Equivalência Dinâmica e Equivalência Formal o que isso quer dizer nas Bíblias atuais?

Hoje vamos aprender um pouco mais sobre como as Bíblias são produzidas e como os textos e o formatos adotados por eles são utilizados para criar um padrão textual de tradução; e vamos, também, trazer um pouco do assunto: Crítica Textual.

Tipos de Bíblia

Falar desse livro histórico, místico e inigualável em toda a evolução humana é uma tarefa, eu diria, não pouco fácil, seria mais prudente dizer que se equivale ao impossível retratar de maneira definitiva o que esse livro tem tão poderoso e o que ele contém.

As Versões da Bíblia e a Crítica Textual

Há muitas versões de Bíblia, mesmo em pt-br. Por que nos deparamos com tantos tipos de Bíblia assim? É devido às propostas que os corpos editoriais, eruditos, tradutores, teólogos e biblistas ofereceram e oferecem. Ao mesmo tempo, que isso é importante acaba sendo também o problema chave que enfrentamos hoje em meio às Bíblias existentes no mercado. Afinal, até que ponto posso confiar nessas traduções? Essa questão não pode ser respondida orientando-se apenas em ter uma versão de Bíblia. Ao contrário, seria prudente termos mais de uma tradução em nossa casa para nossas leituras.

Antes alguém iria dizer que isso era difícil porque as Bíblias e suas traduções não são tão baratas assim, no entanto, hoje, com um celular você e eu podemos ter acesso a praticamente a maioria delas gratuitamente. Portanto, a justificativa financeira não deveria mais ser objeto de discussão.

Onde estão os Originais?

Antes de prosseguirmos para falar do processo textual dos diferentes tipos de Bíblia que temos em português brasileiro, é importante entender quais são as fontes textuais e manuscriturísticas que compõem uma tradução.

Existe uma denominação chamada “AUTÓGRAFOS”, que se refere, em última instância, ao manuscrito que saiu da redação direta do autor. Seria como se fosse uma carta que Paulo, ou seu secretário, acabou de escrever e que, no máximo, foi feita uma cópia direta para a comunidade destinatária.

O problema é que todos os documentos autógrafos se perderam ao longo da história. Autógrafo significa “escrito pelo autor”. O que temos hoje são apenas cópias de cópias de outras cópias.

Devido a isso, surgiu uma disciplina científica denominada “CRÍTICA TEXTUAL”, que tem por objetivo resgatar o valor original de um texto copiado por meio de análises e métodos.

Não é o objetivo deste post, pelo menos não hoje, falar sobre crítica textual, mas apenas informar o leitor sobre ela e sua importância na escolha de uma Bíblia. Embora existam textos que são divisores na crítica textual, é importante que o leitor não desenvolva aversão ou preconceito com alguma versão específica, pois a perda gerada por essa atitude será exclusiva do próprio leitor. A atitude mais sensata é ter disposição para adquirir um arsenal crítico-textual variado de Bíblias. Para os amantes da Palavra e estudiosos da vida discipular, é fundamental ter e lidar com diferentes versões bíblicas e, consequentemente, mais de uma base textual adotada.

A partir de agora, você compreenderá melhor.

Textus Receptus – Texto Recebido

Esse é o nome dado ao manuscrito adotado no período medieval logo após a tradução latina de Jerônimo (Vulgata Latina). Como nosso objetivo não é aprofundar a crítica textual, saiba apenas que esse texto foi o norteador das Bíblias no período pré e pós-Reforma. Essa abordagem crítica adotou o texto bizantino, que se tornou a fonte da tradução protestante mais conhecida, a King James 1611.

Erasmo de Rotterdan foi o primeiro a produzir a Bíblia – Novo Testamento – em grego, que até então estava em latim. Ele compôs essa obra utilizando-se de quatro dos textos mais comuns de cópias manuscritas da época, incluindo o texto bizantino.

