo dependesse de você! Embora forças capazes de destruí-lo estejam ativamente em ação, você é mantido (1) pelo poder de Deus, (2) por meio da fé da sua parte, para a salvação. Confie no Senhor e mantenha sua chama!

Esta passagem foi, certa vez, o centro de um forte conflito. Na perseguição aos cristãos pelos imperadores romanos, não poucos, sob a pressão de ameaças, prisão e tortura, sacrificaram aos ídolos pagãos. Poderiam esses ser restaurados ao seu lugar na Igreja? As opiniões estavam divididas.

Qual decisão essa passagem oferece sobre a questão? (1) As pessoas que caíram dessa forma eram realmente convertidas a Deus? Esta era uma questão que, nos dias de Constantino, e por algum tempo antes, parece ter sido quase esquecida. A profissão de fé, junto com a Igreja “assim chamada”, seus ministros e ritos, tomou precedência sobre tudo.

Agora, se os que apostataram não foram verdadeiramente convertidos ou iluminados, o caso falha desde o início. Naquela época, “iluminação” passou a significar “ser batizado”! (2) Além disso, naquela época, ninguém era participante dos dons sobrenaturais do Espírito, que figuram de maneira tão significativa nesta descrição e cuja presença acarretava o pecado imperdoável. (3) Os cristãos nominais geralmente não acreditavam no reino milenar e, por isso, estavam muito aquém da plena compreensão dessa verdade. (4) Além disso, os ofensores não caíram espontaneamente. Eles sacrificaram por medo. (5) E, assim que esse medo foi removido, eles se arrependeram e pediram novamente admissão entre os adoradores do Crucificado. Sua posição, então, era completamente diferente do desprezo impenitente e da desobediência dos apóstatas descritos aqui. O pecado dos ofensores era tão perdoável quanto o de Pedro.

Nesta passagem, duas coisas devem ser especialmente consideradas: (1) a posição elevada original do apóstata; (2) sua atitude após a queda.

É apenas a grandeza do intervalo entre o amor e a adoração a Cristo no início, e o ódio e a desobediência no final, que torna a recuperação impossível. Se considerarmos (por suposição) a remoção da posse interna anterior de vida e amor, também removemos a impossibilidade de renovação e perdão. Ao tirar a posição elevada, você também remove a queda terrível. Na verdade, não há uma verdadeira queda. O homem permaneceu no mesmo nível de descrença durante todo o tempo.

Essa apostasia é apresentada em conexão com o ofício de Jesus como Sacerdote. A queda d’Ele como Líder envolve apenas a perda de uma glória especial. Mas a recusa d’Ele como Sacerdote resulta em perdição eterna.

9. “Mas estamos persuadidos a seu respeito, amados, de que há uma alternativa melhor e coisas próximas da salvação, embora falemos assim. Pois Deus não é injusto para esquecer sua obra e o amor que vocês demonstraram ao Seu nome, ao ministrarem aos santos e ainda o fazem.” (Versão de Govett).

Foi observado com razão como essa mudança para palavras de ternura e graça, após palavras de severidade, é semelhante ao estilo de Paulo (Rm 15.14). Embora ele os advertisse de maneira tão severa, ainda estava persuadido de que eram renovados, filhos de Deus. Ele podia olhar para suas boas obras como evidência de que eram a boa terra, prestes a receber a sentença de bênção de Deus. Ele os considerava como “amados”. Este é o único lugar na Epístola em que os nomeia assim, mas desejava que soubessem que a severidade de sua advertência não vinha do ódio, mas do amor.

Esta palavra não era para ele, como frequentemente acontece hoje, uma mera formulação em um discurso para crentes. Era uma nova afeição gerada pelo Espírito Santo, resultado da nova relação em Cristo, que Sua energia onipotente havia efetuado. Esses bons frutos mostravam que estavam perto da salvação e não “perto da maldição”. Eles estavam próximos de alcançar a glória de Deus no dia da primeira ressurreição.

Mas ele não retrataria suas palavras. Havia um verdadeiro perigo diante deles, resultante de sua indolência espiritual e retrocesso. Não se tratava de “Minhas palavras se dirigem a professos hipócritas e a autoiludidos. Se vocês realmente pertencem a Deus, essas palavras não se aplicam a vocês”.

Deus não se esquecerá, como o homem, dos benefícios realizados em Sua causa; mas, de acordo com Seu próprio tempo e maneira, recompensará até mesmo o copo de água fria dado a alguém que pertence a Cristo. Consideramos um mérito do rei medo-persa o fato de que ele (embora tardiamente) recompensou com honra a descoberta de Mordecai sobre uma trama contra sua vida (Ester 6).

Mas os cristãos hoje parecem ter deixado de lado as recompensas que Deus menciona como sendo um dia a serem concedidas aos Seus fiéis. “Isso não é mercenário?” Primeiro, amigo, não temos que corrigir o Livro de Deus, mas recebê-lo. Em segundo lugar, as recompensas de um Pai para seus filhos não são mercenárias. A recompensa começa após a aceitação pela fé da obra de Cristo para a vida eterna. “O trabalhador é digno de seu salário” (1 Tm 5.18). “Aquele que colhe recebe salários e ajunta frutos para a vida eterna, para que o que semeia e o que colhe se alegrem juntos” (Jo 4.36).

Esses cristãos hebreus estavam realizando a obra de Deus,15 após terem primeiro aceito Seu Filho. Portanto, no dia vindouro, não seriam excluídos da bênção como “servos inúteis”. Trabalhando com Cristo, eles descansariam com Ele. Israel estava rejeitando completamente o novo nome de Deus, descontentando-O e odiando os homens.

Mas esses agiam a partir do verdadeiro motivo: o amor a Deus. O amor deles pelos irmãos, a quem viam, demonstrava a realidade do amor a Deus, a quem não viam. Os membros de Cristo ainda se encontram na terra, e servir a eles é servir ao seu Grande Cabeça.16

Este dia é o dia de serviço; o vindouro é o dia de recompensa. Eles não apenas realizaram esses atos de serviço no passado, mas ainda os estavam realizando.

“Mas, se é assim, por que esses severos avisos e ameaças?”

11. “Mas desejamos que cada um de vocês demonstre a mesma diligência até o fim, com vistas à plena certeza da esperança, para que não se tornem preguiçosos, mas imitadores daqueles que, por meio da fé e da paciência, estão herdando as promessas.” (Versão de Govett).

A Certeza Plena da Obediência

Alguns entre os cristãos hebreus estavam quase no nível que Paulo desejava: diligentes, com o objetivo de alcançar (como ele) um lugar na ressurreição dos justos. Mas esses eram a exceção. Ele buscava incentivar os que estavam ficando para trás a retomarem seus lugares na linha de frente. Se dependesse dele, nenhum dos soldados de Cristo seria desaprovado no dia vindouro. “Eu quero que vocês, não apenas evitem ficar para trás, correndo o risco de desertar, mas avancem em direção às recompensas de Deus, no dia em que os aprovados de Cristo receberão o prêmio de seu chamado.” O zelo deles deveria durar até o fim (2 Pe 1.10–19). Ele queria que mostrassem toda a diligência (1) em alcançar o conhecimento de Cristo e (2) na prática de boas obras. Vemos o quão fervorosamente o apóstolo se empenha em reavivar, de todas as formas, a fé deles no vindouro reino milenar e em suas recompensas.

A esperança da recompensa e da glória na aparição do Salvador fortalece continuamente a alma, enquanto os crentes caminham na obediência da fé. Vemos essa diferença no próprio Paulo. Na Epístola aos Filipenses, ele podia dizer que, embora não tivesse certeza da glória milenar, pelo menos estava prosseguindo em direção a ela (Filipenses 3.10–14). Mas suas últimas palavras, da prisão úmida e sombria de Roma, foram de forte confiança de que “o Justo Juiz” o coroaria como vencedor na batalha (2 Timóteo 4).

É interessante notar aqui a diferença entre a “plena certeza da esperança” e a “plena certeza da fé”, ambas expressões encontradas nesta Epístola, sendo que a terminologia em cada caso é de Paulo. No encerramento de seu argumento sobre o sacerdócio e o sacrifício de nosso Senhor, ele diz: “Tendo, portanto, irmãos, ousadia para entrar no Santo dos Santos pelo sangue de Jesus... aproximemo-nos com coração sincero, em plena certeza de fé” (Hb 10.19–22).

Aqui, a fé no sangue expiatório de Cristo é pressuposta como já plenamente possuída, o que nos dá ousadia para nos aproximarmos de Deus continuamente. Trata-se da confiança na obra completa do Filho de Deus, acerca da qual Deus expressou Seu pleno contentamento. Quanto maior a fé e mais completa a confiança da alma nisso, mais agradado fica o nosso Pai Celestial. (2) Mas a esperança traz à tona o nosso próprio trabalho e olha adiante para o dia da recompensa. O sentimento de esperança, então, se fortalece com a obediência e a busca constante pelo prêmio.

Paulo, portanto, nos incentiva a buscar a certeza plena. Ela deve ser buscada na obediência diligente, enquanto Deus nos chama no tempo presente, “hoje”. A obra de Cristo aceita produz a “plena certeza de fé”. Nossa diligência até o fim produz a “plena certeza da esperança”. A maioria dos cristãos tem uma ideia tão fraca da obra de Cristo e de seu próprio interesse nela, que estão apenas esperando que serão salvos, em vez de se regozijarem na certeza da vida eterna já assegurada, e de buscarem com esperança as recompensas oferecidas aos salvos (João 5.24).

Para que não vos torneis indolentes.”

Eles já foram diligentes; o apóstolo deseja que eles não “se tornem indolentes”, pois a diligência ainda era tão aceitável ao Mestre dos mestres quanto antes, e igualmente proveitosa para eles. Ele queria que seguissem os passos de seus grandes antepassados. Eles perseveraram na fé contra todas as perplexidades e ataques de incredulidade; seguiram seu caminho com paciência, apesar de todos os atrasos e obstáculos na jornada. Há necessidade de paciência. Pois “através de muitas tribulações, devemos entrar no reino de Deus [glória]” (Atos 14.22, grego).

” e “paciência” são os opostos morais do que é um murmúrio impaciente e da desobediência com base na incredulidade, que, como vimos, custaram aos israelitas uma grande perda: receber o deserto a glória que havia de vir.

O apóstolo usa uma expressão muito forte sobre a posição de seus notáveis antepassados. Ele fala deles como “herdeiros das promessas”. Em que sentido ele quer dizer isso? Ele nos assegura em outro lugar que os patriarcas “não receberam as promessas, mas as viram de longe” (Hb 11.13). Todos esses, tendo “não receberam as promessas, mas as viram de longe” (v. 39). O único sentido válido, então, é que eles tinham uma firme confiança na palavra da promessa, que certamente, no dia vindouro, lhes garantiria a posse do que foi prometido. Eles possuíam os títulos da herança, embora ainda não estivessem em posse dela. E isso é melhor do que as melhores heranças que os deste século possuem agora. Nos versículos que se seguem, o apóstolo justifica a expressão surpreendente que usou. E agora, o exemplo de Abraão se torna proeminente.

Nos versículos que seguem, o apóstolo justifica a expressão surpreendente que usou. E agora, o exemplo de Abraão se torna proeminente.

13. “Pois, quando Deus fez a promessa a Abraão, como não teve outro maior por quem jurasse, jurou por si mesmo, dizendo: certamente, abençoando, te abençoarei e, multiplicando, te multiplicarei; 15assim, tendo Abraão esperado com paciência, alcançou a promessa”. (TB).

A garantia de Abraão de uma glória milenar repousa no juramento de Deus! Mas como provar que se trata da glória milenar e não da eterna? A resposta está em parte da promessa de Deus: que o patriarca deveria possuir toda a terra de Canaã, a qual ele, em obediência ao mandamento de Jeová, deixou a sua terra natal. “Pela fé, Abraão, quando chamado para ir a um lugar que mais tarde receberia como herança, obedeceu” (Hebreus 11:8). Todavia, enquanto vivo, Abraão não obteve nem um pé dessa terra (Atos 7.5). Ele também não pode desfrutar da promessa enquanto for apenas um espírito separado, com seu corpo na caverna de Macpela e sua alma no Hades. Assim, Abraão deve se tornar Abraão novamente — com alma e corpo reunidos na ressurreição — para desfrutar da terra prometida. Este é o argumento que nosso Senhor apresentou aos saduceus para provar a ressurreição.