Essa atitude tornou sua redação a fonte primária de várias Bíblias que surgiriam ao longo da história desde a invenção da imprensa. Assim, as Bíblias teriam como fonte comum o chamado Texto Recebido.

Há muito mais a dizer sobre o Textus Receptus, suas falhas e acertos, e a teoria de sua existência. Isso inclui a reutilização de uma harmonização artificial produzida pelos copistas para garantir a exatidão dos Evangelhos, glossas e paráfrases, além de várias notas. No entanto, abordaremos esses tópicos em uma matéria dedicada ao aprofundamento da crítica textual.

Texto Majoritário

Apenas pela obrigação de dar continuidade na matéria, existe um segmento majoritário para a confecção de um texto. Mais precisamente, ele se vale do seguinte entendimento: onde há mais manuscritos concordando entre si, esses devem ser levados mais em consideração. Portanto, se vale do conceito de que “a maioria vence”, um compilado democrático de manuscritos.

A ideia parece ser boa e um indicativo de que a metodologia pode ser infalível, afinal, se levanta a maioria dos manuscritos concordantes e chega-se a uma conclusão de um texto mais próximo do original autógrafo. O problema é que a maioria nunca foi um fator de veracidade, ainda mais se as cópias se valem de uma única fonte considerada original, mas que, na verdade, é uma fonte tardia.

Assim, a discussão não é a quantidade de manuscritos, mas o peso deles. Esse peso é medido, entre outros fatores, pelo tempo em que eles foram elaborados. Isso consequentemente conflitará com a maioria, pois quanto mais antigo, menos manuscritos desse quilate serão encontrados. Quanto mais primitivo é este material, mais refém da ação do tempo tal redação se submeteu, sendo assim, naturalmente, mais fácil seria de desaparecer ou perecer. Portanto, o peso dessas obras é, na verdade, o extremo oposto da noção de que a maioria vence. O que equivale a dizer que o pouco, porém com mais peso, é que tem prevalência.

O Texto Crítico – Eclético

Agora vamos apenas mencionar o formato que acreditamos ser o mais adequado para as Bíblias se apoiarem, que  é uma avaliação do peso em detrimento da quantidade dos manuscritos, consultando os códices1 mais antigos, como o Sinaiticus2 e Vaticanus3 .

Sim, são poucos os manuscritos, mas eles são mais antigos do que a grande maioria dos mais de seis mil encontrados, o que permite conferir uma maior proximidade com a era apostólica e primitiva. Sua antiguidade também revela seu uso mais frequente entre as congregações cristãs.

Alguns críticos que seguem a linha majoritária afirmam que a descoberta do manuscrito alinhada à sua antiguidade configura um manuscrito ruim, apesar de ser mais antigo. Essa conclusão se deve ao fato de que eles ainda existem, o que indicaria a falta de uso e, por isso, não teriam perecido pelo manuseio. Essa suposta falta de uso seria o critério para definir sua qualidade. No entanto, essa afirmação pode gerar o argumento contrário, pois se fosse percebido seu valor redacional maior, a comunidade poderia ter feito um esforço maior para preservá-lo, cuidando e guardando o manuscrito. Isso fica evidenciado por um livro primitivo da era patrística, “Contra Celso” de Orígenes, que mostra como se cuidava dos manuscritos antigos.

(...)E os livros de teus sábios poetas, pelo que parece, tampouco são mais conservados: eles teriam sido conservados se o leitor deles tivesse tirado algum proveito” (Contra Celso primeiro livro, 18 – p. 57, Editora Paulus).

 

Além disso, os códices mais antigos eram feitos de um material mais resistente, o Vellum (pele de animais).

Ao se basear em Aleph e B (Sinaiticus e Vaticanus, respectivamente) como padrões norteadores, o fundamento principal para considerar um texto bíblico seria sua antiguidade e maior proximidade com os cristãos primitivos. Consequentemente, isso conferiria maior peso ao comparar com o método majoritário de contar os manuscritos a partir de cópias mais recentes, indicando que estas estariam, na verdade, mais longe da originalidade apostólica.