O escritor sagrado está se referindo ao juramento de Deus feito a Abraão após a última e mais difícil prova de sua obediência: oferecer a Jeová, Isaque, o filho da promessa. Ele o fez. Então “o anjo do Senhor chamou Abraão do céu pela segunda vez, e disse: ‘Por Mim mesmo jurei, diz o Senhor, porque fizeste esta coisa e não me negaste o teu filho, o teu único filho, que em bênção te abençoarei, e em multiplicação multiplicarei a tua descendência (1) como as estrelas do céu; e (2) como a areia que está na praia do mar; e a tua descendência [que é Cristo (Gálatas. 3.16)] possuirá a porta dos seus inimigos. E na tua descendência [que é Cristo] todas as nações da terra serão abençoadas, PORQUE OUVISTE A MINHA VOZ’” (Gênesis 22. 15–18).

Este exemplo, então, é relevante. A vida de Abraão terminou com plena certeza. Mas Abraão é o pai dos crentes. Eles devem andar na sua obediência de fé, e o prêmio é certo (Gálatas 3. 9; Romanos 4).

Assim, Abraão é o contraste com a sua descendência carnal. Eles provocaram e desobedeceram, até que o Altíssimo os excluiu da glória por meio de Seu juramento.

Jeová provou tanto Abraão quanto seus filhos de maneiras semelhantes. Por fim, veio a crise para ambos: (1) Para Abraão: “Ofereça o teu único filho da promessa.” Ele obedece.

(2) Então veio a palavra a Israel: “Subi, possuí a terra!”Eles respondem: “Por que o Senhor nos trouxe a esta terra, para cairmos à espada, e para que nossas esposas e nossos filhos sejam presa?” Eles se recusaram a colocar seus muitos filhos até mesmo ao risco aparente da guerra, e acusaram falsamente Jeová, que não havia pretendido exigir tal sacrifício deles. Aqui, então, nos sentimentos e na conduta contrastante, você tem a razão moral para o juramento de Jeová contra um e a favor do outro!

Este juramento de Deus pressupõe o adiamento da coisa prometida. Foi projetado para nos certificar de que, assim como a promessa está em Seu poder, Ele não esquecerá nem será desviado de cumpri-la. “Se Ele tivesse jurado pelo céu e pela terra”, diz alguém, “eu poderia ter temido, pois, assim como eles passarão, Sua palavra também poderia. Mas quando o Altíssimo jura por Si mesmo, que permanece para sempre, meus medos desaparecem”.

Este foi um juramento proferido sobre o único filho, Isaque, restaurado do altar. Aqui havia, em figura, a ressurreição, destinada a nos mostrar o melhor Filho e Herdeiro de Abraão, verdadeiramente ressuscitado dos mortos pela glória do Pai.

Duas palavras resumem a promessa: (1) bênção e (2) multiplicação. Duas graças deram origem à promessa: fé e paciência. A promessa abrange as duas grandes esferas do céu e da terra. A bênção terá dois caracteres: terrestre e celestial.

Este foi um juramento proferido sobre o único filho, Isaque, restaurado do altar. Aqui havia, em figura, a ressurreição, destinada a nos mostrar o melhor Filho e Herdeiro de Abraão, verdadeiramente ressuscitado dos mortos pela glória do Pai.

Duas palavras resumem a promessa: (1) bênção e (2) multiplicação. Duas graças deram origem à promessa: fé e paciência. A promessa abrange as duas grandes esferas do céu e da terra. A bênção terá dois caracteres: terrestre e celestial.

A “multiplicação” preencherá o céu e a terra. Pois aqui são vistos os três descendentes de Abraão: Cristo, o Único Herdeiro de todas as coisas.

“Tua descendência, que é Cristo.” Em seguida, os dois descendentes plurais: (1) Como as estrelas do céu — os ressuscitados dentre os mortos, brilhando e fixos em sua elevada morada. (2) “Como a areia da praia” — a descendência terrena que é: “Tua descendência depois de ti em suas gerações.” Cristo sendo o Único Descendente, sempre pré-existente. “Antes que Abraão existisse, EU SOU.”

Esses três descendentes Abraão verá em sua multidão, somente após ele ressuscitar dos mortos. Assim como ele abriu mão da bênção terrena a mando de Deus, ele a receberá de forma maravilhosamente aumentada e ampliada na ressurreição, quando “o século vindouro” abranger “a terra habitável vindoura”. Ele renunciou, ao comando de Deus, suas esperanças naturais de multiplicação, ao oferecer Isaque. Ele receberá uma posteridade inumerável, tanto de sua carne quanto de sua fé. A vitória para o Messias, seu Filho, é aqui prometida, e as nações da terra serão abençoadas durante o dia milenar em Abraão e em sua Descendência.

Abraão teve que esperar muito. Entre o primeiro chamado de Deus e a última promessa, passaram-se cerca de cinquenta anos. Havia pouco em sua vida que o fizesse pensar que era o centro de uma glória especial. Ele vivia em uma tenda, enquanto outros moravam em casas. Não tinha um pé de terra que fosse seu; outros eram senhores de vinhedos, olivais e campos. Ele não estava isento de provações. Mas estava contente em esperar pelo tempo de glória de Deus, que ainda não havia chegado. Assim, o Espírito Santo, com mão sábia, toca na doença espiritual que estava afligindo o povo de Cristo.

Eles estavam desistindo da esperança milenar e da vinda do Filho de Deus porque Ele não havia chegado tão rápido quanto esperavam. A paciência dos santos de Deus e sua fé em Sua Palavra são testadas agora. A maioria desistiu da esperança na vinda do Salvador, e muitos rejeitam a doutrina do milênio. “O homem trará a bênção universal”. Mas todas essas expectativas acabarão em decepção e desespero.

Abraão, após sua longa paciência, “obteve a promessa” — o juramento que comprometeu Deus a não se retratar e que traz consigo todas as promessas anteriores. Aqui, então, temos um comentário sobre “herdar” as promessas. Trata-se de obter de Deus a maior garantia verbal para o cumprimento delas. Eu mostro a você um pedaço de papel: “Aqui estão mil guinéus”. “O quê! Você chama esse pequeno pedaço de papel de mil guinéus? Onde estão as moedas de ouro?” Estão, virtualmente, envolvidas nisso. É um cheque da Rainha nesse valor.

Mas alguns pensam que a promessa pode significar que Abraão está desfrutando de suas promessas “no céu agora”; ou, como espírito desencarnado, no Hades. Impossível! Abraão não pode estar na presença de Deus “despido” no céu. Nem, como um espírito desencarnado, pode ele desfrutar da Palestina. Não! Ele foi justificado primeiro pela fé (Gênesis 15), depois, no final, pelas obras (Gênesis 22). Mas, até a primeira ressurreição, as promessas não podem ser cumpridas para ele.

16. “Pois os homens juram por algo maior, e o juramento é para eles o fim de toda contradição, para a confirmação [da verdade].” (Tradução de Govett).

O que é um juramento? Trata-se de (1) uma AUTO-OBRIGAÇÃO sob (2) uma AUTO-MALDIÇÃO. O juramento convida a terrível vingança de Deus a recair sobre a pessoa que jura, caso ela não fale a verdade com perfeição. Por isso, ele invoca alguém maior que o próprio juramentado, para ser tanto testemunha da promessa quanto VINGADOR dela, caso seja quebrada. A maioria das pessoas, em sua ideia de juramento, deixa de lado essa característica essencial. O juramento é frequentemente promissório e refere-se às intenções da pessoa que o faz. É assim que ele é tomado nesta passagem. Deus deseja nos informar quais são Suas intenções e garantir que elas não serão alteradas.

Sob a Lei, os juramentos eram, em certos casos, ordenados aos israelitas. Um homem entrega a guarda de um boi ao seu vizinho. Depois, ele volta para reaver o animal.

“Foi embora!”

“Para onde?”

“Não sei. Acredito que foi roubado.”

“Jure que você não sabe o que aconteceu com ele.”

“Que a maldição de Jeová caia sobre mim, se eu souber!”

“Então, um juramento do Senhor será feito entre ambos, de que ele não colocou a mão nos bens do seu próximo; e o dono deverá aceitar isso, e ele não terá que compensar” (Êxodo 22.11).

Aqui, não há provas suficientes para decidir a questão, então um juramento era tomado, e o assunto ficava resolvido. O proprietário não deveria mais insistir, e o guardião não precisava restituir o animal desaparecido. Assim, Abraão colocou seu servo Eliezer sob juramento quando o enviou para procurar uma esposa para Isaque.

“Esse trecho não justifica os cristãos a fazerem juramentos?” Não, se eles desejam obedecer ao nosso Senhor e aos Seus apóstolos (Mateus 5). Não, a menos que queiram colocar em risco o dom de Deus, sua vida eterna, baseando-se em suas próprias ações e méritos. Não, a menos que não temam a vingança de Deus e tenham plena confiança de que a verdade habita em seus corações de tal forma que o olhar de Deus não detecte nenhuma falsidade neles. Não, a menos que queiram se colocar novamente debaixo da lei, afastando-se da graça e de Cristo. “Mas eu vos digo, NÃO JUREM DE FORMA ALGUMA” (Mateus 5.34; Tiago 5.12).

17. “Pelo que, querendo Deus mostrar mais abundantemente aos herdeiros da promessa a imutabilidade do seu conselho, se interpôs com um juramento, para que por duas coisas imutáveis,17 nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos firme consolação, nós, os que nos refugiamos para lançar mão da esperança proposta.” (Tradução de Govett).

Nessas circunstâncias, e em conformidade com esse princípio, o Altíssimo deu a Abraão Seu juramento. Se o juramento de um homem pode encerrar qualquer questionamento adicional sobre o ponto atestado, quanto mais o de Deus? A palavra do Todo-Poderoso já é segurança suficiente. Mas, em consideração graciosa à lentidão do homem caído em crer n’Ele, e à Sua própria aparente lentidão no cumprimento, Ele deu essa garantia.

Ele voluntariamente deu mais do que poderia ser exigido dEle, para que os homens pudessem confiar plenamente que Ele traria aquele dia feliz, do qual Ele havia falado tantas vezes. Ele desejava provar mais plenamente, por meio disso, a imutabilidade de Seu conselho. Nenhum cristão duvida que seja possível que Jeová ressuscite os mortos.

Mas o longo atraso não mostra que Ele esqueceu ou mudou de ideia? Aqui está a raiz da dúvida. É para acalmar isso que o juramento é dado. Pois Deus mudou Seus planos em momentos nos quais estavam condicionados à obediência dos homens. Quão grande é a diferença entre o Éden em sua glória e esta terra arruinada! O pecado de Eli desviou a glória do sacerdócio de sua família (1 Samuel 2:30).

O pecado de Saul quebrou o cetro de sua casa. O templo, o lugar de habitação de Deus, foi destruído e não existe mais. Mas agora, Deus, por meio de um juramento, deu garantia contra qualquer mudança deste Seu conselho. “Bênção e multiplicação na terra da promessa, a Palestina, abrangerão Abraão ressuscitado dos mortos e seus descendentes”. E o tempo deste período abençoado está fixado. É “o sétimo dia”.

Observe, também, como os três juramentos desta Epístola se sobrepõem e sustentam uns aos outros. Não é em toda ocasião que Jeová jura. (1) Quão grande, então, deve ser encontrado no final a perda daqueles contra cuja entrada em Seu descanso o Altíssimo jurou! (2) Quão grande será a glória do descanso para aqueles que entrarem nele! (3) O juramento a Cristo entra aqui para confirmar os outros. Jesus, o Filho de Deus, de fato agora ressuscitou, e é Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque. Mas Ele está esperando para ser Rei, assim como Melquisedeque foi. E isso deve ser cumprido no mesmo dia de bênção milenar com os outros dois juramentos.

Nas páginas iniciais de Lucas, o Espírito Santo confirma as promessas feitas aos Pais e declara que o juramento de Deus a Abraão significa que “Israel, livre de todos os inimigos e renovado por Seu Espírito, viverá diante d’Ele em segurança, justiça e santidade” (Lucas 1:69-73). Na descida do Espírito Santo, também temos uma menção ao juramento de Deus a Davi, de que o Messias se assentaria em seu trono.

Nas páginas iniciais de Lucas, o Espírito Santo confirma as promessas feitas aos Pais e declara que o juramento de Deus a Abraão significa que “Israel, livre de todos os inimigos e renovado por Seu Espírito, viverá diante d’Ele em segurança, justiça e santidade” (Lucas 1.69-73). Na descida do Espírito Santo, também temos uma menção ao juramento de Deus a Davi, de que o Messias se assentaria em seu trono.

Nas páginas iniciais de Lucas, o Espírito Santo confirma as promessas feitas aos Pais e declara que o juramento de Deus a Abraão significa que “Israel, livre de todos os inimigos e renovado por Seu Espírito, viverá diante d’Ele em segurança, justiça e santidade” (Lucas 1.69-73). Na descida do Espírito Santo, também temos uma menção ao juramento de Deus a Davi, de que o Messias se assentaria em seu trono.