Esse é o grande diferencial de utilizar o texto crítico (ou como alguns o chamam: “eclético”) para traduzir a Bíblia. Pois se valeria dos manuscritos mais antigos, entre eles os já supracitados, relegando os demais ao aparato crítico em notas de rodapé ou sinalizados por itálico (caso sejam textos curtos) ou blocos textuais maiores entre colchetes (“[…]”).

As Equivalências de Tradução

Como já apresentamos um breve resumo sobre os métodos de crítica textual, agora podemos prosseguir com o assunto da equivalência. Existem duas formas de classificá-las e vamos falar sobre ambas. Antes disso, é importante frisar que, apesar de serem duas formas, é preciso dizer que entre os extremos há muitos detalhes textuais que figuram em boa parte de nossas traduções bíblicas.

Assim, no meio dessas equivalências, encontram-se vários formatos que diferem entre si, ao mesmo tempo que padrões surgem para orientar as próximas versões de Bíblias. Algumas versões são a soma de um pouco de equivalência formal e dinâmica, como é o caso da Almeida 21 e da Bíblia de Jerusalém. Sigamos para os detalhes das abordagens

Equivalência Formal

Estamos falando de uma abordagem de tradução cujo foco é deixar o texto produzido mais literal e formal, interferindo o menos possível no objeto do entendimento vernacular dele. Em resumo, é tentar alterar as palavras encontradas o menos possível ou adaptá-las para a realidade cultural daquele leitor, mantendo expressões em sua forma mais original e idiomática.

Contudo, isso não significa que o tradutor ou os peritos da tradução envolvidos não possam acrescentar vocábulos ou palavras para dar mais sentido. Uma vez que elas não seriam necessárias no idioma original, passam a sê-lo no vernacular.

Assim, em suma, as Bíblias cujas traduções são baseadas na equivalência formal tendem a ter as palavras mais próximas da literalidade quando possível, ou seja, quando isso não afetaria demasiadamente o entendimento gramatical da língua alvo.

Isso não tem a ver com o método crítico-textual escolhido. Ou seja, posso ter uma Bíblia de equivalência formal baseada no Textus Receptus ou Majoritário e outra igualmente de equivalência formal baseada no Texto Crítico.

Ao se deparar com Bíblias assim, pode-se observar versões como a Tradução Brasileira (TB), King James 1611 (KJV), Almeida Corrigida Fiel (ACF), Almeida Edição Contemporânea (AEC), Almeida Revista e Corrigida (ARC) e Reina e Valera (RV).

Equivalência Dinâmica

Já a equivalência dinâmica tem como foco facilitar a compreensão da língua vernacular; portanto, valerá-se de alguns arranjos textuais que facilitem isso, tais como melhor e mais atualizado vocabulário, expressões mais adaptadas, inclinação para interpretação do texto e não necessariamente a pura tradução e, por fim, em algumas vezes o uso da paráfrase, que somada à interpretação traria a adição de pensamento sobre aquilo que está traduzindo com fins de oferecer uma proposta daquilo que o autor queria dizer.

Não precisamos dizer do risco que há nessa proposta de tradução, pois seguramente muitos erros brotarão dessa abordagem. Entretanto, ela se torna um elo facilitador da leitura da Bíblia para o leitor novato nas Escrituras, e isso também pode ser usado como uma espécie de conexão para continuar a leitura em outras versões e traduções do que a desistência de continuar lendo a Bíblia. Além disso, pode ser útil para consulta, comparação e avaliação, o que enriquece o estudo.