Esses juramentos, então, apontam para sua realização em um dia futuro e pressupõem um tempo na Terra totalmente diferente de seu presente de pecado e tristeza. Aqueles que negam isso entendem apenas metade das Escrituras?

Mas quem são os “herdeiros da promessa”? Podemos dividi-los, creio eu, em (1) os herdeiros e (2) os herdeiros aparentes. (1) Os herdeiros são aqueles que estão cobertos pelo juramento de Deus e que estão além das mudanças da mortalidade. (2) Os herdeiros aparentes são aqueles que saíram do mundo por meio da verdadeira fé, filhos espirituais de Abraão, que aceitam as promessas feitas a seu pai e estão avançando em direção à glória pelo caminho da obediência. Eles são descritos ainda mais no próximo versículo.

Jeová estabeleceu este conselho d’Ele por meio de dois “atos imutáveis”. Quais foram eles? (1) A ALIANÇA de Gênesis 15. (2) O JURAMENTO de Gênesis 22. Ambos foram entregues como atos e feitos de Deus a seu servo Abraão.

A aliança da fé (em Gênesis 15) foi dada após Abraão ter demonstrado sua coragem, zelo e desinteresse, no momento em que resolve resgatar Ló, nos bens, bem como nas pessoas de Sodoma, pois recusava a aceitar as riquezas oferecidas pelo rei de Sodoma. Somente o Senhor deveria enriquecê-lo! Então, Jeová lhe diz que Ele seria seu escudo e recompensa. Abraão lamenta não ter herdeiro.

Os Cinco Animais Apontados por Jeová

O Senhor lhe promete um de seu próprio sangue (versículo 4). Isso se refere especialmente a Cristo, o Herdeiro Individual de Abraão. Em seguida, Deus lhe mostra, como em um espelho, sua descendência espiritual, estreitamente ligada ao Único Herdeiro. Eles seriam numerosos como as estrelas (versículo 5). Abraão crê, e é justificado (versículo 6). Jeová o assegura de que Seu propósito ao tirá-lo de sua terra natal, Ur dos Caldeus, era dar-lhe “ESTA TERRA para possuí-la” (versículo 7). Aqui, Abraão faz uma pausa e pede uma garantia de Deus em relação a este ponto (versículo 8).

Jeová então lhe ordena oferecer cinco tipos de animais em sacrifício. Eles são melhor distribuídos em três classes. “A novilha de três anos” corresponde aos patriarcas, antes que os homens da terra fossem divididos em judeus e gentios. “A cabra e o carneiro de três anos” correspondem à posteridade de fé de Abraão entre os judeus e gentios debaixo da Lei. “A rolinha e o pombinho” correspondem aos herdeiros da promessa, tanto judeus quanto gentios, debaixo do Evangelho. Eles são “as aves do céu”, enquanto os outros são “os animais da terra” (versículos 9-11). Então, Deus fala a Abraão, cercado por um horror de escuridão, e prediz problemas para sua descendência, que seria exilada; mas, no fim, eles seriam vindicados e trazidos de volta à terra. O próprio Abraão deveria morrer e ser sepultado antes que isso pudesse acontecer (versículos 12-16).

A Aliança Abraâmica

Então, quando escureceu, o Senhor fez uma aliança formal com Abraão: “À tua descendência dei esta terra, desde o rio do Egito até o grande rio, o rio Eufrates” (versículo 18).

À tua que é Cristo”. “Agora digo isto: que a aliança previamente ratificada por Deus para com Cristo, a Lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois, não pode anular, para que a promessa não fique sem efeito” (Gálatas 3.16, 17).

A terra da Palestina, então, do Nilo ao Eufrates, é prometida a Cristo. Isso foi confirmado durante a estada do Salvador na Terra pelo testemunho do profeta Zacarias. Jesus entrou em Jerusalém como o Rei de Israel, visitando sua metrópole da maneira predita (Zacarias 9). Mas eles não o reconheceram e o mataram. Ele deve voltar, então, para cumprir o restante daquela chamada, feita pelo profeta, à Filha de Sião, para se alegrar: “Ele falará paz às nações [hebraico] e seu domínio será de mar a mar, e do rio [Eufrates] até os confins da terra” (Zacarias 9.10). O versículo seguinte descreve a ressurreição dos servos de Cristo entre os mortos, pelo sangue de Sua aliança. Agora, essas coisas não foram cumpridas em Cristo. Portanto, ainda devem ser. Mas esse cumprimento alterará completamente a cena presente.

Da segunda “transação” já falamos (Gênesis 22). Houve um comando da parte de Deus e obediência da parte de Abraão. Sobre esse último ato de obediência, surgiu o juramento do Altíssimo, que foi ratificado sobre Isaac, figurativamente ressuscitado dos mortos.

Agora, nestes atos e feitos, executados com devida formalidade e registrados para nós, Deus não pode mentir. Ele deu essas coisas e o registro delas, por nossa causa, que somos Seus. Assim, Ele deu forte consolação. Pois, se a semente natural de Abraão deve sofrer escravidão por quatrocentos anos, sua semente espiritual deve sofrer ainda mais e por ainda mais tempo. “No mundo, tereis tribulações”. “Através de muitas tribulações, devemos entrar no reino”. E grandes problemas exigem forte consolação. Nossa fé e esperança nos levam a um conflito com os homens da incredulidade. Aqui está o apoio de Deus, até que o dia de tribulação passe. Deus é como um pai mostrando a seu filho, em pobreza, os documentos de sua vasta propriedade.

Isso é destinado àqueles “que fugiram a fim de se refugiar e agarrar a esperança que foi proposta” a eles.

A expressão “fugido para se refugiar” é projetada para nos levar à explicação do ensinamento da Lei. Lá, era exigido que, se algum nativo ou estrangeiro matasse alguém na terra prometida, ele deveria fugir para uma das cidades designadas, onde estaria seguro até que a questão fosse decidida judicialmente, se a morte foi assassinato ou homicídio culposo. Se houvesse premeditação, a vida do assassino deveria ser tirada. Se a morte fosse acidental, a congregação deveria devolver o refugiado à sua cidade de refúgio, onde ele deveria permanecer “até a morte do sumo sacerdote, que foi ungido com o óleo sagrado18 (Números 35).

Nesses julgamentos, temos uma imagem da grande questão pendente entre Deus e Israel. Jesus, o mensageiro manifestamente comissionado por Deus, foi morto. Isso foi feito de forma assassina ou sem inimizade? Com intenção de inimizade! Os governantes conspiraram sua morte, exigiram-na em ódio nas mãos do relutante governador romano. “Seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos!” “Jesus, o Nazareno [grego], vocês prenderam e, por mãos ímpias,19 crucificaram e mataram”. “O Justo, de Quem agora vos tornastes traidores e assassinos” (Atos 7.52) [grego].

Mas o rei, ao ouvir isso, ficou irado e enviou seus exércitos, destruiu aqueles assassinos e queimou a cidade deles” (Mateus 22.7).

Mas, enquanto essa era a atitude de Israel tanto em relação a Jesus quanto aos seus discípulos, ainda havia um chamado emitido para que se arrependessem e fugissem antes que o Vingador do sangue os alcançasse. Muitos ouviram esse chamado de Deus em graça. Eles haviam fugido para a cidade de refúgio, que, creio eu, é um tipo da Igreja de Cristo (Atos 2.40, 41). Pois esta é, em essência, a ordem dada por Pedro àqueles que desejavam saber como escapar da vingança devida aos assassinos e inimigos do Messias: “Salvai-vos [escapem] desta geração perversa” (Atos 2.40). Eles deviam fugir através das águas do batismo, por ordem de Cristo, assim como Israel, perseguido por Faraó, havia fugido e escapado pelo Mar Vermelho.

Os cristãos hebreus a quem nossa Epístola foi dirigida haviam obedecido a essa ordem de Cristo e estavam seguros dentro da cidade. O vingador do sangue foi afastado. Todavia, os refugiados, embora seguros, eram estrangeiros na cidade. Como iriam se sustentar? Quando poderiam retornar para suas casas e propriedades? Eles estavam confinados dentro das muralhas da cidade designada até a morte do sumo sacerdote. Aqui, então, estava “a esperança proposta diante deles”.

Na expressão “apoderar-se da esperança”, acredito que há uma referência a um ou dois incidentes do Antigo Testamento. “E Adonias temeu por causa de Salomão, e se levantou, e foi, e pegou-se aos chifres do altar” (1 Reis 1.50-52). “E Joabe fugiu para o tabernáculo do Senhor, e pegou-se aos chifres do altar” (2.28). Contudo, Joabe era assassino, e seu refúgio não lhe valeu de nada. O israelita, julgado apenas como homicida involuntário, era livre para voltar à “terra de sua possessão” assim que o sumo sacerdote morresse.

Agora, se Jesus é o verdadeiro Sumo Sacerdote, e Ele já havia morrido, por que o cristão hebreu não deveria possuir sua herança antiga? Ao contrário, ele foi expulso de sua propriedade e estava em perigo de vida, por causa dos incrédulos de sua nação. Sua posse foi perdida duas vezes:

1. Como Israel foi responsável pela morte do Messias, Isaías já havia dito (Isaías 1:21) que sua terra foi confiscada por Deus.

2. Como o hebreu crente havia se afastado daquela associação de assassinos, sua mão também foi levantada, de alguma maneira, contra ele.

A vingança do Altíssimo estava prestes a atingir e expulsar de sua terra essa geração má. Não era momento de retornar à propriedade perdida, pois “os dias de vingança”, vindos da mão de Deus, o Vingador do sangue, estavam prestes a atacar toda a terra, por causa “do sangue justo derramado na terra desde os dias de Abel” (Mateus 23.35).

Além disso, havia uma segunda condição a ser cumprida: deveria haver “o julgamento da congregação” antes que a questão de homicídio culposo ou doloso pudesse ser decidida judicialmente (Números 35.12, 24; Josué 20). Creio que é a isso que nosso Senhor se refere (Mateus 5.21-22): “Ouvistes que foi dito aos antigos: ‘Não matarás’; e qualquer que matar estará sujeito ao julgamento. Mas eu vos digo que qualquer que se irar contra seu irmão sem motivo estará em perigo de julgamento; e qualquer que disser a seu irmão: ‘Raca’ estará em perigo do conselho; mas qualquer que disser: ‘Tolo’ [rebelde] estará em perigo do fogo do inferno” (Mateus 5.21-23).

Qual era, então, a esperança colocada diante do israelita crente? Era “que ele deveria retornar à terra de sua possessão”.

Que ele mantinha em risco, ou já havia perdido (Hebreus 10.32-34), por causa de sua fé em Cristo, a qual o fez deixar sua antiga posição entre seus compatriotas. A Escritura, então, o fazia esperar que Cristo um dia lhe devolveria o que havia perdido por amor a Ele, e ainda mais. Pois, embora o chamado essencial do crente hebreu fosse “celestial”, as promessas do Antigo Testamento também o envolviam. “Eis que o justo será recompensado na terra; quanto mais o ímpio e o pecador” (Provérbios 11.31). “Bem-aventurado aquele que considera o pobre; o Senhor o livrará no dia do mal... será abençoado na terra” (Salmo 41.1, 2).

Os malfeitores serão exterminados, mas os que esperam no Senhor herdarão a terra. Os mansos herdarão a terra e se deleitarão na abundância de paz. Aqueles que são abençoados por Ele herdarão a terra, e os que são amaldiçoados por Ele serão exterminados” (Salmo 37.9, 11, 22). Aqui, tocamos novamente o Novo Testamento, com as duas últimas promessas sendo reafirmadas por nosso Senhor (Mateus 5:5; 25:34). E o que é verdade para Abraão também é verdade para seus filhos pela fé. Uma sorte dupla é atribuída a Abraão nesta mesma epístola.

(1) O patriarca foi chamado por Deus para deixar a terra de seu nascimento, em direção à terra que ele deveria ver e desfrutar (Hebreus 11:8).

(2) Não que o desfrute da terra de Canaã fosse tudo. Pelo contrário, ele buscava uma “pátria melhor, isto é, celestial”, e a Jerusalém celestial (Hebreus 11.10, 13-16). Abraão é o herdeiro do “mundo” (Romanos 4:13). E ele não irá desfrutar dela sozinho. Ela também é para sua descendência, seus filhos pela fé.

Isso foi tipificado na história do patriarca. Ele teve duas esposas de diferentes posições e um filho com cada uma. Eles deveriam ter heranças distintas entre si: o centro de uma, Jerusalém terrena; e o centro da outra, Jerusalém celestial (Gálatas 4). E Jesus governará tanto a terra quanto o céu. Ele será “o Rei de Salém”, e Jerusalém será “a cidade do Grande Rei”. Ele habitará no templo como o Senhor dos Exércitos, recebendo a adoração das nações (Zacarias 14).