Abaixo colocamos um gráfico demonstrado as principais traduções de Bíblias em PT-BR

Temos uma linha de graduação onde inserimos dois extremos. No lado esquerdo, o extremo da equivalência formal e, do lado direito, o extremo da equivalência dinâmica. A cor mais escura indica uma proximidade maior com a abordagem formal, e à medida que fica mais clara, aproxima-se da dinâmica. E, neste intervalo, há o meio. O meio é onde você pode compreender melhor a abordagem das principais traduções que destacamos.

Bíblias Equivalência Formal e Equivalência Dinâmica.
Abreviações

acf — Almeida Corrigida Fiel, 2011, Sociedade Bíblica Trinitariana.

aec — Almeida Edição Contemporânea – Bíblia Thompson – [1ª edição 1990 com o nome de ECA], 1ª edição com revisão e adotado o nome AEC, 2020, Editora Vida.

ara — Almeida Revista e Atualizada, 2ª 1993 Sociedade Bíblia do Brasil.

arc — Almeida Revista e Corrigida, 2001 Sociedade Bíblia do Brasil.

a21 — Almeida Século 21, 2008, Editora Vida Nova

bj — Bíblia de Jerusalém, 2002, nova edição, Paulus.

bp — Bíblia do Peregrino, 2005, 3ª edição, Paulus.

btx — Bíblia Textual 1ª Edição Português, Junho 2020, BvBooks Editora.

naa — Nova Almeida Atualizada 2017, Sociedade Bíblica do Brasil.

ntlh — Nova Tradução na Linguagem de Hoje, 2000, Sociedade Bíblica do Brasil.

nvi — Nova Versão Internacional, 2001, Sociedade Bíblica Internacional.

nvt — Nova Versão Transformadora, 2016, Mundo Cristão.

tb — Tradução Brasileira 1917, atualização para os nomes próprios e adequação para o novo acordo ortográfico, 2010, Sociedade Bíblica do Brasil

Notas

1 Códice era um meio de escrita que provavelmente surgiu no Século I, do qual consistia em folhas dobráveis e em seguida costuradas formando o aspecto de um livro com capas e páginas, exatamente como temos hoje; esse formato era diferente dos rolos e da tábua de argila e se tornou desde então a forma de manuscritos dos quais os livros de hoje tem herança direta.

2 Sinaitico Manuscrito em formato de Códice Maiúsculo também conhecido como (“Aleph”) א, ele contém mais de 400 páginas.  É um manuscrito bíblico não ornamentado de meados do século IV (ano 300 – 399) d.C. Por ter sido descoberto no Mosteiro de Santa Catarina no Monte Sinai, é conhecido como Codex Sinaiticus (o nome significa “o livro do Sinai”). Junto com o Vaticanus, Alexandrinus e Efraemi, este manuscrito é um dos “grandes unciais” que se acreditava conter originalmente toda a Bíblia em grego. Ele inclui o único Novo Testamento grego completo sobrevivente na escrita maiúscula e precede o próximo Novo Testamento grego completo por 500 anos. Ele contém a mais antiga cópia completa de Hebreus, as Cartas Pastorais, Filemon, Apocalipse e a Carta de Barnabé. (Extraído de: The Lexham Bible Dictionary).  
3 Vaticanus (é dito ser o mais antigo manuscrito de Vellum (pele de animais) existente. Ele e o Códice Sinaiticus são os dois manuscritos unciais mais antigos. Eles foram provavelmente escritos no século IV. Esse manuscrito foi colocado na Biblioteca do Vaticano em Roma pelo Papa Nicolau V. em 1448 (por isso carrega seu nome), sendo sua história anterior desconhecida. Originalmente consistia em uma cópia completa da Septuaginta e do Novo Testamento. Agora é imperfeito, e consiste de 759 folhas finas e delicadas, das quais o Novo Testamento preenche 142. Como o Sinaiticus, é do maior valor para os estudiosos bíblicos em ajudar na formação de um texto correto do Novo Testamento. Ele é referido pelos críticos como Codex B. (Adaptado de: Easton’s Bible Dictionary, Enciclopedia).
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