Além disso, os aprovados por Ele virão com Ele à terra, e “eles reinarão sobre a terra”.20 Não devemos rejeitar uma verdade por causa da novidade da outra. Este desfrute da terra por Cristo e Seus aprovados já foi mencionado várias vezes nesta Epístola, especialmente no segundo capítulo, onde “a terra habitável como será” foi mostrada como a porção de Cristo e daqueles julgados dignos. “Não sabeis que os santos julgarão o mundo?” (1 Coríntios 6).

19, 20. Temos esta [esperança] como âncora da alma, firme e segura, e que penetra no [santuário] além do véu, onde Jesus, como precursor em nosso favor, entrou, tendo se tornado sumo sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque. (Tradução usada por Govett).

A “âncora” é mencionada apenas uma vez no Novo Testamento, e apenas em conexão com a história de Paulo. Naquela viagem rumo a Roma, ele e seus amigos enfrentaram grande perigo na décima quarta noite da tempestade. Foi então que lançaram quatro âncoras pela popa e aguardaram ansiosamente pela luz do dia: “Eles não podiam fazer nada além de esperar por um novo dia”. Contudo, em meio à tempestade, receberam uma esperança dada por Deus, e, por meio dela, chegaram em segurança à terra.

Podemos supor que Paulo nunca esqueceu aquela noite de desespero. As circunstâncias espirituais semelhantes enfrentadas pelos crentes hebreus podem tê-lo levado a relembrar esse evento. Entretanto, a única âncora da alma providenciada pelo Senhor era infinitamente superior às quatro âncoras feitas pelo homem. Ele apresenta três descrições dessa âncora espiritual.

Em alguns solos, âncoras não seguram; escorregam, e o navio deriva e se perde. Mas esta é “firme” (ἀσφαλής).

Às vezes, a âncora não é forte o suficiente, ou o cabo se rompe. Mas nossa âncora é “segura” (βεβαία).

O fundo em que nossa âncora se prende é muito peculiar. Outras âncoras afundam além da vista nas profundezas do oceano. Esta se eleva ao céu dos céus. E lá ela se prendeu no tabernáculo acima, e em sua câmara mais interna. Assim, enquanto o naufrágio da fé é iminente onde a esperança do dom de Deus se extingue, nossa esperança não deve ser arrancada da promessa da Palavra escrita de Deus. Isso não pode falhar, apesar de todas as provações do tempo.

Por essa expressão, “Dentro do véu”, somos levados de volta a Moisés e à esperança. “Dentro do véu” era o lugar característico do sumo sacerdote. Assim, Paulo entrelaçou, (1) a lei do homicida; (2) a esperança do crente; e (3) a herança de Abraão e seus filhos. Nossa esperança de glória está dentro do véu, porque nosso Sumo Sacerdote está lá. Daí se vê a superioridade de nossa esperança. A Lei poderia apenas falar justamente da morte de seu sumo sacerdote.

Mas o nosso Sumo Sacerdote não apenas morreu, Ele também ressuscitou! E mais: não apenas ressuscitou, mas ascendeu, entrando no verdadeiro Tabernáculo de Deus nas alturas, onde permanece no Santíssimo. Assim como uma âncora firmemente fixada guia o navio ao ponto onde está, nosso Sumo Sacerdote Ressuscitado nos conduzirá a permanecer onde Ele está agora.

Pois Ele entrou “como nosso Precursor”. Diferente do sumo sacerdote de Israel, que não entrava dentro do véu como precursor e não podia permanecer ali, estando em perigo nos poucos momentos em que seu dever o chamava a estar lá, Jesus entrou em nosso favor. Ele o fez para, ao fim, nos conduzir também para dentro do véu.

Ao mencionar “Precursor”, somos lembrados da história de José, repleta de significados típicos, embora muitos cristãos enxerguem nela apenas a humilhação de Cristo. Jesus cumpriu, em tipo, tudo o que teve de sofrer, seguindo o padrão da vida de José. Contudo, Seu reinado de glória, Seu ato de levar Israel ao arrependimento e conceder-lhes perdão, ainda estão por se cumprir.

José, ao perdoar seus irmãos por suas graves faltas contra ele, revela o propósito divino por trás dos acontecimentos: “Eu sou José, seu irmão, a quem vendestes para o Egito. Agora, portanto, não fiquem tristes, nem se irritem consigo mesmos, por me haverem vendido para cá, pois Deus me enviou diante de vós para preservar a vida” (Gênesis 45.5). Assim, José estabelece seus irmãos no Egito, garantindo-lhes sustento e segurança.

De forma semelhante, quando Jeová encontra Moisés no Monte de Deus, Ele promete que Israel, conduzido por Seu servo comissionado, também retornaria àquele lugar. Deus afirma: “Este será um sinal para ti de que Eu te enviei. Quando tiveres tirado o povo do Egito, servireis a Deus sobre este monte” (Êxodo 3.12). Esses relatos apontam para o plano soberano de Deus, que conduz e redime Seu povo em meio às circunstâncias mais desafiadoras.

Neste ponto, podemos ver um contraste significativo entre Moisés e Cristo. A Israel, Moisés declara, com tristeza, que, por causa de sua ofensa, ele deve ficar e morrer do outro lado do Jordão, e não entrar na terra da promessa. Mas “o Senhor teu Deus irá adiante de ti, e destruirá essas nações diante de ti, e tu as possuirás” (Deuteronômio 31.3).

O Apocalipse nos mostra o cumprimento da mesma coisa na multidão sem número, que está reunida em adoração alegre diante do trono e do Cordeiro, enquanto as doze tribos ainda estão na incredulidade na terra, e a desgraça está vindo sobre ela (Apocalipse 7).

Jesus entrou por nós dentro do véu, como Sumo Sacerdote. Da bênção da ascensão e entrada de Jesus como nosso Sumo Sacerdote, o Espírito Santo já havia dado indícios antes, quando fala do Messias como ajudando os filhos de Abraão e tornando-se um Sumo Sacerdote expiatório (Hebreus 2.16, 17). A passagem que temos agora diante de nós confirma a aplicação de “Aquele que entrou em Seu descanso” ao nosso Senhor (Hebreus 4.10, 14).

Observe como o plano de Deus avançou grandemente desde o juramento feito a Abraão. Não apenas a "Semente" prometida veio, a quem foram feitas as promessas, mas Ele também trouxe paz com Deus, atuando como Sumo Sacerdote. Ele morreu e ressuscitou, assegurando a redenção eterna. Além disso, foi colocado por Deus no Santo dos Santos celestial, ocupando a posição mais elevada para promover os interesses de Seu povo e cumprir a esperança do reino de glória vindouro.

Ele é o Sumo Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque, unindo os papéis de Sacerdote e Rei. Entrou no Santo dos Santos como o Sumo Sacerdote em favor de Seus amigos, mas retornará como Rei, derrotando Seus inimigos e recompensando aqueles que O seguem.

É significativo que não se mencione nem o palácio de Melquisedeque como rei, nem seu templo como sumo sacerdote. Essa semelhança com Cristo é destacada pelo fato de ser mencionada sete vezes nas Escrituras. O Apóstolo, ao tratar de Melquisedeque, já havia abordado o tema anteriormente, mas desviou-se duas vezes para preparar os leitores para verdades mais profundas sobre Cristo, verdades que eles ainda não estavam moralmente prontos para aceitar.

A essência de seu argumento nessa digressão é clara: retroceder da verdade que reconheceram acerca do Sacerdócio de Cristo, caindo em negligência e indiferença, é colocar em risco até mesmo a vida eterna que haviam recebido inicialmente. O plano divino é ordenado e razoável: aqueles que aceitam o Filho como Sacerdote devem perseverar, buscando diligentemente sua recompensa e um lugar na glória do Reino de Deus. Abraão serve como exemplo perfeito desse princípio. Justificado pela fé, ele continuou a avançar em obediência, até ser considerado digno do reino futuro.

NOTA


1 – Os hebreus cristãos.

NOTA


2N.T. Obras pode ser um indicativo, também, de ações baseadas na Lei que por consequente a esta altura estariam mortas, pois a veracidade já tinha chegado que era o próprio Cristo.

NOTA


3N.R. Efésios 2.1, obras de morte.

NOTA


4N.T. As seções referidas anteriormente são: Arrependimento de Obras Mortas e a Fé em Deus.

NOTA


5N.R. Versão padrão inglesa da época do autor, período vitoriano do séc. XIX.

NOTA


6N.R. A base para esse texto [que o sr. Govett prefere] na crítica textual [do Novo Testamento] difere do Textus Receptus. O que se segue é conhecido, na verdade, como Texto Crítico. O texto crítico tem por base não a quantidade de manuscritos, mas sim seu tempo, sendo os manuscritos mais antigos de maior envergadura, pois estaria, como advoga a tese, mais próximos dos tempos apostólicos, consequentemente mais livres de erros ou acréscimos. Bíblias como a Bíblia Textual; Nova Almeida Atualizada; Nova Versão Internacional; Bíblia de Jerusalém, Tradução Brasileira assim como outras, seguem em maior parte o texto crítico, porém a Bíblia Textual é a única que segue 100% o texto crítico. Bíblias como Almeida Revista e Corrigida; Almeida Corrigida Fiel; Almeida Edição Contemporânea, Peshitta e a King James 1611, seguem majoritariamente o Textus Receptus, esta última 100%.

NOTA


7N.T. Neste caso adotamos a versão utilizado pelo autor. Versão Inglesa Autorizada. Devido à expressão “uma vez por todas”.

NOTA


8 – Mas Jesus diz, que no último dia Ele estaria rejeitando de Si mesmo, como “obreiros da iniquidade”, aqueles possuidores de profecia e milagre (Mt. 7. 22, 23). Isso, então, se refere a uma futura comunicação de dom (Mateus. 17. 11).

NOTA


9N.R. Até aqui parece indicar que o autor não cria na experiência dos dons miraculosos para os dias de hoje, devido à ausência da imposição de mãos apostólicas. Pelo menos para transferência praticada pelos apóstolos; entretanto, é valioso destacar em seu livro “As Parábolas das Dez Virgens” (publicado pela editora Escriba do Reino) que Govett destaca neste precioso estudo da parábola que os cristãos que não buscam os dons, em especial os miraculosos, não estariam eles com azeite de reserva como as “virgens prudentes”; desta maneira, temos que inferir que, ou: o autor ao escrever este estudo tinha uma outra opinião, ou: que ele entendia que havia uma outra forma de receber os dons celestiais que não fosse pela imposição de mãos dos apóstolos, como, por exemplo, a busca incessante em oração.

NOTA


10N.T. Govett, parece indicar que ele cria no Batismo com o Espírito Santo do qual Esse precioso Ente Pessoal faria habitação no espírito humano do cristão, mas sua forma externa como a Unção e o Selo parece que na visão de Govett, até aqui, entendia-se não ser mais possível devido à falta da imposição de mãos apostólicas.

NOTA


11 – Depois de um apelo aos reis, como especialmente privilegiados de Deus, o escritor apócrifo acrescenta: “A vós, portanto, ó reis, falo, para que aprendais a sabedoria e não vos desvieis” (Sabedoria 6. 9).

NOTA


12N.T. para Govett, a conversão deste judeu pode não ter sido genuína. Além disso, parece que a Sinagoga não o obrigou a fazer qualquer renúncia ao Espírito Santo, sendo então possível que ele não tenha blasfemado, por tal blasfêmia não ter sido exigida pela Sinagoga.

NOTA


13 – Pode haver aqui uma referência ilustrativa a Jerusalém, cuja queima estava próxima.

NOTA


14 – Sinopse sobre a passagem, e Works Expository (vol. vii., viii.).

NOTA


15 – As palavras “o trabalho de” antes de “amor” devem ser omitidas. Elas foram provavelmente retiradas de 1 Tessalonicenses 1.3.

NOTA


16 – Διακονια. Aqui, outra expressão paulina.

NOTA


17Πραγματων, Atitudes — no sentido jurídico. “Transações”, como em Lucas 1.1; Atos 5.4. Notável que o sentido definitivo da palavra é dado por Lucas.

NOTA


18 – O sumo sacerdote era o único que recebia o óleo sagrado derramado sobre ele. Os filhos de Arão eram apenas salpicados com ele (Levítico 8.30; 4.5).

NOTA


19 – Ou, “pelas mãos dos ímpios”, os romanos. Jesus foi morto por uma arma de ferro e uma de madeira (Num. 35.16,18).

NOTA


20 – Aqui, alguns distinguem: “Eles reinarão sobre a terra”, não “na” terra. Mas os governantes de uma cidade não devem habitar na cidade que governam? Se Cristo habitar em Jerusalém, eles não podem habitar na terra? (Salmo 68.16; 132.14; Ezequiel 43.7; Zacarias 8:3).

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Série: Isso não vem de Vós Ep03

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